segunda-feira, 30 de setembro de 2013

[Resenha #009] O Hobbit - J. R. R. Tolkien

Resenha também publicada no Skoob. Você pode ler mais sobre o livro clicando aqui.

Aviso: contém spoilers

LÁ E DE VOLTA OUTRA VEZ

Bilbo Bolseiro é apenas um hobbit, vivendo a típica vida de hobbit em sua bela e confortável toca, até o dia em que o mago Gandalf aparece em sua porta, seguido por treze anões. Eles irão arrastar Bilbo para a maior aventura que algum hobbit já viveu: viajar por grandes distâncias, através de lugares perigosos e desconhecidos, afim de recuperar o tesouro roubado dos anões pelo terrível dragão Smaug.
Comecei a ler esse livro sem ter a menor noção de que se tratava de um livro infantil; por isso, no início a narrativa me desagradou um pouco. Mas logo me acostumei com o jeito de Tolkien contar a história. E é exatamente assim que ele narra: como alguém que pega uma criança no colo e conta uma deliciosa história. A narrativa flui bem, não há muitos momentos de espera, nem passagens cansativas. As descrições da Terra Média são na medida exata para que o leitor consiga visualizar o cenário sem se aborrecer com passagens monótonas ou cansativas.
Embora a história seja fantástica, algumas passagens são um pouco estranhas. Logo no início, a forma como Bilbo acaba aceitando participar da aventura me pareceu um pouco forçada. Da mesma forma, também me pareceu forçada a forma totalmente repentina como a batalha final acontece. Como se o autor tivesse que "fazer mágica" para que certas situações acontecessem. Ou talvez essa sensação seja dada pela narrativa simplificada, própria para crianças.
Por outro lado, a maior parte do livro é simplesmente brilhante. Um dos momentos que mais gostei foi a travessia da Floresta das Trevas. É a partir desse momento que Bilbo começa a realmente importar na aventura, salvando todo o grupo primeiro das aranhas, em seguida dos elfos, até enfim tirar a todos da floresta. É nessa parte da história que o pequeno hobbit se mostra dono de coragem e inteligência - embora ambas só se mostrem em momentos de extrema necessidade.
Outro momento que não posso deixar de citar é quando Bilbo encontra o anel. Toda a sequência, desde que Bilbo desperta sozinho na caverna até o momento em que consegue escapar usando o anel, é fantástica; e a forma - um pouco cruel - como ele ganha o desafio de rimas é uma cena memorável.
Após a saída da floresta, temos afinal o encontro com o dragão e a tentativa de recuperação do tesouro. Daí em diante, todos os acontecimentos prendem o leitor de forma ininterrupta. Embora, como eu disse antes, a forma como o desenrolar das coisas leva até à batalha final seja um pouco estranha, a grande guerra é uma das cenas mais espetaculares do livro. Infelizmente, talvez pela natureza da narrativa, muito pouco é mostrado dessa batalha, e não é mostrado o seu desenrolar final, já que tudo é visto da perspectiva de Bilbo - que fica escondido o tempo todo. E embora alguns personagens morram, a parte trágica da morte é quase completamente apagada - mais uma vez, acredito que isso seja uma exigência da narrativa infantil.
Em resumo, O Hobbit é belíssimo, fácil de ler, com todos os elementos em medidas exatas - ação, aventura, e algumas ótimas doses de humor. Este é um livro que agradará crianças, jovens e adultos em igual proporção, e que deixará o leitor ansioso para ler mais sobre os hobbits e a Terra Média.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O Palhaço

Isso aconteceu com a minha irmã, logo a narrativa é dela.

