sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

É Natal - Onde Nós Estamos?

O dia de Natal se aproxima, e com o passar dos dias sou tomada pelo mesmo sentimento que tenho desde um Natal longínquo, em 2003. Pessoas saem às ruas para comprar seus presentes, crianças sorriem nos cartazes das lojas, uma onda de alegria inunda a cidade, e só há uma coisa em que posso pensar.
Aonde vão aqueles que não tem aonde ir?
Tenho procurado respostas para isso, e chego à conclusão de que eles não vão para lugar nenhum. Nem eles, nem nós. O que muda no dia de Natal? Há realmente aquela magia no ar, ou é apenas uma auto-ilusão? Ou será tal magia tão fraca que não pode resistir mais do que um dia, incapaz de mudar o mundo?
Natal é um feriado completamente cristão - que nós, não-cristãos, usamos em proveito próprio. É fácil ser um ateu não-radical, é fácil tirar apenas o melhor de cada dia. Mas não é fácil passar em frente às catedrais e ver aquelas pessoas. Não é fácil ser aquela que não tem nada a dar em troca de um milagre. Como pagaremos as promessas que não foram cumpridas?
Quando eu tinha oito anos vi um homem dormindo na rua, e à partir daí comecei a me tornar aquilo que serei daqui a vinte anos. Aquele homem sem pele e sem roupas - pois a pele e as roupas pareciam se fundir em algo incolor e disforme - dormindo sozinho, em pleno dia, na beira da calçada, inunda meus pensamentos nos momentos mais absurdos. Seja na hora do almoço, seja quando durmo. A qualquer momento em que tenho o que aquele homem não tinha, ele vem à minha mente, como um fantasma. Se eu fosse cristã, poderia dizer que era a culpa católica. Mas eu não sou católica, e não é culpa o que eu sinto.
Ainda pequena, descobri que nem todas as crianças tinham direito ao que todos têm direito. Descobri que nem todas as mães são mães e que nem todos os sonhos podem ser ditos em voz alta. Descobri que havia algo que podia ser feito e que ninguém fazia.
Ninguém deveria dormir enquanto houvesse, em algum lugar do mundo, alguém morrendo de fome ou sentindo frio. Estamos na época de Natal, e muito se fala em Deus. Se o Deus dos cristãos existir e for justo, espero que, para cada centavo gasto com futilidades, as pessoas passem cem anos sofrendo no inferno.
Como alguém pode ter um filho e não adotar uma criança? Como alguém pode dar comida estragada a alguém que tem fome? Como alguém pode desviar os olhos ao ver uma pessoa sofrendo?
Aqueles anjos nas escadas da igreja não saem da minha cabeça desde que eu tinha quinze anos. Pequenos anjos, meninos-velhos, com seus olhos opacos de vidro sujo. Filhos da noite, meus pequenos judeus nesse cruel campo de concentração. Que cada um que meus olhos viram carregue um pedaço de minha alma.
Dizem que o Natal é um dia simbólico para celebrar o nascimento de Jesus. Não consigo acreditar que se trate do mesmo Jesus que nasceu em um estábulo, sem ninguém ao redor, apenas ele, os pais, e uma solitária estrela que caiu do céu. Meus pequenos anjos, caiam do céu. Os três reis magos se esqueceram de vocês e ficaram em seus castelos, distribuindo os presentes entre seus próprios filhos. Para todos os Jesus que nascem e morrem no dia de Natal, saibam que nessa noite ninguém vem. E os soldados de Heródes percorrem as pontes e mancham as águas de sangue.
Apenas minha alma lá fora, sozinha. Minha alma é tudo o que posso dar a vocês. Alma, peixe, pão. Bebam do meu sangue como vinho e rasguem a minha carne como pão. Seria crucificada mais mil vezes se isso pudesse salvar vocês.
E, Jesus... Sinto dizer que sua morte de nada serviu.
Feliz Natal para todos vocês.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Preconceito?

Eu tive que me treinar para, em uma conversa em público, nunca dizer "fulano é preto". Sempre que dizia isso, as pessoas com quem eu conversava ficavam constrangidas, as pessoas ao redor me olhavam como se eu tivesse acabado de xingar alguém. Até hoje, tenho que me lembrar de que é feio dizer "preto" e é aceitável dizer "negro".
Quando eu era pequena, lá pelos três anos, eu me orgulhava de saber o nome de todas as cores. Ia falando em ordem alfabética: amarelo, azul, branco, bege, cinza, laranja, lilás, marrom, preto, rosa, roxo, verde, vermelho. Acho que são só essas (na época eu sabia, hoje não sei mais). Então... Espera aí, onde está o "negro"? Ou será que "negro" não é uma cor?
Na minha cabeça de criança, preto era uma cor. Eu tinha um lápis de cor preto, uma canetinha preta, o cachorro da vizinha era preto. O olho do fulaninho da minha sala era preto. Já negro era um estado. A noite está negra, até porque noite não tem cor. A negra escuridão. Negro não é uma cor. Preto é uma cor.
Sendo assim, alguém me diga porque eu posso dizer "fulano é branco" e não posso dizer "fulano é preto". Porque branco é uma cor, estou me referindo à cor da pessoa, então se alguém é preto, eu devia dizer que ele é preto, não que é "negro". Quando ouço alguém dizer "eu sou negro", meu cérebro traduz da seguinte forma: eu sou preto, mas tenho vergonha de dizer que sou preto, então pra não ter que me lembrar que pertenço a uma raça inferior, digo que sou negro, para disfarçar.
Se eu fosse branca, não teria vergonha de dizer que sou branca. Se eu fosse preta, não teria vergonha de dizer que sou preta. E se eu fosse verde, amarela, ou de todas as cores do arco-íris, também não ficaria usando eufemismos para esconder minha cor.
Brasileiro é tão preconceituoso... Na rua, o que mais escuto é: "ah, não tem a Maria? Aquela menina que anda sempre de rosa e é... Bem morena". Quando a gente vai ver, a Maria é mais preta do que minha bisavó, que era escrava (ou filha de escravos, não tenho certeza). Dá pra ver que a pessoa fica constrangida, pensando se deve ou não dizer ao mundo que a Maria nasceu com essa cor, coitada. Afinal, se a pessoa é preta, consequentemente é pobre, e consequentemente deve ser bandido e gostar de funk. Com certeza muitos pretos são tudo isso, e com certeza muitos brancos também. Eu tenho vontade de dar um tiro em alguém quando a pessoa diz uma coisa dessas. Aliás, tenho vontade de dar um tiro em qualquer um que use o termo "negro" para se referir à cor da pessoa. Mais um pouco, e estaremos como os americanos, chamando nossos pretos de "afro-brasileiros".
E eu tenho uma implicância enorme com o movimento negro, ou seja lá que nome tem isso. Aquele pessoal que fica defendendo os direitos dos pretos, ops, negros. Por acaso existe algum movimento defendendo os direitos dos brancos? Por acaso os pretos são um grupo à parte da sociedade ou têm menos direitos perante a lei? Não que eu saiba. Eles reclamam do preconceito; mas, meus queridos, vocês têm preconceito com vocês mesmos. Só de se chamarem de "negros", já estão se colocando em uma categoria inferior. Como eu já disse, parece que eles têm vergonha da cor que têm. Além disso, preconceito vai ter sempre, e não só com os pretos. Eu conheço gente que não gosta de preto, do mesmo jeito que conheço quem não goste de espanhol, de argentino, de gay, de criança, de cego, de gato, de farinha de trigo e de torcedor do flamengo. Preto ganha menos, tem menos oportunidades? Ok, mulheres também, pessoas pobres também, cegos também, cachorros também. Aliás, eu teria muito mais chances no mercado de trabalho se tivesse Síndrome de Down ou alguma outra deficiência.
Outra coisa que não concordo é o sistema de cotas para negros nas universidades. No início eu também achava absurdo as cotas para estudantes de escola pública, mas pensando bem, tem sentido: os estudantes de escola particular têm muito mais chance no vestibular, e não necessariamente quem vai bem no vestibular irá bem na universidade. Agora, por que um preto deve ter mais chance do que um branco, um verde ou um lilás? É tipo assim: nós não podemos consertar o fato de você ser preto, então, como um pedido de desculpas por essa fatalidade, te daremos uma vaga na nossa universidade. Ou, melhor ainda: como você é preto, e portanto é inferior e tem menos capacidade do que qualquer outra cor, vamos te ajudar a pelo menos entrar na universidade, e lá dentro você se vira.
O que quero dizer é que nada justifica alguém ter algo a mais ou a menos do que outro só por causa de sua cor. E pare de dizer que é negro. Se você disser que é negro na minha frente, e ainda me chamar de preconceituosa, eu juro que não respondo por mim. E se você for preto e disser que é moreno, jogue-se de uma ponte, antes que eu jogue você.
Só pra finalizar: quando eu era criança, antes dos seis anos, eu não gostava de preto. Achava estranho, não entendia. Se fosse uma criança da minha idade, tudo bem, mas se fosse alguém mais velho, eu tinha medo. Uma vez eu disse pra alguém que não gostava da pessoa porque ela era preta. Só horas e horas de conversa com meus pais conseguiram me fazer entender que uma pessoa preta era igual a uma pessoa branca ou de qualquer outra cor. E isso em uma idade em que eu nem conseguia pronunciar a palavra "preconceito". Mas, depois disso, já tive milhares de amigos pretos e já me apaixonei por alguns. Inclusive, apesar da família da minha mãe ser toda portuguesa, a família do meu pai é uma mistura de portugueses com escravos africanos.

