sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Paranoia

O que eu vi hoje no ônibus deve estar no meu top 10 de Coisas Estranhas que Já Vi em um Ônibus.
Eu estava sentada no lado do corredor, e o ônibus estava lotado. Eu estava ouvindo música no fone de ouvido e com pensamentos totalmente aéreos, alheia a tudo ao meu redor, quando por algum motivo olhei para a menina que estava sentada no banco em frente ao meu, de costas para mim.
Não havia nada demais nessa menina. Ela estava sentada do lado da janela, mexendo no celular, e eu não tenho a menor ideia de porquê reparei no que ela estava fazendo. O fato foi que vi que ela estava com uma foto aberta no celular. Achei aquela foto estranhamente familiar, e ainda demorei alguns segundos para perceber por quê: era uma foto dali mesmo, do corredor do ônibus. Mais especificamente, era uma foto de uma menina que estava em pé próxima ao banco.
Pelo ângulo da foto, dava pra perceber que tinha sido tirada de forma bem discreta. Não havia absolutamente nada demais na menina: ela estava com um headphone, vestida de forma comum, tinha uma aparência comum. Enfim, não havia nada que justificasse o fato da menina sentada na minha frente ter tirado uma foto escondida dela dentro de um ônibus. Eu tive a impressão de que a garota estava mandando aquela foto por mensagem para alguém, mas não tenho certeza.
No início, eu só achei a situação inusitada. Depois, eu comecei a pensar nas implicações daquilo. A menina não sabia, mas tinha uma foto dela no celular de um estranho. Ela não tinha a menor ideia de quais eram as intenções daquela pessoa ou o que ela pretendia com aquela foto. E se aquilo acontecera com ela, podia acontecer com qualquer um.
Imagine se você está andando na rua e alguém tira uma foto sua, sem que você perceba.
Nesse exato momento, podem existir fotos suas espalhadas pelos celulares e computadores de pessoas que você nunca viu.
E não estou falando de fotos de facebook, previamente selecionadas para ficar minimamente apresentáveis. Estou falando de fotos que você nem sabe que tirou. Fotos que talvez sejam daquele tipo que você pede para a pessoa que tirou deletar imediatamente.
E elas estão nas mãos de pessoas que você nem sabe que existem. Talvez sendo mostradas para outras pessoas que você nunca viu.
Você não faz a menor ideia do que essas pessoas vão fazer com essas fotos.
Ou o que estão comentando dessas fotos.
Talvez estejam fazendo rituais satânicos usando suas fotos. Talvez algum tipo de grupo de elite esteja usando sua foto, tirada em um momento qualquer do dia, como um exemplo de "como não se vestir", ou coisa pior. Talvez algum maníaco tenha se apaixonado por você e tenha uma foto sua como papel de parede no computador dele. Talvez alguém esteja pensando em te sequestrar, e esteja tirando fotos suas nos seus trajetos diários, para preparar uma armadilha para você. Ou talvez estejam simplesmente tirando fotos suas, nas mais variadas situações, por qualquer outro motivo bizarro e desconhecido.
Paranoia?
Talvez.
Mas todo dia você vê pessoas mexendo no celular do seu lado. E você não tem a menor ideia do que elas estão fazendo.
Elas podem estar tirando fotos suas.
E você não tem a menor ideia do que elas vão fazer com essas fotos.
Ou quem vai ver essas fotos.
Ou - e muito pior - como você saiu nessas fotos.
Talvez seja paranoia. Mas acho que, depois disso, eu nunca mais vou ficar confortável próxima a estranhos segurando celulares.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

[Resenha #008] Quando as Bruxas Viajam - Terry Pratchett

Resenha também publicada no Skoob. Você pode ler mais sobre o livro clicando aqui.

