terça-feira, 28 de maio de 2013

Tudo Muda

Gente de todos os tipos lê este blog (o número as vezes me assusta), mas ultimamente os adolescentes e "pré-adultos" - aquele povo que já não é adolescente, mas ainda está tentando entender o que isso significa - têm me chamado bastante atenção. Depois de dezenas de conversas, leitura de posts facebookianos e sessões de terapia involuntária, resolvi escrever algo especialmente para eles.
Quando alguém, qualquer um, vem me contando sobre um problema, eu costumo dar conselhos, caso me ocorra um, ou simplesmente colocar a mão no ombro da pessoa, caso não tenha nada de útil a dizer. Mas sei por experiência própria que nada disso funciona com adolescentes. Muito pouca coisa, na verdade, realmente funciona com adolescentes.
Então não vou dar conselho nenhum nem incentivar lamentações. Vou falar um pouco sobre a minha adolescência, e vocês façam o que quiserem com essa informação.
E não esperem misericórdia.

* * * * *

O início da minha adolescência foi conturbado. Eu tive uma infância mais duradoura do que a maioria, até o início dos meus catorze anos era profundamente infantil. Era uma criança em todos os aspectos, exceto no tamanho (aos treze já tinha a altura que tenho hoje, e sou considerada meio alta). Isso fez com que esse período dos doze aos catorze anos fosse de relacionamentos difíceis, afinal, eu já devia ter um comportamento adolescente, mas não tinha. Meus amigos não entendiam isso e não os culpo. Mas também não culpo a mim nem me lamento por isso. Na época o fato não me incomodava, nem me incomoda lembrar disso hoje. Era apenas um traço da minha personalidade.
Aí eu finalmente virei adolescente. Vocês acham que toda pessoa tem uma passagem gradual da infância para a adolescência? Estão errados. Não sei se sou uma exceção, mas caí de paraquedas na adolescência; foi questão de alguns meses, talvez até mesmo semanas, entre a mudança definitiva de uma fase para a outra. Uma série de acontecimentos catastróficos estava acontecendo naquela época, e isso trouxe uma mudança profunda demais em mim para que eu continuasse sendo uma criança.
"Ah tadinha da Vitoria, ela teve um início de adolescência difícil, sofreu muito". Não. Eu não sofri nada por passar de uma fase para a outra, mesmo tendo sido de forma um tanto brusca. Foi uma mudança e mudanças são necessárias e inevitáveis. O tempo todo durante o processo eu tinha consciência disso. Sabia que ia me tornar  adolescente de uma forma ou de outra, e quando começou a acontecer, eu sabia o que estava acontecendo. Fazia parte da vida e eu sabia disso.
Durante a minha adolescência, as coisas não foram nada fáceis. Eu era introspectiva, insegura e tinha problemas de relacionamento. Era de classe média baixa (seja lá o que isso signifique) e estudava com pessoas de condição financeira muito superior às minhas. Tinha horror à sexo, em uma idade em que as pessoas esperam ansiosamente por isso. Vivia deprimida, e pelo menos em um período, de cerca de um ano, eu entrei em depressão pra valer. Me lamentava muito. Tinha vergonha da minha aparência, vergonha de assumir minha personalidade, de mostrar aos outros o que eu realmente era. Tinha medo de dizer que era ateia. Me sentia inferior a todo mundo.
Pelo menos uma vez por dia eu pensava em me matar. Tinha crises de identidade. Tinha sonhos que achava que nunca iam se realizar. Tinha problemas que achava que nunca iam acabar.
Eu morava em uma cidade pequena, mas sempre fui uma pessoa de cidade grande. Meus pais são conservadores e eu sempre fui liberal. Tinha uma personalidade difícil, era depressiva, tensa, revoltada com tudo e com todos. Minha família era uma boa família - melhor do que a maioria - mas eu tinha brigas épicas com todos na minha casa. Queria fugir. Queria matar ou morrer. Queria a liberdade que meus amigos tinham - ou a que eu achava que eles tinham.
Eu achava, sinceramente, que nunca ia ter um namorado, porque afinal eu era feia - todos me diziam que eu não era nada bonita - e era "esquisita", embora lembrando disso agora, eu não saiba a que o "esquisita" se referia. Mas eu era.
Achava que nunca ia sair daquele lugar  infernal em que eu morava, onde todas as pessoas não gostavam de mim. Achava que nunca ia poder sair para aonde quisesse com meus amigos. Achava que nunca ia poder sair da casa dos meus pais. Achava... Tudo isso que você, adolescente, acha hoje, eu achava também.
Agora para. Sério.
Eu tenho vinte e cinco anos. Se eu me encontrasse com a minha "eu" de, digamos, quinze anos, eu não diria palavras doces de  consolo. Não daria conselhos. Não secaria suas lágrimas quando ela chorasse porquê todo mundo a odeia e ela odeia todo mundo. O que eu diria seria algo mais ou menos assim:

"Sua burra, sua imbecil, eu tenho vinte e cinco anos e estou na faculdade que você queria estudar, fazendo o curso que você queria fazer, como você sabe que vai conseguir, porque isso só depende da sua vontade e vontade você tem muita.
Você acha mesmo que nunca vai ter um namorado? Que é uma coincidência tão grande assim você gostar de um cara e o cara corresponder? Você acha, sua imbecil, que com vinte e cinco anos nas costas - olha pra mim que eu to falando com você! - você realmente acha que uma pessoa de vinte e cinco anos que tem o mínimo de convívio social nunca teve nenhum relacionamento amoroso? Mas nem que você quisesse você conseguiria evitar isso!
Você vai crescer, e se quiser sair daqui vai sair, e se não sair, a culpa é sua. Porque a única pessoa que decide a sua vida é você, então para de dizer 'eu sou assim porque meu pai é assim' ou qualquer desculpa covarde desse tipo, porque quem diz isso é covarde, é aquele tipo de pessoa que não é digno nem de pena, porque ela é culpada da própria desgraça.
Você vai sofrer muito, com certeza. Mas vai ser muito feliz também. E só se escondendo em uma toca poderia evitar isso. Você vai ter a vida dos seus sonhos, vai fazer acontecer, vai ter momentos felizes e momentos tristes, momentos de sorte e de azar, de realização e de decepção, assim como todo ser humano. Você não vai ser mais ou menos especial no mundo por causa disso.
Então cala a boca, sua adolescente maldita, para de reclamar da sua vida e vai fazer algo de útil, vai melhorar os seus textos, porque um dia essa porcaria de vida que você acha que tem vai mudar, quer você queira quer não. Nada do que você fizer vai poder impedir que sua vida mude."

Basicamente é isso o que eu diria para mim mesma. O que eu diria para você, eu não sei.
Se os adolescentes fossem capazes de olhar para qualquer lugar que não fosse o próprio umbigo, eu diria "olhe ao seu redor, veja os adultos que você admira e saiba que todos eles tiveram problemas como os seus". Mas os adolescentes são burros e egoístas demais para sequer prestarem atenção em uma frase como essa. Com todo o respeito. Isso é natural da adolescência. Não é uma ofensa ser imbecil quando se é adolescente, é simplesmente natural.
Os adolescentes, assim como eu era, têm a certeza absoluta de que são as pessoas mais especiais do planeta. Afinal, os problemas deles acontecem só com eles, com ninguém mais! É impressionante o quanto eles realmente se acham, no fundo da alma, as pessoas mais importantes do universo. Criatura, você não é especial, e devia ficar muito feliz por isso. Você não carrega um fardo único sobre os ombros. Você não é o primeiro nem o último a ter esses problemas. Você não é a causa nem a vítima de todos os males do mundo.
A única coisa que você tem que gravar na sua cabeça é vai passar.

Seus pais te batem / te odeiam / você odeia eles? Você vai crescer e, se tiver o mínimo de cérebro, vai se mandar.
Você não gosta da sua aparência? Mais cedo ou mais tarde, você vai ter condições de dar um jeito nisso, ou vai descobrir que tem algum louco que te acha lindo como você é, e vai acabar se achando lindo também.
Você não tem amigos? Uma hora você vai aumentar seu círculo social, querendo ou não, e vai acabar fazendo amigos. Sério. Parece impossível, mas é inevitável.
Você nunca nem pegou na mão de ninguém? Você não vai morrer virgem a não ser que você queira, não se preocupe.
O mundo te odeia? Claro que o mundo não te odeia seu animal, as pessoas têm mais o que fazer do que te odiar, você não é tão importante assim.
Você é pobre? Isso não vai mudar, sinto muito.

O maior problema dos adolescentes são eles mesmos, e esses problemas vão passar. Não que a idade adulta faça uma mágica e tudo se transforme em flores, mas se a pessoa tiver o mínimo de vergonha na cara, ela vai dar um jeito de resolver os próprios problemas assim que tiver um mínimo de independência. Se não resolver, a culpa é dela, não da vida, dos pais, das estrelas ou sei lá de quem.
Tudo passa. Tudo muda. Se eu mudei, cara, qualquer um muda. Tudo passa. Tudo. Passa. As coisas ruins e as coisas boas. É inevitável.

* * * * *

Um parágrafo especial para aqueles que odeiam suas família: fique feliz cara, seus pais tendem a morrer muito antes de você!
Não ficou feliz?
Talvez você não odeie eles tanto assim.

* * * * *

Agora que escrevi sobre ser adolescente, sinto que inevitavelmente terei que escrever sobre ser adulto, mais cedo ou mais tarde.
Não vou escrever sobre ser criança porque criança não "é", criança só existe e está ali.

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