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Vitoria Esewer é lilás com bolinhas amarelas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Escrevendo...

Nem sempre é fácil escrever.
Eu amo escrever. Amo mesmo. Amo tanto que passo mais da metade do meu dia escrevendo. Escrevo mesmo que saiba que, assim que terminar, vou rasgar o papel e jogar o texto no lixo. Escrevo contos, poemas, frases, crônicas. Escrevo por pura compulsão. Escrevo porque escrever é para mim o mesmo que se drogar é para alguns outros.
Nem tudo o que eu escrevo é bom. Na verdade, a maioria do que eu escrevo não é bom. Mas às vezes surgem pérolas. Às vezes eu escrevo aquele conto, ou aquela poesia, e depois de uns dias releio e penso "fui eu quem escreveu isso?". É engraçado. Às vezes é como se, enquanto eu escrevo, eu estivesse possuída. Como agora. E a cada vez é por um espírito diferente. Algumas vezes é um espírito bonzinho. Outras vezes é um espírito demoníaco. E às vezes é mais de um ao mesmo tempo.
Mas não é fácil escrever. Agora mesmo, estou escrevendo isso porque não tinha nada previamente pronto. Tenho dezenas de rascunhos que não sei para aonde irão, tenho alguns textos prontos que precisam ser melhorados, e tenho uns poucos realmente ruins, que só não joguei fora por pena. Escrever pode ser muito cansativo.
Já faz um tempo que estou tentando escrever um texto sobre uma teoria minha, envolvendo extraterrestres, para postar aqui. Mas simplesmente não consigo. A idéia está perfeita na minha cabeça, mas na hora de passar pro papel, o que sai não me agrada. E os contos, então? Meu Deus, os contos. Como é difícil escrever um maldito conto. Às vezes a inspiração bate e eu escrevo cinco páginas perfeitas de uma vez, mas na maioria das vezes são horas lutando contra a folha em branco. É uma tortura.
Lembrei, agora, de algo que aconteceu uma vez. Eu devia ter uns quatro anos. Alguém me perguntou o que eu queria ser quando crescesse, e eu disse "escritora". Se me perguntarem isso hoje, eu responderei a mesma coisa. Acho que isso pode ter um significado. Uma vez eu sonhei... Não, não vou dizer isso. Mas quem sabe um dia eu não seja uma escritora de verdade? Quem sabe um dia eu não aprenda a escrever direito, e algum louco se interesse?
Vamos ver.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Prova do ENEM cancelada por fraude

O MEC cancelou na madrugada de hoje a prova do ENEM, que seria aplicada neste final de semana. A decisão partiu do ministro Fernando Haddad, após o jornal O Estado de São Paulo denunciar que foi procurado por um homem, que tentou vender por 500 mil as duas provas. O MEC tem uma segunda versão da prova, mas ainda não está confirmado se essa versão poderá ser utilizada.
Cerca de 4,1 milhões de candidatos realizariam o exame. A expectativa do MEC é realizar a próxima prova em 45 dias.
Fernando Haddad disse na manhã de hoje que será feita uma investigação para saber em que momento da impressão da prova aconteceu o vazamento. Segundo ele, há fortes indícios de que "houve a subtração de um exemplar" da prova. É a primeira vez que algo assim acontece em uma prova de ENEM. Segundo o ministro, outra prova será realizada assim que se concluir a impressão das novas questões.


fonte:
http://bit.ly/3GOVPl
http://bit.ly/SeEPC


Ótima notícia essa. Como se já não bastasse a tensão pelas mudanças no estilo da prova. Lembro de quando fiz o ENEM pela primeira vez, no segundo ano. Acertei sessenta questões, eu acho, e tirei setenta e cinco na redação. Mas fiz por pura brincadeira, nem sabia o que queria fazer de vestibular. Foi divertido. Foi mais divertido ainda ter tirado a maior nota da escola. Nunca mais consegui uma nota tão boa.
Quanto às pobres crianças que iriam fazer o ENEM nesse fim de semana e não vão mais... Não fiquem tão preocupados. Passar no vestibular não é tão importante assim. Eu achava que era, até entrar na universidade. Você, criança de dezesseis ou dezessete anos (ou até mais), que não aguenta mais estudar, que escuta os pais dizendo o dia inteiro na sua cabeça que se você não passar esse ano será uma vergonha para eles, que acha que vai ser um fracassado por não estar entre os quarenta melhores em uma prova... Esqueça isso. Não são os outros que vão ter que suportar pelo resto da vida as consequências de uma escolha feita sob pressão. Não ligue tanto para o que seus pais ou os outros dizem. Ele não sabem nada sobre a sua vida.
E você, mini-pessoa... Isso é para alguém especial... Se até o ano que vem você não tiver decidido o que fazer da vida, não precisa se preocupar. Você ainda tem muitos anos para decidir.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Ataque do Bebê Faminto