TRÊS BRUXAS CONTRA UM FINAL FELIZ

Uma fada madrinha obcecada por histórias e finais felizes implanta uma ditadura de contos-de-fada em uma cidade. Com a morte da bruxa que era a segunda fada madrinha, três bruxas herdam a responsabilidade de ir até lá e impedir que o final feliz aconteça.
Décimo segundo livro da fantástica série Discworld, Quando as Bruxas Viajam segue os moldes dos outros livros da série: muito humor inteligente, comentários irônicos por todos os lados, e uma quantidade de trocadilhos que deve ter tirado o sono dos tradutores. Porém, ele peca em um aspecto importante: o desenvolvimento da história.
O próprio enredo já é um pouco confuso. No início do livro, é muito difícil entender o que está acontecendo ou qual é o foco da história. E o problema é que a história tem dois focos (ou dois "momentos"): o primeiro, que vai mais ou menos até a metade do livro, é a viagem das três bruxas - Vovó Cera do Tempo, Tia Ogg e a "madrinha" Margrete - pelo "estrangeiro" até o reino de Genua; e o segundo, que é o que realmente importa, em que uma bruxa - ou fada madrinha - obcecada por contos-de-fada está fazendo histórias acontecerem e obrigando as pessoas a serem "felizes para sempre", independente da vontade delas.
O segundo foco é genial. O primeiro, nem tanto. E com isso, metade do livro acaba se tornando lenta, um pouco chata e aparentemente desprovida de objetivo. A viagem das bruxas até tem momentos engraçados, mas como eu disse, nessa parte é muito difícil entender aonde o livro quer chegar; por isso, em muitos momentos você pensa "é engraçado, mas e daí?", ou acha as personagens apenas irritantes.
Por outro lado, após a metade, as coisas começam a ficar mais claras - e aí o livro se torna muito interessante. Descobrimos mais detalhes sobre as intenções de Lily, a fada madrinha má; descobrimos quem são vários personagens que aparecem momentaneamente no início do livro; e descobrimos, afinal, a que o livro veio. E Terry Pratchett finalmente se mostra em toda a sua genialidade.
Quando as Bruxas Viajam é um livro sobre a vida real, e como ela não deve ser um conto-de-fadas. Ele questiona o que o "foram felizes para sempre" realmente significaria na vida real. E, mais profundamente, nos faz pensar no que significa ser feliz. Tudo isso de forma engraçada, irônica e genial.
Resumindo, esse não é um dos melhores livros da série Discworld, mas vale muito a pena ler. E vale a pena insistir, mesmo que o início não pareça muito empolgante, porque algumas frases ditas perto do final são do tipo que nos fazem ficar pensando a respeito durante muito tempo.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Bullying - Filhos e Pais

Estamos formando uma geração de imbecis.
Quem acompanhar noticiários diariamente vai ouvir falar de pelo menos um caso de bullying por semana. Sabendo que apenas uma parcela muito pequena desses casos chega à imprensa, podemos concluir que há uma epidemia de bullying ameaçando nossas pobres criancinhas. Alguns casos que vi recentemente: garoto é obrigado a mudar de escola porque foi chamado de gay; garota se mata porque a chamaram de feia na escola; garota tira a roupa na webcam e se mata porque ficou com má fama; garoto gordinho entra em depressão por causa de bullying. Todo mundo sabe que a escola nunca foi o lugar preferido das crianças, mas parece que hoje se tornou um lugar realmente perigoso. Você vai para lá normal e pode voltar deprimido e com tendências suicidas (ou, em certos casos, homicidas). Certo?
Errado.
A culpa não é da escola.
É sua.
Seu idiota.
Em primeiro lugar, que tipo de imbecil é você que fica quieto chorando enquanto um bando de moleques da sua idade e do seu tamanho ficam fazendo hora com a sua cara? Você está sendo fraco e covarde sim senhor, então ou vira gente e vai dar uma surra nesses idiotas, ou se mata mesmo, porque não tem lugar para gente fraca no mundo.
É claro que todo mundo se sente frágil de vez em quando e é bom correr para o colo da mamãe e chorar, mas tudo tem um limite nessa vida. Pelo amor de Krishna, como é que você deixa as coisas chegarem a um ponto em que tudo vai ficar tão insuportável que você vai pensar em se matar? Se você for uma pessoa superior que não se importa com implicâncias, ok, simplesmente ignore; mas se não for, então no primeiro comentário idiota já pule em cima do imbecil e faça ele se arrepender a ponto de nunca mais na vida querer dizer nada a seu respeito.
É claro que, sendo adolescentes, é bom resolver as coisas como bons adolescentes: à base de socos, chutes e mordidas. Esse tipo de briga saudável que nos deixa boas cicatrizes pelo resto da vida. Nada de facas ou armas, ouviram crianças? E nada de juntar "a turminha" para dar uma surra no imbecil que te provocou. Se fizer isso, vai continuar sendo um fraco imbecil que é incapaz de resolver os próprios problemas. Existem muitos casos em que você vai precisar de ajuda e não tem nada demais em aceitá-la, mas casos de reconquista da sua honra e dignidade você deve resolver sozinho.
Que tal parar de chorar e de correr para o colinho da mamãe, e tentar resolver seus próprios problemas?

