terça-feira, 7 de maio de 2013

[Resenha #006] A Batalha do Apocalipse - Eduardo Spohr

Resenha originalmente publicada no Skoob. Você pode ler mais sobre o livro clicando aqui.

REVOLUÇÕES NO CÉU E O FIM DO MUNDO

Há milênios, enquanto o Criador estava adormecido, dois grupos de anjos se rebelaram contra a opressão dos arcanjos e foram expulsos do céu. O primeiro, comandado por Ablon, desejava a justiça e o bem da humanidade, e foi exilado na Terra; o segundo, liderado por Lúcifer  desejava o poder supremo, e foi aprisionado no Inferno. Agora, o Sétimo Dia finalmente está se aproximando do fim, e com ele chegará o Apocalipse e o despertar do Altíssimo. Antes disso, porém, haverá o Armagedon, a grande batalha entre Arcanjos, Anjos Exilados e Demônios, que decidirá o futuro de toda a humanidade.
A Batalha do Apocalipse, primeiro livro de Eduardo Spohr, superou em muito minhas expectativas. Já tinha lido alguns (poucos) livros de fantasia brasileiros, e todos me decepcionaram enormemente. Por algum motivo, parecia que brasileiros simplesmente não sabiam escrever esse gênero: as histórias eram fracas e bobas, os personagens superficiais, e a escrita era vergonhosa. Mas A Batalha do Apocalipse prova que os brasileiros sabem, sim, escrever histórias de fantasia. Muito bem escrito, bons personagens, cenas de ação alucinantes, uma trama complexa e um trabalho histórico inacreditável são algumas das qualidades que o leitor encontrará no decorrer da história. Nem tudo são flores, claro. O livro possui pequenos problemas, alguns até incômodos, mas não conseguiram diminuir muito minha admiração pela obra.
A estrutura do livro é a seguinte: a história se passa em um futuro próximo, em que o apocalipse se aproxima, e tem como personagem principal o anjo renegado Ablon, que está escondido no Rio de Janeiro. Esse ramo principal da história é cortado por inúmeros flashbacks, muito maiores do que a própria história, que contam os acontecimentos que levaram os personagens até aquela situação. A narrativa é quase toda em terceira pessoa; a única exceção é durante um dos flashbacks, que se passa na época de Cristo, em que Ablon narra os acontecimentos em primeira pessoa. A mudança de pessoa narrativa pode deixar as coisas bem confusas por um tempo, mas particularmente, eu gostei muito: desafios de leitura são sempre interessantes, e nos obrigam a prestar ainda mais atenção nos detalhes da história para não nos perdermos.
Uma das coisas que gostei muito nesse livro foi o fato de parte da história se passar no Brasil. No início é uma sensação um pouco estranha, mas o autor consegue falar sobre a ponte Rio-Niterói e o Cristo Redentor da mesma forma que estamos acostumados a ouvir falar do Big Ben ou de Nova York: de forma natural, sem puxar muito pro lado do patriotismo, e ao mesmo tempo marcando de forma muito clara os lugares.
As cenas de luta, que ocorrem tanto nos flashbacks quanto no tempo presente, são fantásticas. A primeira delas, e uma das que mais gostei, é a da invasão e destruição de Babel por Ablon. A cenas da luta dele contra centenas de anjos no deserto também é alucinante. Mas a melhor de todas é, sem dúvida, a sequência da batalha do apocalipse - com exceção da batalha final de Ablon contra Apollyon, que achei um pouco fraca e teve um resultado um pouco estranho.
Outro ponto forte do livro é a construção dos personagens. Ablon é profundo e complexo, e é possível perceber, conforme vemos os acontecimentos passados, o quanto sua presença na Terra influenciou sua personalidade. Os demônios no geral também tem uma personalidade complexa e por vezes comportamento ambíguo. É muito interessante a relação de Ablon com alguns demônios, que eram seus amigos quando ainda eram anjos. Ver um demônio como algo não completamente mal é bastante raro.
Mas aqui temos também um dos maiores problemas do livro. A feiticeira Shamira, personagem principal ao lado de Ablon, tem uma construção absurdamente superficial. Achei muito difícil ter qualquer simpatia por ela, ou mesmo imaginar os traços da sua personalidade. Apesar de viver milhares de anos, ela parece simplesmente não evoluir psicologicamente. Não que o personagem em si seja fraco, mas parece que o autor não quis gastar tempo nos apresentando a ela. Não sabemos como é a sua personalidade. Até mesmo a pequena chinesa Flor do Leste, personagem que não fala e que aparece apenas em um trecho da história, tem uma personalidade mais clara do que Shamira.
Uma coisa que achei curiosa é que esse livro apresenta uma quantidade fora do normal de humanos imortais. Parece que qualquer mago que procure saber como se faz é capaz de conseguir isso, e temos ainda algumas figuras amaldiçoadas com a vida eterna. Acho que isso tira um pouco a graça de termos uma feiticeira que se torna imortal por amor, mas não é algo grave e nem necessariamente algo ruim.
Saindo um pouco da história, e falando de uma das melhores características do livro: o trabalho histórico. O autor deve ter gastado metade da sua vida pesquisando história antiga, história bíblica, lendas e mitologias de todos os povos imagináveis, além da geografia atual e antiga de diversos lugares. É um trabalho admirável e delicioso de se ler. Temos descrições belíssimas da Babilônia de séculos antes de Cristo, da China e de Roma no ano 0, da Europa Medieval, da Jerusalém dos tempos atuais, além de diversos outros lugares. Temos também o Rio de Janeiro descrito de uma forma que achei muito diferente do usual, uma descrição do céu que pode ser comparada a algumas das mais incríveis que já li - embora o inferno, apesar de impressionante, tenha uma descrição muito parecida com outras tantas por aí.
Um ponto negativo é que algumas coisas importantes que acontecem são previsíveis, o que torna cenas que poderiam ser surpreendentes em cenas apenas um pouco irritantes. Todas as vezes em que eu previ algo, aquilo aconteceu, embora em uma delas eu não tivesse ideia das reais proporções do que estava acontecendo. Além disso, em um momento importante, Ablon cai em uma armadilha simplesmente ridícula, da qual ele poderia ter escapado facilmente. Mas como eu já disse, são poucos os momentos não-bons (porque nem chegam a ser ruins) e não tiram o brilho do livro.
Enfim, recomendo esse livro para quem gosta de ficção e aventura, e para aqueles que tinham perdido a esperança na literatura fantástica nacional. Aviso, porém, que não é um livro fácil de se ler, e é preciso prestar atenção na história - eu mesma fui pega de surpresa várias vezes. Quem espera uma obra que irá mudar o mundo irá se decepcionar - não é esse o objetivo do livro. Mas é um livro que ocupa um lugar entre os melhores - não o melhor, mas com certeza um dos grandes.

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