Outro dia eu estava no ônibus (como sempre), indo para a UFES. Estava morrendo de fome, e ainda ia demorar uma hora para chegar. Por isso, nos dois segundos que tinha entre descer de um ônibus no terminal e pular dentro de outro ônibus, passei por uma pseudo-lanchonete e comprei meu biscoito preferido.
Entrei no ônibus me sentindo realizada. Tinha conseguido pegar um dos últimos lugares vagos e tinha um pacote inteirinho do melhor biscoito do mundo, só pra mim. O que mais eu podia querer? Abri o pacote e comecei a comer, feliz.
Mas o que eu não sabia era que estava sendo observada. Alguém me vigiava atentamente. Só depois de vários minutos percebi, ao olhar para o outro lado do ônibus, por puro acaso. Só então a vi. Era ela.
Ela era um bebê de um ano e pouco. Ela era rosa e gordinha. Ela usava um lacinho colado na cabeça. E ela olhava para mim.
Logo entendi o que estava acontecendo. Os olhos ávidos daquela bolinha rosa olhavam de mim para o biscoito, do biscoito para mim. Ela tinha um alvo, um objetivo. Ela não queria a mim, não queria o meu colo e nem brincar comigo.
Ela queria o meu biscoito.
Houve alguns milésimos de segundos em que nós duas nos encaramos. Nós conversávamos com o olhar. Ela queria o biscoito e queria agora. Corajosamente, eu neguei. Com o olhar ela me ameaçou, com o olhar eu continuei negando. Tudo durou menos de um segundo. Então, selando o meu destino, eu desviei o olhar, passando a admirar a praia lá fora, e continuei comendo meu biscoito, como se não tivesse nenhuma consciência do ser inteligente e maligno logo à minha frente.
Mas ela era esperta. E tinha armas que eu nem poderia sonhar. Mal se passara cinco segundos, e ouvi um choro de bebê. Era ela. Chorando no colo da mãe, se mexendo, apontando para o meu biscoito. Continuei ignorando. Mas a terrível criatura tinha uma aliada: a mulher no banco ao lado do meu. Me assustei quando essa mulher me chamou, tocando no meu ombro. A olhei, e ela disse, com um falsamente simpático e terrivelmente ameaçador sorriso: "A bebê está olhando".
Está olhando o que?, eu ia dizer. Mas soaria ridiculamente falso. Só havia uma coisa que ela poderia estar olhando, e essa coisa era o biscoito. Então, me veio um enorme ímpeto de dizer "e eu com isso?", ou qualquer coisa semelhante. Mas agora o ônibus inteiro olhava para mim. Inclusive a mãe do bebê que, mais educada do que a outra mulher, disse que não precisava dar o biscoito, imagina. Mas agora já não havia jeito, ela ganhara. Tentando sorrir, peguei um biscoito - um dos últimos - e entreguei para aquela coisa rosa e fofa que devia ter acabado de tomar cinco mamadeiras. O bebê sorriu, vitorioso.
O pior foi que ela não comeu, e eu sabia que não ia comer. Ficou apenas lambendo o biscoito, olhando para ele, como se ele fosse algum tipo de brinquedo. Meu biscoitinho. Fiquei aliviada quando, poucos minutos depois, bebê e mãe desceram do ônibus. Ela deve estar brincando com meu biscoito até hoje, rindo da minha cara.
A próxima vez que estiver comendo e vir um bebê perto de mim, eu mudo de lugar. Nem que seja pra ficar em pé. Não vou mais ser vítima desses seres maldosos e chantagistas. Não mesmo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Uma Volta para Casa

Há um furo no cabo do meu guarda-chuva.
É assim que começa essa crônica. Estou em um ônibus olhando para algum ponto distante, e de repente percebo que há um furo no tecido que cobre o cabo do meu guarda-chuva. E é um tecido tão bonito.
À minha frente, há uma garota e um homem mais velho. A garota carrega uma sacola com um grande "&" estampado. O homem usa um ridículo boné xadrez. Odeio bonés, odeia estampa xadrez. Podem ser pai e filha. Parecem-se um pouco.
Uma mulher segura no encosto do banco à minha frente. Não a olho, mas sei que é mulher só pela mão. As unhas têm restos de esmalte vermelho, o que dá um aspecto ruim, de alguém cansada de tudo. Olho disfarçadamente para ela: é uma garota, pode ser mais nova do que eu. Começo a construir na minha cabeça possíveis histórias para ela. Quando ela tinha oito anos, foi espancada pelo padastro e um juíz a mandou ir viver com os tios. Os tios a criaram mas nunca se importaram com ela. Tem um namorado que não ama e vai...
Na rua, passa uma mulher sozinha. Sozinha és, criança, sozinhos somos nós. Esse é um daqueles dias que começam mal e terminam pior.
Eu sempre pego esse ônibus e sempre passo por esse caminho, mas é a primeira vez que reparo naquela casa. Seria uma casa normal de dois andares, semi-terminada, se não fosse por um detalhe: há uma porta que se abre para o nada. Uma porta na parede do segundo andar, dando para a rua. Isso me faz lembrar certas construções na UFES. Aliás, aquela perto do CT-IX já foi transformada em uma saída de emergência ou algo parecido. Enfim. Fico tentando adivinhar para o que aquela porta foi projetada. Talvez para se livrar de visitas indesejadas. Claro que a hipótese mais provável é que vá ter uma varanda ou qualquer coisa parecida ali em cima, e eles ainda estão construindo. Mas o engraçado é que a porta é tão bonita. E dá para o nada. Absurdo.
O ônibus dá uma freada brusca e levo um susto. Perco completamente o raciocínio, o que acontece com uma facilidade maior do que eu gostaria. Suspiro, encosto a cabeça na janela. Penso nele. Ultimamente, a coisa que mais faço é pensar nele. Não que ele também pense em mim. Não que isso vá realmente fazer alguma diferença.
Esse é um daqueles dias que começam mal e terminam pior.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Incrível Simpatia das Caixas de Supermercados