Eu estava sozinha no ponto de ônibus, encostada na mureta que separa a calçada do mar, quando eu vejo, ao longe, um palhaço.
O palhaço estava usando óculos escuros (!) e aqueles sapatos enormes de palhaço. E ele veio vindo na minha direção, andando igual ao Charles Chaplin, só que sem a bengala. A primeira coisa que pensei foi "Ok, normal. Ele deve entrar em algum ônibus pra vender coisa, fazer propaganda, sei lá".
Enquanto via aquele palhaço comecei a me lembrar de um episódio de Supernatural em que o Sam tinha medo de palhaço, e na época eu fiquei me perguntando porquê alguém teria medo de palhaço. Só que sozinha num ponto de ônibus, vendo aquele palhaço vindo na minha direção, e ainda por cima de óculos escuros, eu comecei a achar que ele tinha um pouco de razão. Palhaços podiam mesmo ser um pouco assustadores.
E o palhaço veio se aproximando, se aproximando, e eu pensando "o que será que ele vai fazer?". E ele parou na minha frente, muito perto de mim, praticamente na minha cara, e ficou parado, me olhando. E ele estava com aquela maquiagem de palhaço e os óculos escuros, então eu não conseguia ver a expressão dele, era assustador!
Logo que ele chegou eu levei um susto, e fiquei olhando para ele, e ele continuou olhando um tempão pra mim. E ele era grande, e eu fiquei pensando "ok, esse palhaço de óculos escuros parou aqui bem perto de mim e ficou me olhando, ele vai me agarrar".
Na hora eu achei que ele tinha me confundido com alguém. Só que se fosse uma pessoa normal, na mesma hora ia falar "opa, eu te confundi com alguém, foi mal" e ia embora. Mas não, ele ficou parado ali um tempão, nós dois nos encarando, e eu pensando aimeudeus que que ele vai fazer????.
Depois de muito tempo me encarando, ele me deu dois tapinhas no ombro e saiu. Sem dizer nada. Simplesmente seguiu seu caminho, indo pro outro lado do ponto, e eu fiquei olhando pra frente, pensando "ok, o que foi isso?". Ainda fiquei com medo de que ele pegasse o mesmo ônibus que eu, sentasse do meu lado e ficasse a viagem toda me encarando; mas ele saiu primeiro que eu, e nunca mais o vi.

* * * * *

Essa é a prova de que o dom de atrair coisas estranhas em ônibus (ou pontos de ônibus) é de família.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Menina Não

Meninos não podem gostar de rosa.
Concordando ou não, isso é um fato.
Por outro lado, hoje é normal meninas gostarem de azul. Só que nem sempre foi assim.
E quando eu era criança, não era assim.
Por algum motivo, quando eu era pequena, uma menina gostar de azul (ou simplesmente não gostar de rosa), brincar de carrinho, e não gostar de vestidos nem de bonecas, era uma coisa tão grave quanto um menino brincar de Barbie. Pelo menos era essa a sensação que eu tinha.
Ainda bem pequena, antes dos sete anos, eu era uma menina moleca no sentido mais cru da palavra. Parecia um menino, tanto no comportamento quanto em formas de pensar. Era violenta, gostava de brincadeiras que machucavam, gostava de bater nos outros. Odiava brincar de boneca, e nunca tive uma Barbie. Gostava de qualquer brincadeira que envolvesse correr, escalar, pular, bater, enfim, qualquer coisa que meninos gostassem eu gostava também.
O tempo passou, eu fui crescendo, e esse traço da minha personalidade não se alterou muito, embora tenha se tornado um pouco mais complexo. Eu ouvi tantas vezes que meninas não podiam ser assim, não podiam fazer as coisas que eu gostava, tinham que gostar do que eu não gostava, que chegou a um ponto em que eu não queria mais ser uma menina.
Não era uma coisa que chegava a ser preocupante, mas eu passei a me enxergar como um ser assexuado, mais próximo dos meninos do que das meninas (e até hoje as vezes me confundo e uso termos masculinos para me referir a mim mesma). Havia um porém muito importante do qual falarei depois, mas essencialmente, eu queria ser um menino.
Ser menino era mais legal.
Ser uma menina de menos de doze anos e querer parecer um menino não é uma coisa assim tão difícil, e nem causava tantos transtornos (apenas alguns puxões de orelha e olhares feios de vez em quando). O problema foi quando a adolescência começou a chegar, e eu comecei a ter os malditos problemas de menina.
Criar corpo não foi um grande problema, porque afinal, não mudou muita coisa (lágrimas). O verdadeiro problema é que uma criança desleixada é perdoável, mas uma adolescente sem vaidade não é. Eu não usava nenhuma maquiagem, nem mesmo batom; odiava saias e vestidos; só penteava o cabelo o suficiente para sair na rua e olhe lá; e a única coisa que me importava na hora de escolher uma roupa era o conforto. Na maior parte do tempo, eu parecia uma hippie esquisita.
Minha aparência e meu comportamento escandaloso (e nada feminino) as vezes faziam surgir alguns rumores sobre minhas opções sexuais, que as pessoas achavam que eu ignorava mas que eu sabia muito bem, embora não chegassem a me incomodar (e muitas vezes eu até brincava com isso). E aí entra o "porém" que eu havia dito acima, e que é muito importante para explicar pelo menos em parte o porquê de eu ser assim, e também para chegar a algumas conclusões sobre esse assunto: eu não gostava de meninas.
Por "não gostar", entenda-se ter total aversão a meninas e a qualquer coisa que me relacionasse com elas.
E eu adorava meninos.
Desde as minhas lembranças mais antigas, eu adoro meninos de tal forma que queria desesperadamente ser como eles. Quando se é criança, meninos não andam com meninas - os dois sexos, na verdade, costumam ser inimigos. E eu não queria isso, não queria estar no grupinho das meninas. Eu admirava os meninos, queria brincar com eles, encostar neles, bater neles. Meninas eram chatas, meninos eram legais.
Não faria sentido, portanto, achar que, por eu só andar com meninos, eu era lésbica. Se fossem fazer alguma relação com sexo, deveriam achar que eu era uma maníaca tarada, ou algo parecido.
Enfim. Isso durou boa parte da minha adolescência. Lembro que costumava me referir a mim mesma como um "ser indefinido", querendo dizer que eu era assexuada (o mais bizarro é que conheço várias pessoas que também se dizem assexuada). Quando fiz dezessete anos e fui virando gente, comecei a parar com isso - afinal, os meninos não eram mais inimigos das meninas, e eu podia brincar com eles sem me tornar um menino.
Mas até hoje, ando mais com meninos do que com meninas. Até porque, eu faço um curso em que mais de noventa porcento dos alunos são meninos.
Não importa quanto tempo passe. Sempre acharei os meninos mais interessantes pra brincar.
Sempre.