* * * * *

Agora que já falei com o filhinho, vamos falar com a mamãezinha e o papaizinho.
Seu filho está sofrendo bullying? Apanha dos amiguinhos? Ouve comentários maldosos? Está deprimido e chega em casa chorando?
A culpa não é (só) da escola.
A culpa não é (só) das outras crianças.
A culpa não é, ao contrário do que eu disse acima, do seu filho (e não deixe ele saber disso).
A culpa é sua.
Seu idiota.
O que temos hoje são mães e pais que tratam os filhos como bonequinhos de porcelana, e posso falar com total conhecimento do assunto porque conheço vários pais. Não deixam a criança andar de bicicleta nem dentro de casa, porque ela pode cair e morrer; não deixam a criança brincar sozinha na rua, porque a rua é um lugar muito perigoso e ela pode ser sequestrada e estuprada e assassinada; não deixam a criança subir em árvores, porque ela pode cair e quebrar o pescoço; e se a criança chega em casa chorando porque um coleguinha xingou ela ou bateu nela, põe a culpa em toda a humanidade e troca o filho de escola.
Bem vindo ao mundo! Não sei se você sabe, mas nesse planeta em que vivemos e nessa espécie à qual pertencemos, é normal pessoas sofrerem acidentes, se machucarem e até morrerem mesmo. Se você tem medo de que seu filho morra a ponto de bloquear a vida dele, então não tenha filhos! Amar o seu filho e ter medo de que algo ruim aconteça é normal, mas não é justo e não é certo que você comprometa todo o desenvolvimento e toda a vida adulta de uma criança por causa desse medo. Filho não é boneco. Você precisa ensiná-lo a se proteger, a encarar a vida sem medo, a lutar pelo que acha certo. Mas o que os pais fazem hoje é fazer o filho acreditar que é o centro do universo e que sempre vai ter o papai e a mamãe para lhes dar tudo o que quiserem e os proteger de todos os males do mundo. Isso obviamente não é verdade, em primeiro lugar porque os pais costumam morrer antes dos filhos, e em segundo lugar, porque muito antes de morrer, os pais já vão ter muito pouco controle sobre a vida do filho.
Quer evitar que seu filho sofra bullying? Muito difícil, porque crianças, por puro instinto, querem ferrar umas às outras (tenho a teoria de que, se deixarmos um grupo de bebês sozinhos por certo tempo, eles vão se matar até que só sobre um). Mas que tal começar ensinando seu filho a não ser um babaca? Se ele não for gordo (fora em casos de problemas hormonais, se seu filho é gordo, a culpa é sua), não for um egocêntrico antipático, não for metido; em resumo, se for um cara com bom senso e legal com todo mundo, ele vai andar longe do bullying na maior parte do tempo. Mas todo mundo vai passar por isso ao menos uma vez, a não ser que se enfie em um buraco e fique lá até morrer.
Quer ajudar seu filho que sofre bullying? A não ser em casos de descontrole total da situação (coisa que para mim já passou do ponto de bullying e virou caso criminal mesmo), ensine seu filho a revidar. Seja com palavras, seja com atitudes, seja na base da pancada mesmo. Olho por olho, dente por dente.
Mas Vitoria que horror eu não quero que meu filhinho lindo se torne um menininho violento! Ok. Então deixe seu filhinho lindo apanhar e chorar, e mude ele de escola sempre. Aí, quando um moleque que nem armado está for assaltar ele e ele entregar tudo sem reagir, vai lá atrás do ladrão reclamar, vai. Ou quando um vagabundo chegar na sua filhinha linda e estupra-la dentro de um ônibus sem nenhuma arma, apenas porque ela estava com medo demais para reagir, vai lá depois brigar com ele. Ah, claro, já ia me esquecendo: quando ele for passado para trás no trabalho por um colega sem escrúpulos e mais esperto, vai lá chamar a atenção do chefe, vai. Vai mostrar para o mundo adulto o quanto o seu filhinho lindo tem um bom coração. Tenho certeza de que isso será muito útil para ele.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