Acabo de chegar de uma viagem ao supermercado mais próximo, e fiquei o caminho todo pensando uma coisa: por que todas as atendentes de caixas de supermercado são tão antipáticas? Até hoje só encontrei uma que sorria e dizia "bom dia", e ela saiu do supermercado há muito tempo.
Será que elas ganham a mais por cada cliente que tratam mal? Ou será que acham que deviam ganhar mais para serem simpáticas? Antes eu achava que elas só eram assim aqui nesse mundo maravilhoso em que eu moro, mas descobri que na "cidade grande" também é assim. Será que são só nos supermercados do Espírito Santo, ou nos outros Estados também acontece a mesma coisa? Se todas as pessoas do Brasil fossem colocando uma pedra em uma pilha a cada vez que encontrasse uma caixa de supermercado simpática, será que essa pilha teria mais de, digamos, trinta centímetros de altura?
E aí está outro grande mistério: por que todos os atendentes de caixa de supermercado são mulheres?
Eu defendo uma super reforma nos supermercados. Tirem todas as mulheres e coloquem homens nos caixas. No geral, homens são mais simpáticos (há exceções). Eles têm mais bom humor e respondem quando você diz "oi". Na feira (onde também estive ainda há pouco) a pessoa que fica no caixa é um homem. Lindo, por sinal. E muito simpático, brinca com os clientes, diz um "bom dia" com sinceridade, e até os clientes antipáticos gostam dele. Porque, claro, também há os clientes antipáticos. Mas o bom atendente mantém um sorriso até nesses momentos.
Fugindo um pouco do tema "caixas de supermercado". Eu não consigo entender a antipatia. Claro, não é sempre que você está com o melhor dos humores. Mas uma coisa é você estar de mau-humor, outra é você parar alguém na rua pra perguntar as horas e a pessoa virar a cara e ir embora mesmo tendo te ouvido. Vai machucar tanto assim dizer as horas? Ou está achando que aquilo é uma tentativa de assalto? Não tem explicação.
Talvez isso só aconteça aqui no meu Estado. O Espírito Santo pode ser lindo, mas o povo daqui é difícil, pra usar um termo gentil. Já morei em Minas, e os mineiros são fantásticos. Mas os capixabas são terríveis. A grande maioria é grossa, ignorante, estúpida, antipática, fechada e parece estar sempre de mau-humor. Você nunca sabe quando um capixaba vai te responder com extrema grosseria, aparentemente sem motivo nenhum. Claro que há exceções, mas são poucas (felizmente, noventa por cento dos meus amigos capixabas se enquadram nas exceções), e quando o capixaba não é desse jeito, é porque tem genes de outros Estados misturados. Agora, se é capixaba de raiz, se nasceu aqui e se até o décimo antepassado era daqui, então não tem escapatória. Vai ser do pior tipo possível.
(Estou pressentindo críticas ferozes ao parágrafo acima)
Só um detalhe: eu sou capixaba. Mas com genes de todos os outros Estados. Minha mãe se criou em Minas e meu pai é carioca. Tenho muito pouco de capixaba. Mesmo assim, devido à convivência, tenho meus momentos de mau-humor, mas eles são raros. De grosseria, então, ainda mais com estranhos, acho que nunca tive. Antipatia, não que eu perceba e nunca reclamaram disso comigo. Sou até meio boba, vivo rindo. Mas eu sou uma exceção. Conheço outras exceções maravilhosas. Mas vamos voltar às caixas de supermercados.
Para finalizar, uma historinha:
CENA: eu, passando em um caixa. Uma mulher gorda e negra atendendo (nada contra os gordos, muito menos contra os negros). Valor da compra: cinco e setenta. Dinheiro no meu bolso: cinco e sessenta trocado, ou uma nota de cinquenta. O seguinte diálogo se segue:
EU: você não faz por cinco e sessenta? Porque eu tenho...
ATENDENTE (sem olhar para mim): não minha filha, é cinco e setenta.
EU (sem graça): tá. (pego a nota de cinquenta e dou para ela)
ATENDENTE: ô minha filha, você não tem trocado não?
EU (perdendo a paciência porque ela me chamou de "minha filha" duas vezes): tenho cinco e sessenta trocado, se você quiser...
ATENDENTE: olha, se eu deixar você ficar devendo dez centavos eu sei que você não vai voltar pra pagar, e eu vou ter que tirar do meu bolso.
EU (passando do ponto do tolerável): então pega essa nota de cinquenta e me dá logo a droga do troco.
ATENDENTE: espera um pouquinho que agora eu to sem troco. Maria! (gritando para a caixa do lado) Troca cinquenta pra mim?
MARIA: tenho não!
ATENDENTE: espera aí que eu vou chamar o Fábio. Fábio! Faaaaaaaaabio!
EU (olhando o relógio): olha, eu to com um pouquinho de pressa, se...
ATENDENTE: problema seu, minha filha, não posso fazer nada. Faaaabio!!!
EU (explodindo, pegando a nota de cinquenta de volta e jogando um e sessenta em cima do balcão): toma um e sessenta e cala a boca.
Pego minhas compras, vou saindo. Um homem se materializa ali e pergunta qual é o problema.
ATENDENTE: essa menina não quer pagar a...
EU (gritando): cala essa boca! Cala essa boca senão eu te meto a mão! (me virando para o homem) Essa criatura ridícula me tratou com grosseria, não tem troco pra uma nota de cinquenta, e quando eu ofereço dinheiro trocado ela não aceita porque falta dez centavos! Dez centavos! E ainda me chama de minha filha!
HOMEM: calma, vamos resolver isso. Ô Marinalva, pode deixar passar, por causa de dez centavos...
ATENDENTE: se você tá dizendo.
EU: ela devia me pedir desculpas por ter me tratado desse jeito! Aliás, ela devia ser demitida! Como um supermercado contrata alguém tão grossa e antipática e ignorante? Vocês não dão nenhum treinamento pros seus funcionários? Isso é um absurdo!
HOMEM: calma, não é tanto...
EU: ah, não é tanto? Não é tanto? Pois saiba meu pai é gerente do Procon de Aracruz e eu vou fazer uma reclamação formal contra vocês, e eu quero ver o que vai acontecer quando os fiscais que ele mandar pra cá virem o estado disso aqui!
HOMEM: calma, que é isso... Ela pede desculpas, nós vamos tomar providências, isso nunca mais vai acontecer. Aliás, como compensação pelo incômodo, você vai levar três vale-compras no valor de dez reais cada um.
EU (aceitando os vale-compras, claro): ok, mas é bom que dêem um jeito nisso, porque se na próxima vez que eu estiver aqui eu for mal atendida, essa história vai sair até na Tribuna.
Saio do supermercado, com vontade de bater em alguém, e feliz por ter ganho o vale compras.