* * * * *

Eu ando observando, nas minhas peregrinações pela vida, que no geral meninos afeminados acabam se tornando gays, por uma série de fatores complexos demais para eu tentar explicar aqui. Conheço poucas meninas lésbicas e não sou próxima das que conheço, mas conheço algumas meninas que assim como eu eram "menininhos", e assim como eu, nunca chegaram nem perto de ser lésbicas.
Tenho a teoria de que isso acontece porque as mulheres são mais fortes do que os homens. Um menino afeminado sofre bullying e fica traumatizado. Uma menina que parece menino sofre bullying e bate em quem faz bullying com ela. E não está nem aí para o que pensam a respeito.

* * * * *

Hoje eu sou uma menininha fofa que gosta de Hello Kitty e usa lacinho na cabeça.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Dengue - Uma Aventura

Era uma época conturbada. Estava em época de provas finais na faculdade, andava dormindo muito pouco, estudando demais, fazendo muitos trabalhos. Isso acontece todo período, mas é sempre muito estressante. No dia seis desse mês, uma sexta-feira, seria mais um dia agitado: eu tinha uma prova, uma apresentação de trabalho, e tinha que estudar para as provas da semana seguinte.
Mas acabou sendo um dia muito mais agitado do que eu tinha imaginado.
Era de madrugada e eu estava dormindo, até que acordei. Sentindo dor. Acordei por causa da dor e não consegui dormir de novo por causa dela. Não era uma dor em um lugar específico, nem era uma dor normal: era uma dor insuportável, no corpo todo. Também tremia de frio, e ao mesmo tempo suava muito. Minha cabeça doía como se um rolo compressor estivesse passando em cima dela. Eu mal conseguia me mexer, e cada movimento fazia tudo piorar. Parecia que eu estava morrendo. Parecia mesmo que eu estava morrendo.
Um pensamento me veio à cabeça. Eu quis negar. Disse a mim mesma que não era aquilo, que podia ser qualquer coisa. Mas a palavra voltou à minha cabeça. Eu sabia o que era. Sabia desde que abri os olhos e tive a sensação de que estava sendo pisada por um elefante.
Dengue.
Não deve ser, eu disse para mim mesma, diagnóstico de dengue não é uma coisa tão simples assim. Mas não se sente uma dor como aquela por causa de uma gripe. Aliás, não consigo pensar em nenhuma outra doença comum que faça alguém sentir tanta dor. Ok, disse para mim mesma, isso parece mesmo dengue.
E era.
Consegui me manter quieta até de manhã, quando minha irmã acordou. Pedi socorro a ela, e logo meus pais estavam no quarto me acudindo.
À base de remédios, consegui fazer a prova aquele dia (que por sorte foi em trio, caso contrário teria sido um desastre). Mas mandei a apresentação do trabalho pro espaço, e fui para casa, onde fiquei sofrendo o resto do dia.
Só de lembrar disso, sinto a cabeça doer. Quem só teve doenças mais simples e nunca teve dengue não é capaz de imaginar a dor.
O sábado foi ainda pior, e a madrugada de domingo bateu o recorde. Como tenho o estômago fraco, acabei passando mal pelo excesso de remédios (eu estava tomando oitocentos miligramas de paracetamol para a dor). A dor só piorava. Também tinha febre, e a febre não abaixava de jeito nenhum. Meus pais acabaram tomando uma decisão drástica: me levaram para o hospital.
Só que existe uma coisa muito peculiar no tratamento da dengue pelo sistema público: eles não atendem casos de dengue em hospitais. A informação que nos deram foi que, mesmo que você chegue lá literalmente morrendo, eles não te atenderão se for dengue. Por quê? Não sei. Não tenho a menor ideia.
O jeito foi ir para o UPA de Carapina.