As Memórias Mais Antigas

Lembro de me esconder atrás de um muro tão pequeno que hoje não chegaria nem na metade da minha perna.
Lembro de, em um dia pouco antes do Natal, estar contando para vários amigos meus que entraria na escola no ano seguinte, depois que fizesse três anos.
Lembro de estar no colo do meu pai, que estava tentando me fazer dormir, e eu era tão pequena que ele me segurava com os braços esticados de frente para ele, deixando minha cabeça nas mãos e minhas pernas quase esticadas no braço dele.
Lembro de só saber pensar sem palavras.
Por isso, quando eu escuto pessoas dizendo que não se lembram de nada antes dos sete anos de idade, eu fico muito chocada.
Claro que muita coisa eu não me lembro claramente. E muitas lembranças que eu tenho são tão soltas e fora de contexto que não tenho a menor ideia da idade que eu tinha. Consigo ter uma ideia melhor de idade porque me mudei muito, então dependendo do lugar em que a lembrança ocorreu, posso estimar uma idade; mas coisas antes dos seis anos, a não ser lembranças muito específicas como as que citei acima, é praticamente impossível saber quantos anos eu tinha.
Mas a questão é: como é possível pessoas não se lembrarem de nada de antes dos cinco anos? Eu me lembro até dos meus dois anos (talvez até algumas coisas de antes), e por um bom tempo achei que isso era absolutamente comum, até que algumas pessoas começaram a simplesmente não acreditar quando eu comentava "eu lembro que com dois anos aconteceu isso...". Descobri que dois ou três anos é realmente muito cedo, mas com quatro, cinco anos, você já é um ser bem desenvolvido e totalmente desanexo da sua mãe. Como é possível que nada de relevante tenha acontecido na sua vida até os cinco (seis, sete!) anos?
Muita gente tem como primeira lembrança o primeiro dia de aula. De fato, isso é totalmente normal e compreensível: quem cursa o maternal ou o pré (ou seja lá que nome dão a isso hoje) entra na escola muito cedo, e é um choque enorme: a primeira separação física dos seus pais, a entrada em um mundo estranho. É um trauma que você vai levar para a vida inteira. E se você tem três ou quatro anos, dificilmente você vai ter tido algum outro acontecimento tão chocante antes disso. Mas algumas pessoas só entram na escola aos sete, e não consigo acreditar que essa pessoa não teve absolutamente nenhum acontecimento digno de ficar gravado na memória antes disso.
Na verdade, não tenho a menor ideia de porquê eu lembro de coisas tão aleatórias quanto estar brincando na rua ou estar no colo do meu pai. Me lembro, por exemplo, de com quatro anos estar arrombando a janela de uma casa "abandonada", e é uma lembrança grandiosa o suficiente para ficar gravada; mas lembro também de estar pulando em cima de um tronco de árvore, por volta dos cinco anos, e não tenho nenhuma razão para lembrar disso.
Lembro de entrar embaixo de um caminhão, e o dono do caminhão chegou e ligou o caminhão (lágrimas caem pelo meu rosto). Foi um caos total. Existe um motivo para eu lembrar disso: o susto enorme que levei (embora não tenha ficado realmente com medo).
Mas me lembro de, com a mesma idade, estar com duas amigas minhas, depois do almoço, e discutir com elas porque eu queria brincar de correr e de lutinha, enquanto elas queriam brincar de boneca. Não existe nenhum motivo para que eu lembre disso.
É engraçado que lembranças muito antigas, como as da primeira infância (até os três anos), aparecem para mim meio como em um filme antigo, mas com uma inundação de sensações. Lembro de estar sentada na janela (não do lado da janela, e sim em cima da janela), de tarde, olhando a chuva molhando as plantas no jardim. Junto com essa lembrança, me vem o cheiro inebriante de terra molhada, de chuva, o barulho da água caindo nas folhas da árvore enorme que tinha no nosso jardim. Lembro de estar um pouco frio, e eu não sabia exatamente o que era o frio, o que significava aquela sensação e como lidar com ela. Lembro de gostar de olhar a chuva no jardim com um prazer hipnótico. Essas lembranças vêm para mim em uma inundação de som, cheiro, frio. É uma lembrança boa.
Lembro de sentir cada coisa muito profundamente, de amar as coisas muito profundamente, de pensar muito profundamente.
Acho que uma pessoa que não lembre de sua primeira infância, ou ao menos dos cinco primeiros anos de sua vida, perde muita coisa. Nunca mais você vai ser tão puro, tão cru, quanto naquela época. É a fase em que você está mais próximo do ser humano ancestral, do mundo de onde você veio, dos espíritos ancestrais, enfim, daquilo tudo que, depois de adulto, você vai pensar que é bobo e desimportante. É bom lembrar de uma época em que o simples fato de existir parecia fascinante.