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Ah, meu pai não é nem nunca foi nada em Procon de lugar nenhum.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Eu, as Histórias, os Meninos, e os Meninos das Minhas Histórias

No começo, eu achava que fosse a única a gostar disso. Não podia ser uma coisa normal. Pegar personagens masculinos que não eram meus, ou até homens reais, e ficar imaginando histórias onde eles se envolviam em relacionamentos homossexuais era loucura, beirava o doentio.
Mas eu fui descobrindo coisas.
Primeiro descobri, por acaso, que eu não era a única a escrever histórias usando personagens que já existiam, e que tais histórias eram chamadas fan-fictions (ou fanfics, ou fics para os íntimos). Haviam fanfics de tudo: seriados, desenhos, bandas, filmes, novelas, artistas. E a primeira fanfic que li era sobre o Bono, do U2. É claro - quem me conhece entende.
Comecei a procurar pela internet fanfics de qualidade para ler. E um dia, completamente por acaso - eu estava procurando fotos do Bono e do Edge pelo Google - me deparei com um site que continha fanfics, todas sobre U2. Mas não eram fanfics normais, nem chegavam perto de qualquer coisa que eu já tivesse lido. Era o que as pessoas chamam de fanfics slash.
No início eu não conhecia esse nome, é claro. O que sabia era que aquelas histórias, escritas em inglês, mostravam os personagens masculinos da referida banda se envolvendo em relacionamentos amorosos entre eles - e com detalhes bem, digamos, explícitos de suas relações.
Eu fiquei fascinada por aquilo. Li todas as histórias daquele site com a ajuda do tradutor do Google - na época meu conhecimento de inglês ainda era muito restrito. Depois comecei a pesquisar mais, e foi aí que descobri que muitas pessoas escreviam tais coisas - a grande maioria que eu encontro foi escrita por mulheres - e que o nome dado a esse tipo de fanfic era slash. Tem até na wikipédia em inglês. E existem milhares de autores de todos os tipos. Existem fanfics slash sobre tudo, até sobre Harry Potter! Eu comecei a colecionar esse tipo de coisa, e hoje tenho um acervo e tanto, onde a grande maioria são histórias de alta qualidade (embora outras sejam pura e simplesmente sexo).
Mas, nessa história toda, o que me deixou mais espantada foi o fato de existir tanta gente que gosta de ler e escrever histórias homossexuais. E a grande maioria que lê e escreve isso são mulheres héteros (pelo menos é o que eu vejo, claro que posso estar enganada). Não vou entrar na questão dos homens que ficam loucos quando veêm duas (ou mais) mulheres se agarrando, porque isso vem desde que o mundo é mundo. A questão é: por que algumas mulheres gostam de ler, ver e ouvir sobre "men-love"? E por que, afinal, eu gosto dessa coisa?
Que eu me lembre, a primeira vez que vi dois homens se beijando foi quando tinha uns nove anos, no clipe da música Obrigado Não, da Rita Lee. E era um beijo e tanto. Meus pais ficaram horrorizados, mas eu fiquei encantada. No início, me senti confusa. Claro que eu sabia que existiam homens que beijavam outros homens, mas ver era diferente. Era a comprovação. E aquilo era tão excitante, tanto quanto algo pode ser excitante para uma criança de nove anos. Eu queria ficar vendo aquela cena de novo e de novo, e a cada vez que via, sentia o mesmo que sentia quando via, sei lá, uma torta de chocolate ou o menino que eu gostava. Eu não estava entendendo nada.
Depois não devo ter pensado mais nesse assunto por muito tempo. Até que um dia, quando eu já era adolescente - uns quinze anos, sei lá - uma amiga minha me perguntou se eu não gostava de ver dois homens se beijando (não lembro quem foi, nem lembro porquê). Eu respondi o que minha mãe responderia: credo, não, que horror. Que achava estranho, nojento. Que achava sem graça. Por que eu gostaria disso, não é? Por que alguém gostaria disso? Não tinha sentido. Mas nada no estranho mundo do sexo faz muito sentido, e a verdade é que não tinha sido exatamente sincera. Depois parei pra pensar, enquanto tentava descobrir se aquela coisa no quintal era um fantasma ou só um gato, e percebi que eu gostava, sim, de ver dois homens se beijando. Que era estranho, sim, mas por que nojento? E que era, sim, interessante. Por quê? Sei lá. Mas era.
Comecei a pensar muito nessas coisas. Talvez porque eu sempre tenha atraído gays. É impressionante: se eu gosto de um cara, existe setenta e cinco por cento de chance de ele ser gay. Enfim, comecei a pensar nisso. Mas só depois que comecei a ler e escrever fanfics slash pude ter uma visão geral da minha própria opinião sobre o assunto. Eu gosto de ver homens se beijando, ou fazendo qualquer outra coisa (sexo sexo sexo!), porque eu gosto de homens. Gosto muito, pra falar a verdade. São tão interessantes. Enfim. E, quando vejo um homem com uma mulher, fico com ciúmes. Além do mais, ficar vendo uma mulher pelada gemendo não é muito a minha. Agora, ver dois homens, lindos, fortes, pelados e gemendo, isso me deixa muito feliz.
Claro que eu ficaria mais feliz ainda se, além de ver os dois meninos interagindo, eu interagisse com eles (gente, estou contando minhas fantasias sexuais em um blog público, que absurdo). Seria muito legal. O estranho é que tem mulher que não gosta disso. Não gostar de ver os meninos brincando eu até entendo, mas não querer brincar com dois meninos é inexplicável! Quanto mais, melhor, não? Não que eu vá fazer isso, mas é legal imaginar. Eu nunca faria uma coisa dessas. Eu? Imagina.

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Fiquei duas horas pensando se devia ou não publicar esse texto. A qualidade não está muito boa e o assunto é muito delicado. Mas no momento não tenho nada melhor pra postar. Espero que meus pais não leiam isso.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Sonho...

