domingo, 23 de maio de 2010

Cobras

Eu e Luli éramos adolescentes, mas naquela fase muito mais próxima da infância do que da vida adulta. De vez em sempre fazíamos alguma coisa muito absurda. Naquele dia, resolvemos ir escondidas para a praia. Se não me engano, era inverno.
Para tornar as coisas mais emocionantes, resolvemos cortar caminho por uma trilha em um lugar deserto, no meio do mato. A tal trilha ia dar em frente à parte da praia que mais gostávamos. Eu não tinha nada na cabeça e comecei a descer tranquilamente (era uma descida bem inclinada), mas Luli não estava muito segura.
-- E se tiver cobra?
-- Não tem não.
-- Tem certeza?
-- Tenho. Vem logo.
-- Mas e se tiver?
Aquele medo dela estava me irritando. Sempre fui fácil de ser irritada.
-- Olha, eu vou te provar que não tem cobra nenhuma.
Havia dois rapazes ali, que deviam ter uns dezessete anos mas que para mim pareciam adultos. Eles estavam descendo e subindo a trilha de bicicleta; já haviam ido e voltado umas três vezes durante o tempo em que estávamos ali. Quando eles subiram de novo, me voltei para um deles e perguntei:
-- Moço, tem cobra aqui?
Eles olharam um para o outro e riram.
-- Tem. - disse um - Tem duas.
Eu e Luli nos olhamos, preocupadas.
-- Sério?
-- É. - disse o outro - Estavam conversando lá embaixo.
Eu e ela rimos, mas não entendemos nada. Tinha cobra ou não tinha? Acabamos descendo a trilha, de qualquer forma. Deixamos os dois rapazes rindo da nossa cara lá em cima.

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Juro que demorei uns cinco anos para entender o que eles queriam dizer com aquilo. Pensando nisso hoje, ainda bem que não pedi para eles mostrarem onde estavam as cobras. Acho que não gostaria de conversar com elas.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Matem os Funkeiros

Eu não ando de muito bom humor. A coisa em que mais tenho pensado ultimamente é em fugir para algum lugar bem distante, para nunca mais ter que me preocupar com as coisas estúpidas feitas por outras pessoas. Em um estado normal eu já explodo muito fácil. Atualmente, estou em explosão constante.
E pra completar, tenho que aguentar os indivíduos que ouvem funk no ônibus.
Existem tipos de música que eu não gosto. Axé, por exemplo. Agora, com o funk é diferente. Funk não pode entrar na lista de "tipos de música que não gosto" porque funk não é música. Funk é um som desagradável, do mesmo tipo que o som de uma avenida movimentada ou de crianças batendo sem parar uma colher em uma panela.
Claro, tem gente que adora funk. Traficantes, por exemplo. Quando eu vejo alguém ouvindo funk, me afasto o máximo possível. Provavelmente é um ladrão, ou coisa pior. Se não é ainda, será um dia. E pra mim, amigo de bandido é bandido também.
A polícia podia organizar um mega baile funk, com todos os funkeiros do Brasil reunidos, e no auge do baile jogar uma bomba em cima de todo mundo. Teria que ser uma bomba potente, pra não sobrar ninguém. Depois disso, os índices de criminalidade e prostituição no Brasil cairiam uns noventa porcento.
Mulher que gosta de funk é prostituta, homem que gosta de funk é bandido. Ouvir funk deveria ser proibido por lei. Quem gostasse de funk não deveria nem ser preso, deveria ser morto. Prisão é para pessoas que cometem crimes, não para animais. Animais devem ser abatidos.