* * * * *

Vitoria Esewer é incapaz de lembrar o que almoçou ontem.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A Carteira

Eu já era era adolescente, mas tinha menos de quinze anos - imagino, na verdade, que tinha uns doze, mas não tenho certeza. Estávamos andando pela cidade, e por algum motivo eu resolvi que queria comprar uma carteira.
Realmente não consigo imaginar um motivo para querer uma carteira naquela época. Eu não tinha dinheiro, não ganhava mesada, nem tinha nenhum documento. Acho que envolvia alguma ideia do tipo "sou quase uma adulta e adultos usam carteiras", mas não tenho certeza. Só sei que meus pais resolveram atender a um pedido daquela criança tão boazinha que eu era (e eu era mesmo, foi uma fase boazinha que tive) e me levaram em uma loja que vendia umas carteiras bem baratinhas, para que eu escolhesse uma. E no meio de tantas carteiras dos mais variados tipos, eu escolhi uma carteira do Piu-Piu.
Piu-Piu.
Aquele passarinho que fala "eu acho que eu vi um gatinho".
Era uma carteira normal, preta, só que tinha o Piu-Piu bordado na frente. Era fofinha, mas aquilo estava muito longe de me deixar mais próxima do mundo dos adultos.
Eu usei essa carteira até os meus dezessete anos. Era bastante infantil, mas era bonitinha, e eu a adorava. No início, eu não tinha nada para colocar dentro dela, então a enchia de papéis onde escrevia poeminhas. Com o tempo, fui arrumando mais coisas para colocar: fotos 3X4, papéis de bombom (coisa de menina), papéis com letras de músicas, recortes de revista (por incrível que pareça, não eram de homens bonitos; geralmente eram recortes sobre matérias científicas ou fotos de bichinhos), e de vez em quando algumas moedinhas. Demorou séculos para aquela carteira ver a primeira nota, que foi de um real mesmo. E mais tempo ainda para ver uma quantia maior do que dez reais, que durou muito pouco e foi gasta comprando um presente para um professor por quem eu era apaixonada.
Então, aos dezessete anos, eu estava no terceiro ano e ia prestar vestibular. E, em uma lógica de pensamento muito ridícula e tipicamente adolescente, eu resolvi que uma pessoa de dezessete anos, quase uma adulta, não poderia ir fazer uma coisa tão importante quanto um vestibular levando uma carteira do Piu-Piu. Eu continuava sem nenhum dinheiro, mas já tinha documentos, então queria levar uma carteira mais séria para mostrar ao mundo inteiro que eu já era adulta.
Não me lembro como foi o processo de adquirir a nova carteira (sim, eu me lembro de quando comprei minha primeira carteira ainda criança, mas não lembro nem se comprei ou ganhei a segunda, aos dezessete). Mas era uma carteira muito bonita, mais cara e definitivamente "de adultos". Dei a carteira do Piu-Piu para a minha irmã, e passei a usar a nova. Até que...
Até que, há mais ou menos quatro anos atrás (ou seja, quatro anos após ganhar essa nova carteira), ela começou a estragar. E há uns três anos se tornou inutilizável: os compartimentos de plástico onde ficam os documentos rasgaram, o fundo dela abriu, a presilha que a fechava soltou. Eu tive que aposentá-la, e como carteiras são caras, fiquei bastante tempo sem comprar uma nova. Até que ganhei uma de aniversário, há dois anos atrás.
Essa nova também era muito bonita. Mas dessa vez, com apenas um ano de uso começou a estragar da mesma forma que a outra. Eu ainda a uso, mas se torna cada vez mais difícil evitar que as coisas caiam dela, e logo terei que aposentá-la.
E tudo isso é para dizer que a carteira de 1,99 do Piu-Piu, que a Vitória criança ganhou há treze anos atrás, continua firme e forte e inteira. Não tem um rasgo, um pedacinho faltando, nada. Minha irmã a usa até hoje, sem problemas. E ela tem mais compartimentos (e compartimentos mais úteis) do que as outras duas carteiras caras e "de adultos" que eu tive depois dela. A cada vez que eu olho para ela, lágrimas me vêm aos olhos e me pergunto porquê a abandonei. Já tentei convencer minha irmã a devolve-la, mas foi inútil.
Está decidido. Minha próxima carteira será a mais infantil e barata que eu conseguir encontrar. É provável que assim ela dure uns trinta anos.