Sonho bizarro do dia: eu estava em um lugar que parecia uma rodoviária, e parecia ser de noite. Eu tinha acabado de sair de um ônibus, e tinha que pegar outro. Havia muita gente, pessoas andando de um lado para o outro, e havia alguns amigos meus comigo, mas não eram ninguém que eu conheça de verdade. Quando eu subi no ônibus, não era mais um ônibus, era um trem. Ele estava prestes a sair, e, quando olhei pela porta, vi uma criança muito pequena andando perdida e fui correndo até ela.
Não tenho muita certeza sobre essa parte, só sei que de repente a criança não era mais uma criança, era um bebê de colo, e estava peladinho, só com uns panos cobrindo ele. Eu estava segurando ele, e ele ria pra mim, era muito fofo. Então eu ia até um lugar que devia ser o Achados & Perdidos da rodoviária, e dizia que o bebê estava perdido. Aí a mulher que estava lá me dizia que ele não estava perdido, e sim que ele não podia sair de lá, porque ele era judeu e se ele saísse de lá os militares iam matá-lo. Eu fiquei desesperada: como alguém poderia matar um bebê tão fofo? Então a mulher me explicou que ele já estava ali na rodoviária a dez anos, e que eram os pássaros que cuidavam dele. Eu disse que ia levar ele embora comigo de trem, e ela disse "você não pode, os soldados não vão deixar". Então eu escondi o bebê dentro da camisa e fui correndo com ele para o trem. Antes de entrar, ainda ouvi a mulher gritando "cuidado com os cachorros!". E o trem saiu.
Muda a cena. Eu estou em frente à escola em que estudei aos quinze anos, mas aquilo não é mais uma escola, é um quartel do exército. Eu desço do trem, que se transforma em um ônibus assim que eu saio dele. Estou no centro comercial (pequeno aglomerado de lojas aqui no bairro onde moro), mas tem algo errado. Há coisas quebradas por todos os lados. Agora só tem um dos meus amigos comigo, e, se não me engano, é um personagem de uma das histórias que escrevo para a minha irmã, chamado Victor. Ele é menor do que eu esperava.
(Essa cena é cortada. Fico vendo cenas de guerras, como se estivesse em dois lugares ao mesmo tempo. Parece que os soldados estão indo atrás da gente, pegar o bebê).
Aparece a mesma mulher que estava na rodoviária, mas usa agora uma roupa indiana e um turbante. Ela diz que os soldados vão pegar o bebê e retalhá-lo, porque os braços do bebê são bons para fazer cordas para puxar os tanques.
Eu começo a chorar, imaginando o bebê todo retalhadinho, e digo que isso não pode acontecer. Então ela diz que só existe um meio de salvar o bebê: se Hitler adotá-lo. Porque Hitler não gosta de judeus, mas ele gosta de pegar os bebês judeus e adotá-los como mascotes. Aí eu chamo Hitler com a força do meu pensamento, e ele vem, saindo da minha antiga escola.
Hitler usa um uniforme militar e aquele bigodinho típico. É muito menor do que eu, não deve bater nem no meu ombro. Ele diz "então esse é um bebê judeu!", e dá uma gargalhada maligna. Eu digo que quero que ele adote o bebê ao invés de matá-lo, e ele pergunta se eu sou inglesa. Eu digo que não, que sou alemã de sangue puro, o que é claramente verdade graças aos meus olhos muito azuis, e ele parece satisfeito. Meus olhos estão realmente azuis, e ele parece não notar meu cabelo cacheado nem o fato de eu não ser loira. Pega o bebê, olha para ele com um ar maligno, diz "sim, eu vou cuidar dele" e dá outra gargalhada ainda mais malígna. Eu começo a chorar, e ele leva o bebê embora.
Só quando ele já se foi, levando o bebê, eu penso na possibilidade de que ele o mate ao invés de cuidar dele. Vem a imagem de Hitler chegando em seu quarto e jogando o bebê na lareira, indiferente. Começo a chorar, e a mulher de turbante diz "eu te avisei". O meu amigo, personagem da minha história, põe a mão no meu ombro e diz "não chora". E eu acordo.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Bicicleta

Quando eu tinha uns quatro anos ganhei minha primeira bicicleta. Não lembro qual era a cor nem nada a respeito dela, mas lembro da sensação que tive quando cheguei na sala e a vi ali, esperando por mim. Era presente de alguma coisa, aniversário ou natal, e eu provavelmente não estava esperando ganhar algo nem parecido.
Na mesma hora fui tratar de “andar” com ela. Não tinha rodinhas, e meu pai foi me ensinar – ou tentar me ensinar, pelo menos. Disso eu lembro muito bem: ele me segurava, eu ia andando – olhando para baixo, para a roda, ao invés de olhar para aonde eu estava indo – e, assim que ele me soltava, eu caía no chão. Tinha certeza absoluta de que a qualquer momento ia quebrar o pescoço ou cair de cara na rua, com a bicicleta em cima de mim. Lembro que tinha muito medo – sempre tive medo quando meus pais estavam por perto. Provavelmente porque sabia que se chorasse eles íam me salvar, então tinha que chorar muito, e bem alto.
Pois bem. A primeira manhã de ensaios foi um fracasso. Depois meu pai foi trabalhar, e eu tive que deixar minha bicicleta paradinha na varanda. Tratava ela com muito carinho. Como se fosse meu bichinho de estimação. Embora fosse incapaz de andar nela e tivesse certeza de que ela desejava me matar.
À tarde, fui brincar na rua. Naquela época as crianças brincavam na rua. E estavam todos lá, meus amigos e inimigos, brincando juntos, como sempre. Como muitos eram bem mais velhos do que eu (inclusive meu primo lindo, que já era praticamente adulto, tinha nove anos) eles sabiam andar de bicicleta. Então, levei minha bicicletinha, só para mostrar. Ainda lembro de mamãe dizendo “pra que você vai levar isso se você não sabe andar?”. Mas eu levei mesmo assim.
Não tenho muita certeza do que aconteceu depois. Meu cerébro não é um gravador. Me lembro vagamente de uma discussão sobre bicicletas e de alguém zombar de mim por não saber andar. E ainda queriam usar minha bicicleta. Eu não deixei, é claro. Minha irmã ainda não era nascida e eu era egoísta ao extremo – não que hoje seja muito diferente, e não que me orgulhe disso. Sei que, no meio disso tudo, houve uma corrida de bicicletas. Tinha uma descida no fim da rua; os competidores deveriam ir até o final e subir de novo. Eu não sabia andar mas inventei de participar.
Disso eu me lembro. Alguém – provavelmente meu primo – se opôs à idéia de eu participar, porque era muito pequena e não sabia andar de bicicleta. Eu – teimosa – disse que ia participar e que sabia andar, sim. Então, pra provar, subi na bicicleta e saí andando. Simples assim.
Não me perguntem como fiz isso, eu não sei. Tenho a impressão de que recebi algumas instruções do pessoal na rua, e as primeiras pedaladas não devem ter sido muito firmes; mas o fato é que subi e saí andando, e em dois minutos parecia que tinha nascido andando de bicicleta (isso seria interessante). Depois houve algum lapso de tempo, porque minha próxima lembrança é de algumas horas pra frente, eu ainda andando de bicicleta, e meus pais aparecendo na rua prontos pra me chamar a atenção. Mas ao ver a filhinha querida deles andando de bicicleta, eles não tiveram coragem, é claro. Por isso que eu sou assim, hoje. Culpa deles.
Quando, séculos depois, minha irmã ganhou uma bicicleta (e aí eu já andava na bicicleta da minha mãe), as coisas demoraram mais. Culpa das malditas rodinhas, que nunca precisei usar mas que vieram de brinde na bicicleta dela. Acostumam a criança a andar com aquele troço, então ela pensa, "se a minha bicicleta tem isso é porque é perigoso andar sem", e nunca aprende a andar sem aquilo. Ela ficou muito tempo andando com rodinhas, e quando tentou tirar, demorou mais de uma semana pra conseguir andar direito.
Hoje, ela anda bem, é claro. Isso foi há muito tempo. Estou querendo ensinar meu sobrinho (não é sobrinho de verdade, mas é filho da minha amiga/irmã) a andar de bicicleta. O menino tem três anos, mas parece que tem seis. Ele tem potencial. Sei que vai se sair bem. E sem as rodinhas.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Coisas que me Distraíam Quando Eu Era Pequena (ou Como as Crianças se Auto-Hipnotizam)

Minha avó materna tinha (acho que ainda tem) uma máquina de costura. Era uma daquelas antigas, que têm uma espécie de mesa de madeira e uma roda com um pedal em baixo. Mais ou menos igual a essas aí:




Eu era apaixonada por aquela máquina. Não que tivesse algum interesse em costura: gostava da máquina como objeto, como uma coisa mística que eu não compreendia. Na época, minha cabeça ficava um palmo abaixo do tampo da mesa, e eu não conseguia ver direito a máquina em si. Ficava concentrada, então, naquele pedal estranho que tinha embaixo, e na roda que ficava ligada ao pedal. Eu sentava no chão, colocava os pezinhos no pedal, e ficava empurrando aquilo, fazendo a rodar girar e girar. Era capaz de ficar horas assim. O que eu mais gostava era que, se eu parava de pedalar e depois pedalava de novo, a roda ia para o outro lado. E eu gostava de fazer ela rodar bem rápido. Às vezes queria ir na casa da minha avó só para ficar ali, brincando com a máquina. Enquanto girava aquela roda, podiam me chamar, gritar, explodir uma bomba do meu lado, que eu não via. Tudo o que existia era o pedal e a roda, que girava, girava, girava...
Detalhe: eu não sabia que aquilo era uma máquina de costura. Quando me contaram, eu também não entendi. Não sabia o que era "costura".