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Como diz alguém que estuda comigo (agora não lembro quem é): sim, estou com ódio no coração.

sábado, 1 de maio de 2010

Aprendendo a não crer

Algumas pessoas me perguntam porquê eu não acredito em deus. Confesso que, até há algum tempo atrás, eu não sabia. Achava que um dia simplesmente tinha olhado para o céu e percebido que não havia anjos nele. Admito também que, na adolescência, eu dizia "não acredito em deus" pelo simples prazer de dizer. Só depois de muito tempo comecei a entender os motivos da minha falta de crenças.
Deixe-me contar uma história.
Apesar de virem de famílias religiosas, meus pais sempre foram agnósticos e bastante displicentes com relação à religião. Cresci sem nenhuma orientação religiosa. As vezes era levada por algum parente à igreja católica, mas aprendia tanto lá quanto nas aulas de música na escola. Não era batizada e sequer sabia o que era isso. Deus era uma palavra genérica usada nas mais diversas situações. As histórias bíblicas, o céu e o inferno, os santos, os castigos divinos, tudo isso significava tanto para mim quanto o Papai Noel ou o coelhinho da Páscoa. Mesmo muito nova, eu sabia que nada daquilo era real e achava que todos também sabiam.
Por volta dos oito anos, comecei a perceber que as coisas não eram tão simples. Estudei algum tempo em um colégio católico (os maiores traumas da minha infância vêm dessa época), e lá percebi que muitas pessoas, inclusive adultos, acreditavam no que estava na bíblia. Fiquei confusa. Eu não confiava plenamente nos adultos, sabia que eles mentiam na maioria das vezes, mas se todos eles diziam que deus existia, então deviam estar certos. Só que ao mesmo tempo, toda aquela história parecia louca demais, fantástica demais, para ter realmente acontecido.
Aos nove anos, minhas dúvidas religiosas tiveram a primeira explosão. Eu pensava demais - sobre amor, sexo, o sentido da vida, o futuro incerto, as pessoas, a fé, a verdade - e isso era demais para a cabeça de alguém tão pequena. Eu não acreditava em deus e tinha medo de deus me castigar por causa disso. Eu rezava para os santos, e não sabia o que eram santos. Eu comecei a querer provas. Pela primeira vez, apenas palavras não bastavam. Dê-me uma prova, deus, de que você existe. E fazia desafios: se deus existe, então quero que chova hoje; se deus existe, aquele menino vai gostar de mim; se deus existe, vou terminar aquele trabalho a tempo. Claro que havia a chance de pelo menos uma dessas coisas acontecer. Mas me lembro muito bem que nada do que eu pedi aconteceu. Então, estava resolvido. Deus não existia.
Claro que as coisas não eram tão simples, e uma hora minhas dúvidas voltariam. Quando eu tinha dez anos, passei um mês morando com meus avós, e eles eram crentes. Eu ia à igreja com eles, e lá eles me davam "provas" da existência de deus. Lembro que nenhuma daquelas provas era suficiente para mim, mas tinha medo de dizer isso. Se deus ouvisse, poderia me castigar. Eu tinha medo de um deus em quem eu não acreditava, e cheguei a querer me batizar por causa disso. Falavam da vinda de Jesus como se fosse acontecer a qualquer momento, e eu não entendia o que significava. Na minha cabeça, era como se Jesus tivesse sido levado para o céu em uma nave espacial que agora estivesse retornando. Definitivamente eu estava confusa. Foi a segunda explosão.
Mas eu tinha dez anos, e crianças de dez anos não se preocupam tanto assim com isso. Logo esquecem. Depois que voltei a morar com meus pais, não me lembro de ter pensado nisso de novo. Tudo só recomeçou mais ou menos dois anos depois.
Eu tinha tido um cachorrinho - Faísca, era o nome dele. O cachorrinho morreu. Eu nunca tinha perdido nada, nem ninguém. Ele era como um filho para mim. Quando me disseram que animais não tinham alma, e que portanto ele agora simplesmente já não existia, eu entrei em pânico. Se deus existe, todos os seres vivos têm que ter alma sim. Mas deus existe, me disseram, e os animais não têm alma. Então eu não gosto de deus, não quero saber de deus, e quando eu morrer prefiro ir para o inferno do que ficar ao lado de um deus como esse. Foi o que eu disse, no meio do recreio, para quem quisesse ouvir. Eu tinha doze anos.