* * * * *

Escrevendo isso, eu me lembrei que quando tinha dez anos, eu tinha uma roupa do Piu-Piu. Era uma camisetinha branca com o Piu-Piu bordado, e um shortinho azul com ele bordado no bolso. Era muito bonitinha.
A usei até que não entrasse mais em mim.
Talvez até um pouco depois disso.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Quem É Você?

Eu estava em uma festa. Era o tipo de festa em que pessoas como eu vão por algum motivo aleatório e enquanto estão lá ficam o tempo todo se sentindo alienígenas: tocava axé, forró e coisas do tipo, tinha cerveja para todos os lados, e em certo momento os homens começaram a tirar a camisa e a dançar mais do que as mulheres. O tipo de festa que quem gosta de rock, não bebe cerveja e não sabe dançar fica olhando e pensando "que lugar é esse?".
Mas apesar disso, eu, que sou uma pessoa sempre alegre e positiva, estava me divertindo. Comecei a dançar - ou melhor, fingir que dançava - com um amigo meu, e nessa hora um cara que eu não conhecia chegou perto da gente e deu um tapinha no ombro do meu amigo, falando:
-- Isso aê rapaz, pegando geral heim!
Nós dois começamos a rir. Pela intimidade com que ele falara com o meu amigo, eu achei, obvio, que eles se conhecessem, por isso entrei na brincadeira e falei:
-- Isso aí, ele tá me pegando. Mentira cara, ele é meu irmão.
Não sei direito porquê falei isso, mas acho que pensei que era mais fácil do que tentar convencer ele de que éramos só amigos. Todos riram, e o cara falou "Po, é mesmo? Foi mal!", e eu "Não, tudo bem". Ele foi embora, e eu ia falar para o meu amigo "depois você fala pra ele que eu tava brincando", mas antes que eu dissesse, meu amigo falou:
-- Eu nunca vi esse cara na minha vida.
Fiquei olhando para ele com uma cara de "como assim?". Imaginem uma pessoa chegar falando com outra como se fossem amigos de infância, e você não tem a menor ideia de quem ela é. A última vez que lembro disso acontecer foi no maternal.
Coisas estranhas acontecem nessas festas.

* * * * *

Eu estava em uma festa, do mesmo gênero da outra. Já era fim de festa e as pessoas estranhas estavam ainda mais estranhas. Por algum motivo misterioso, eu estava conversando com um cara que (mais misteriosamente ainda) se "apaixonou" por mim. Ele me fez declarações de amor, me pediu em casamento e disse que ficaria comigo pelo resto da minha vida (mas em nenhum momento perguntou meu nome, e não tenho certeza se perguntei o dele). Como eu estivesse em dúvida quanto ao pedido de casamento, ele me pegou pela mão e disse que ia me apresentar para todas as pessoas que eram importantes para ele. Me levou até um grupo de rapazes, e se seguiu o seguinte diálogo:
-- Aqui, essa é a minha noiva.
-- Sério? - eles me cumprimentaram - Que legal cara.
-- A gente se ama muito. A gente vai casar.
-- Sério? Nossa que ótimo. - um dos caras virou para mim - Olha, pode casar com esse cara que ele é muito gente boa. Você vai ser muito feliz.
Diante de tantos argumentos, acabei aceitando o pedido de casamento. Em uma hora q ele saiu para pegar cerveja e me deixou sozinha com os outros meninos (que começaram a me fazer propostas de casamento também), eu perguntei se eles estudavam juntos. Aí eles disseram:
-- Eu nunca vi esse cara na minha vida.
Dessa vez não perguntei "como assim?" porque já estava me acostumando com isso. Acabou que meu "marido" demorou para voltar e me casei também com um dos rapazes. Ele descobriu, mas no final ficou tudo bem, afinal eram todos amigos de infância. Mesmo que nunca tivessem se visto e nunca mais fossem se ver.
Coisas muito estranhas acontecem nessas festas.

* * * * *

Eu ia contar ainda sobre outra festa, em que todas as meninas começaram a dar selinhos umas nas outras e eu fui discriminada por não querer participar da "brincadeira", mas é desagradável demais e não entra no tema de "quem é você?", então deixa pra lá.
Definitivamente, coisas muito estranhas acontecem nessas festas.

* * * * *

Por que eu vou nessas festas?