Eu não sei se existem UPA's e PA's em outros lugares, então aqui vai uma breve explicação: UPA significa Unidade de Pronto Atendimento (PA é a mesma coisa, sem o "Unidade"), e é como um posto de saúde, mas para atendimentos emergenciais, inclusive fazendo internações em alguns casos. Também podem ser chamados carinhosamente de Portas para o Inferno, Casa dos Desesperados, etc. São um inferno. Ficam estrategicamente localizados nos piores lugares possíveis, têm um atendimento péssimo, vivem lotados, e a impressão que tenho é que os médicos que trabalham ali largaram a faculdade na metade do curso (ou sofrem de amnésia ao pisar ali dentro). E, fora os postos de saúde (que não abrem em fins de semana), são os UPA's que atendem casos de dengue.
Como era domingo de manhã, tive a incrível sorte do UPA de Carapina estar quase vazio. Fui atendida bem rápido, fiz um exame que indicou que eu devia estar mesmo com dengue, me colocaram no soro, me passaram milhares de remédios - inclusive um que eu não poderia de forma alguma tomar em caso de dengue - e me mandaram para casa, dopada.
No dia seguinte, fui ao posto de saúde do meu bairro - aliás, o posto do meu bairro é excelente, e o tratamento que tive lá foi muito bom. E então eu, que sou uma pessoa que nunca vai no médico, de repente me vi em uma peregrinação diária por consultórios. Nos vinte dias em que a dengue durou, eu fiz mais exames de sangue do que devo ter feito na minha vida inteira. Tudo para controlar o nível de plaquetas, que estava a cento e doze (o normal é quatrocentos e pouco).
Não existe um tratamento de verdade para a dengue, com remédios ou coisas do tipo. A única coisa que se pode fazer é beber o máximo de líquido que for possível, e um pouco mais. O médico me mandou beber cinco litros de água por dia, coisa que eu obviamente não consegui - e olha que normalmente eu bebo muita água. Minha irmã e meu pai também pegaram dengue, e como minha irmã não bebe água, ela conseguiu a proeza de ficar muito pior do que eu - as plaquetas foram para oitenta e pouco - e demorou bem mais para se recuperar. Eu, enquanto escrevo isso aqui, já estou melhor mas ainda não estou cem porcento.
O mais engraçado é que a gente descobriu que existem tratamentos alternativos que não são receitados nos postos de saúde, mas que funcionam e não são tão caros. Existe um remédio homeopático chamado Proden, que a minha irmã tomou, que funciona e é muito bom. Existem outros tratamentos à base de plantas que não são "mágica", realmente funcionam. E eles são proibidos de serem receitados em consultórios públicos.
Outra coisa muito legal que descobri é que o paracetamol, apesar de ser muito usado no combate à dor causada pela dengue, é prejudicial ao fígado e pode acelerar processos de dengue hemorrágica. Ou seja, se você estiver só com uma denguezinha (se suas plaquetas não caíram muito) não tem problema tomar, mas se for um caso mais grave e você tomar paracetamol, você pode morrer. Mas no posto eles não falam isso, só falam para evitar tomar em excesso e não explicam o porquê. Muito legal isso.
Além disso, muitos remédios que são contra-indicados em caso de suspeita de dengue não deveriam ser. Você só não pode tomar remédios que causem hemorragia ou que tenham AAS. O Benegripe não tem AAS, ou pelo menos não consta na fórmula, mas ele está nas listas de remédios que não pode tomar. Por quê? Não sei.
Mais uma: enquanto você está com dengue, você não vai saber se você está com dengue. O exame para confirmar só pode ser feito depois de oito dias, e o resultado só fica pronto uns dez dias depois. Ou seja, enquanto você está com os sintomas, eles vão te tratar pressupondo que você está com dengue, e e você só vai saber se teve mesmo dengue quando já estiver curado.
Resumindo tudo: se você estiver com dengue, beba o máximo de líquido que conseguir e um pouco mais. Não tome paracetamol. Vá atrás de tratamentos alternativos. E (e isso serve para qualquer doença) não confie cem porcento nos médicos. Nunca.