* * * * *

Quando eu tinha uns seis anos, peguei uma mania que durou por muito tempo: ficar rodando em volta da mesa da sala. Eu punha um disco pra tocar e, ao invés de dançar ou pular, ficava andando em volta da mesa, às vezes devagar, às vezes correndo. Enquanto fazia isso, eu ia para outro mundo. Pensava na escola, nos desenhos, nas historinhas que tinha ouvido. Ficava completamente fora da realidade. Às vezes os adultos passavam por mim, perguntavam o que eu estava fazendo, e eu não respondia. Nem percebia a presença deles. E mesmo se ouvisse, o que ia responder? Não era óbvio que eu estava dando voltas ao redor da mesa?
Um dia, coloquei uma música mais animada e fiquei correndo ao invés de andar. Estava frio e eu estava de meia. Como o chão estava liso, eu escorreguei e bati a cabeça na parede. Acho que foi depois daquilo que parei com essa mania.

* * * * *

Eu gostava muito de tomar banho de bacia. No início só eu, na minha bacia vermelha, depois com a companhia da minha irmã, na banheirinha dela. Certa vez moramos em uma casa que tinha um terraço, e quando fazia calor, nosso pai nos levava lá para cima, enchia as bacias de água, e a gente ficava lá horas e horas.
O que eu mais gostava nisso era brincar com a mangueira. Eu ficava balançando ela, e a água ficava fazendo desenhos bonitos, círculos e espirais e cobrinhas. Eu não entendia como acontecia aquilo, parecia mágica. Ficava horas e horas lá, hipnotizada, brincando com a mangueira. Lembro do meu pai dizendo "qualquer coisa me chamem, mas não me chamem por qualquer coisa". Eu morria de rir quando ele dizia isso. E ele podia sair de casa com minha mãe e ficar horas lá embaixo (tínhamos uma padaria que ficava embaixo da casa), e eu nem percebia que eles não estavam ali.
Quando eu já não cabia na bacia vermelha, ela virou uma bacia de lavar roupa. Um dia meu pai a usou para misturar cimento (!). Foi aposentada depois disso.

* * * * *

Aos seis anos, eu morava em uma casa que ficava no alto de um morro. Era um bairro nobre, não uma favela. A favela era ao lado. E eu ia muito a uma padaria que na época eu não sabia de quem era, mas depois descobri que era do meu tio. Ela ficava no final de uma descida enorme, e eu ia lá comprar chocolate em forma de moedas e bolinhas de futebol e guarda-chuvinhas, pirulito do zorro e um pirulito gigante colorido que eu nunca aguentava comer.
Eu descia aquele morro correndo. E era um morro bem grande (isso era em Minas). Às vezes ia pela calçada, às vezes ia pelo meio da rua. Não sei como nunca levei um tombo, mas se acontecesse seria catastrófico. E na volta eu também subia correndo, com uma velocidade impressionante. Hoje, não consigo correr daquele jeito nem em linha reta.
O mais legal era que, enquanto eu corria, não via nada na minha frente. Às vezes ficava descendo e subindo o morro, e nem via o que estava fazendo. Criava uma historinha dentro da minha cabeça e ficava desenvolvendo ela. Correr era uma forma de escapar da realidade. Dentro da minha cabeça, ninguém mandava em mim.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Cristo e a música dos Beatles

Quando eu estava na sexta série - há nove anos atrás - eu tinha uma professora evangélica. Tive outras depois e talvez tenha tido outras antes, mas aquela foi... Bem, só para começar, nós eramos obrigados a cantar duas ou três músicas de igreja sempre que a aula começava. Em coral. Sério.
Na época, eu até gostava das musiquinhas. Eu tinha doze anos e gostava de qualquer coisa muito fácil. Tinha uma música que dizia que a paz que Cristo nos dá era melhor do que a música dos Beatles (!). Eu não conhecia as músicas dos Beatles. Também não conhecia a tal paz de Cristo. Muito menos Cristo. Mas se a professora falou, então devia ser verdade.
Tinha outra (ou era a mesma?) que dizia "não atirei o pau no gato mas atirei minha vida nas mãos do Senhor". Cara, que letra. Fantástico. As crianças devem ter tido uma epifania ouvindo isso. Eu lembro de, na primeira vez que ouvi, ter tido uma crise de riso.
Outra: uma tal "leão de Judá". Pus Judá em letra maiúscula porque imagino que seja um lugar, mas realmente não faço idéia, e naquela época fazia menos ainda. Só lembro que a música ficava repetindo "leão de Judá", "aleluia" e "oh glória em Deus". As crianças evangélicas da minha sala entravam em êxtase cantando isso, mas eu odiava. Quem era esse leão? Não gostava de leões. Não queria ficar cantando "aleluia" para um leão. E o que, afinal, queria dizer "aleluia"?
Acabei de me lembrar que, naquela música que fala dos Beatles, tinha uma parte (não sei se era o refrão) que dizia "Jesus Cristo apareceu e me iluminou, me deu vida". Mais uma coisa que eu não entendia. Como assim, "me deu vida"? A pessoa não estava viva antes? Eu pensava que, ou tinha algo a ver com ressuscitar os mortos, ou então Jesus era o médico que tinha feito o parto do indivíduo. Nunca entendia nada dessas músicas.
Mas era divertido. A gente perdia quinze minutos da aula (as aulas naquela época duravam cinquenta minutos) nessas cantorias. Eu adorava.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Meu filho será rockeiro

Participo de uma comunidade no Orkut chamada “Meu Filho Será Rockeiro”. Uma brincadeira, claro. Primeiro porque não tenho nem pretendo ter filhos, e segundo porque, mesmo se cometesse essa loucura, nada me garante que ele vá ser parecido comigo ou com o que eu gostaria que ele fosse. Seria mais certo se a tal comunidade se chamasse “Gostaria que Meu Filho Fosse Rockeiro”, mas aí não teria graça.