Daí pra frente não parei mais de pensar no assunto. No início, a questão era se eu acreditava ou não em deus. Mas logo percebi que não era só isso, não era questão de acreditar. O que estava em jogo era a verdade, era tudo o que me diziam desde muito tempo, tudo em que todos acreditavam. Não era sobre fé, era sobre fatos. Deus existia ou não? Porque sua existência independia de eu acreditar. Eu precisava descobrir. A verdade está na bíblia, diziam. A palavra de deus está lá. Então, eu comecei a ler a bíblia. Desde o início.
Claro que nunca terminei. Me convenci que ela estava errada antes da metade. Primeiro, se fosse lê-la ao pé da letra, eu pararia já na primeira parte. Desde os três anos, eu sempre quis ser cientista, portanto sempre tive uma forma de pensamento tendendo para o racional e equilibrado. Deus criando o homem do barro não é racional. Deus criando Eva de uma costela de Adão não só não é racional, como é ridículo. Me perguntei como tanta gente acreditava nisso. Por outro lado, lendo a bíblia como uma metáfora, ela me provava que deus não existia. O que eu via ali eram acontecimentos comuns que as pessoas da época não conseguiam entender e atribuíam a deuses. Comecei a anotar em um diário todas as provas que a bíblia me dava de que o que estava escrito ali era apenas coisas comuns vistas pelos olhos de pessoas ignorantes. Não tenho mais o diário, mas posso dar como exemplo o dilúvio, os acontecimentos no mar vermelho e a luta de Jacob (ou Jacó) com um anjo.
Mas a bíblia estar certa ou errada não significava realmente que deus existia ou não. Milhares de religiões não têm nada a ver com o cristianismo e acreditam da mesma forma em um deus criador. Eu ainda rezava de vez em quando. Ao mesmo tempo, tinha muito medo de morrer, porque achava que depois da vida não havia nada, apenas a escuridão. Para alguém de catorze anos, isso era assustador. Eu chorava por medo de morrer, rezava para deus existir. Eu queria acreditar. Seria muito melhor se eu acreditasse. Seria melhor ainda se deus realmente existisse.
Minhas dúvidas quanto a esse assunto só terminaram muito depois, por volta dos dezessete ou dezoito anos. Foi nessa época que eu percebi que, se eu queria tanto acreditar em deus, era porque eu não acreditava. O máximo que eu conseguia era enganar a mim mesma. Acho que a última vez que rezei, eu tinha dezesseis anos, talvez menos. As coisas foram ficando cada vez mais claras para mim. A vida não tem que ter um sentido, embora seria maravilhoso se tivesse. Nós tentamos interpretar coisas não-humanas (como a origem do universo) com um olhar totalmente humano, e essa é a origem das crenças em deuses.
As pessoas acreditam que, em algum momento do passado, tivemos contato bastante direto com deuses ou anjos. Talvez, daqui a alguns milhares de anos, outras pessoas pensem o mesmo a respeito dos dias de hoje. A verdade é que ninguém hoje vê realmente anjos ou deuses, e é pouco provável que em algum momento do passado alguém tenha visto. Ainda somos muito atrasados em nossos pensamentos. Do mesmo jeito que, quando crianças, temos medo dos monstros que se escondem no escuro do quarto, depois de adultos tememos um deus invisível que não dá provas da sua existência.
O que mais me surpreende é que a maioria das pessoas que acredita simplesmente não quer pensar no assunto. Se você sabe que deus existe, se tem certeza absoluta disso, por que não fazer como eu fiz quando tinha só treze anos? Por que não ir anotando todas as provas da existência de deus, apenas para ter argumentos? Porque eu já conversei com centenas de crentes (de várias religiões), e quando o assunto chegava nas provas da existência de deus, todos evitavam o assunto, se ofendiam ou simplesmente diziam que acreditavam e pronto. Eu tenho alguns ótimos argumentos para essas pessoas. Estou desenvolvendo aos poucos uma técnica para transformar crentes em ateus, e não é tão difícil.
Mas isso já é outra história.