É engraçado isso. Na maioria das vezes, os filhos gostam de coisas que não têm nada a ver com o gosto dos pais. Aliás, é muito maior a chance de que eles gostem do oposto do que os pais gostam. Meus pais gostam de música sertaneja e adorariam que eu e minha irmã gostassemos também. Por algum motivo oculto, nós duas gostamos de rock.

Claro, sempre tem alguma coisa dos pais em nós. Gosto de música clássica, como os meus. Gosto de matemática e de ler, como meu pai. Gosto de sair à noite e de dançar, como minha mãe – embora ela nunca saia nem dance. Minha irmã gosta de desenhar, igual ao meu pai – embora o faça muito melhor – e de deixar tudo arrumado, como minha mãe. Mas, nos gostos mais aparentes, somos drasticamente diferentes.

Por quê? Fico pensando nisso e não chego à nenhuma conclusão. Não é por revolta nem essas idiotices adolescentes, porque não sou adolescente e sempre me dei muito bem com meus pais. Não é por modinha nem influência de amigos, até porque meu gosto também é diferente do da maioria dos meus amigos. Pelo que, então? Tem que haver uma explicação lógica. Somos criados por aquelas pessoas, elas nos programaram desde que nascemos. Podiamos não ser uma cópia perfeita do que elas imaginaram para nós, mas deveriamos ser muito parecidos.

Talvez – estou tendo essa idéia agora então não sei se faz muito sentido – os pais na verdade querem que sejamos o oposto daquilo que dizem querer que a gente seja. Meu Deus, que coisa confusa. Mas faz sentido. Eles dizem “quero que meu filho seja igual a mim, que goste de música sertaneja como eu”, mas no fundo eles pensam “eu gosto de música sertaneja e aqui estou, espero que ele goste de rock e que chegue muito mais longe do que eu”. Pode ser.

Não. Não faz nenhum sentido.

Tive outra idéia. Estou cheia de idéias hoje. Os pais realmente querem que sejamos iguais a eles – é o motivo de termos filhos, queremos mini-clones nossos – e nos bombardeiam desde pequenos com os gostos deles. Crescemos ouvindo a música que eles gostam, comendo a comida preferida deles, vendo os filmes que eles adoram. Com o tempo, vamos enjoando disso, até o ponto em que tudo o que eles amam se torna insuportável para nós. E vamos procurar gostar de coisas que sejam o mais distante possível daquilo que eles gostam. Isso faz mais sentido.

Um exemplo prático. Meus pais gostam de música popular, música sertaneja e algumas românticas. Existem uma ou outra desses estilos que eu gosto, geralmente por me trazerem lembranças da infância. Mas eu gosto de rock. E, como é de conhecimento geral (se você não sabia, fique sabendo agora) eu amo U2. Amo é pouco. Eu sou louca pela banda U2. Se um dia tivesse filhos, eles iam crescer ouvindo U2.

Conheço uma menina (não tão menina) que também é louca por U2 e tem dois filhos, um de treze e outro de onze anos, se não me engano. Os filhos dela odeiam U2 e gostam de axé. Sem brincadeira. Eles não suportam U2. E não posso culpá-los. Nem poderia culpar meu filho se ele odiasse U2 (mas o mataria se gostasse de axé). A pobre criança cresceu ouvindo a mesma banda em quase todos os momentos da vida dela, vendo a mãe se descabelar por causa do Bono, sendo obrigada a ficar acordada até tarde pra ver um especial do U2 que ele não queria ver. É claro que vai se encher e não vai querer ver U2 nunca mais na sua frente.

Claro, às vezes os filhos são quase uma cópia dos pais. Mas geralmente são pessoas que, naquele assunto específico, não têm uma personalidade. É aquele tipo de pessoa que, se ler no jornal “Prefeito é Ladrão”, vai falar “é verdade!”, e se no dia seguinte estiver no mesmo jornal “Viva o Prefeito”, vai gritar “viva!”. São pessoas que absorvem opiniões alheias – às vezes sem perceber – e acreditam que aquelas são suas opiniões também. Vejo esse tipo de gente aos montes por aí.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Eurotúnel

Aconteceu ano passado comigo (de verdade e sem nenhum exagero): eu estava em um ônibus, indo de Laranjeiras para Vitoria, rumo à minha amada faculdade. Estava sentada do lado do corredor, em um banco bem perto da porta de saída. Ônibus cheio, muita gente em pé. Como sempre.
Os dois indivíduos que interessam à história estavam de pé perto da porta, muito perto de mim. Era impossível não ouvir a conversa. Não me lembro exatamente como começou, mas em certo momento ouvi o seguinte diálogo:
-- Po, podiam fazer um túnel ligando Vitória a Vila Velha.
-- Como, cara? Por baixo d'água?
-- É, meu.
-- Não dá, meu, tá doido?
-- Claro que dá, na Europa tem.
-- Onde? Tem nada.
-- Tem o tal Eurotúnel, aquele que liga a Inglaterra à Rússia passando pelo Golfo do México.
Parei. Por um momento, achei que tinha ouvido coisas. Nem me lembro mais do resto da conversa (provavelmente, depois da última frase meu cérebro se desligou automaticamente por segurança). Pra quem não sabe, Eurotúnel realmente existe, realmente passa por baixo d'água. Liga a Inglaterra à França, passa pelo Canal da Mancha e é uma das grandes façanhas da engenharia moderna, com 50,5 Km. Foi inaugurado em 1994, depois de uma série de atrasos, a maioria devido às evidentes dificuldades de se construir um túnel gigante por debaixo d'água. É o segundo maior túnel ferroviário do mundo, menor apenas do que outro construído no Japão.
Ok, o cara não tinha que saber tudo isso (eu só sabia a parte dos países e do Canal da Mancha, o resto tá na Wikipédia). Mas gente, ligar a Inglaterra à Rússia já seria um absurdo, e ainda por cima passando pelo golfo do México! O túnel dá a volta ao mundo, é isso? O cara podia errar os países, mas não os continentes...
Muito provavelmente, o cara estava só brincando (eu quero acreditar nisso, eu quero). Ele sabia o nome do túnel e sabia que ligava a Inglaterra à algum outro país, mas não sabia mais nada, e falou qualquer coisa só pra dar credibilidade à história. Não sei se o outro indivíduo acreditou. O pior é que, mesmo que não tenha acreditado, duvido que tenha sido pelo absurdo das localizações geográficas. Ele não tinha cara de quem sabe onde fica a Inglaterra em relação à Rússia, muito menos onde fica o Golfo do México. Espero que tenha deduzido ao menos que fica no México.
Fiquei preocupada. Sério. Já pensou, se uma inocente criança está ali, prestes a fazer uma prova de Geografia, e ouve uma coisa dessas? Ela vai achar que o cara estava falando a verdade, afinal, os adultos sempre falam a verdade. Já pensou, se ela escreve isso na prova? Pobre criança. Pobre professora da criança.
Pessoas, se vocês não sabem onde ficam os lugares, não fiquem dizendo essas... Loucuras. Digam só quando eu estiver perto, para que eu tenha o que escrever. E leiam mais livros. De preferência, de geografia.