quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Ataque do Bebê Faminto

Outro dia eu estava no ônibus (como sempre), indo para a UFES. Estava morrendo de fome, e ainda ia demorar uma hora para chegar. Por isso, nos dois segundos que tinha entre descer de um ônibus no terminal e pular dentro de outro ônibus, passei por uma pseudo-lanchonete e comprei meu biscoito preferido.
Entrei no ônibus me sentindo realizada. Tinha conseguido pegar um dos últimos lugares vagos e tinha um pacote inteirinho do melhor biscoito do mundo, só pra mim. O que mais eu podia querer? Abri o pacote e comecei a comer, feliz.
Mas o que eu não sabia era que estava sendo observada. Alguém me vigiava atentamente. Só depois de vários minutos percebi, ao olhar para o outro lado do ônibus, por puro acaso. Só então a vi. Era ela.
Ela era um bebê de um ano e pouco. Ela era rosa e gordinha. Ela usava um lacinho colado na cabeça. E ela olhava para mim.
Logo entendi o que estava acontecendo. Os olhos ávidos daquela bolinha rosa olhavam de mim para o biscoito, do biscoito para mim. Ela tinha um alvo, um objetivo. Ela não queria a mim, não queria o meu colo e nem brincar comigo.
Ela queria o meu biscoito.
Houve alguns milésimos de segundos em que nós duas nos encaramos. Nós conversávamos com o olhar. Ela queria o biscoito e queria agora. Corajosamente, eu neguei. Com o olhar ela me ameaçou, com o olhar eu continuei negando. Tudo durou menos de um segundo. Então, selando o meu destino, eu desviei o olhar, passando a admirar a praia lá fora, e continuei comendo meu biscoito, como se não tivesse nenhuma consciência do ser inteligente e maligno logo à minha frente.
Mas ela era esperta. E tinha armas que eu nem poderia sonhar. Mal se passara cinco segundos, e ouvi um choro de bebê. Era ela. Chorando no colo da mãe, se mexendo, apontando para o meu biscoito. Continuei ignorando. Mas a terrível criatura tinha uma aliada: a mulher no banco ao lado do meu. Me assustei quando essa mulher me chamou, tocando no meu ombro. A olhei, e ela disse, com um falsamente simpático e terrivelmente ameaçador sorriso: "A bebê está olhando".
Está olhando o que?, eu ia dizer. Mas soaria ridiculamente falso. Só havia uma coisa que ela poderia estar olhando, e essa coisa era o biscoito. Então, me veio um enorme ímpeto de dizer "e eu com isso?", ou qualquer coisa semelhante. Mas agora o ônibus inteiro olhava para mim. Inclusive a mãe do bebê que, mais educada do que a outra mulher, disse que não precisava dar o biscoito, imagina. Mas agora já não havia jeito, ela ganhara. Tentando sorrir, peguei um biscoito - um dos últimos - e entreguei para aquela coisa rosa e fofa que devia ter acabado de tomar cinco mamadeiras. O bebê sorriu, vitorioso.
O pior foi que ela não comeu, e eu sabia que não ia comer. Ficou apenas lambendo o biscoito, olhando para ele, como se ele fosse algum tipo de brinquedo. Meu biscoitinho. Fiquei aliviada quando, poucos minutos depois, bebê e mãe desceram do ônibus. Ela deve estar brincando com meu biscoito até hoje, rindo da minha cara.
A próxima vez que estiver comendo e vir um bebê perto de mim, eu mudo de lugar. Nem que seja pra ficar em pé. Não vou mais ser vítima desses seres maldosos e chantagistas. Não mesmo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Uma Volta para Casa

Há um furo no cabo do meu guarda-chuva.
É assim que começa essa crônica. Estou em um ônibus olhando para algum ponto distante, e de repente percebo que há um furo no tecido que cobre o cabo do meu guarda-chuva. E é um tecido tão bonito.
À minha frente, há uma garota e um homem mais velho. A garota carrega uma sacola com um grande "&" estampado. O homem usa um ridículo boné xadrez. Odeio bonés, odeia estampa xadrez. Podem ser pai e filha. Parecem-se um pouco.
Uma mulher segura no encosto do banco à minha frente. Não a olho, mas sei que é mulher só pela mão. As unhas têm restos de esmalte vermelho, o que dá um aspecto ruim, de alguém cansada de tudo. Olho disfarçadamente para ela: é uma garota, pode ser mais nova do que eu. Começo a construir na minha cabeça possíveis histórias para ela. Quando ela tinha oito anos, foi espancada pelo padastro e um juíz a mandou ir viver com os tios. Os tios a criaram mas nunca se importaram com ela. Tem um namorado que não ama e vai...
Na rua, passa uma mulher sozinha. Sozinha és, criança, sozinhos somos nós. Esse é um daqueles dias que começam mal e terminam pior.
Eu sempre pego esse ônibus e sempre passo por esse caminho, mas é a primeira vez que reparo naquela casa. Seria uma casa normal de dois andares, semi-terminada, se não fosse por um detalhe: há uma porta que se abre para o nada. Uma porta na parede do segundo andar, dando para a rua. Isso me faz lembrar certas construções na UFES. Aliás, aquela perto do CT-IX já foi transformada em uma saída de emergência ou algo parecido. Enfim. Fico tentando adivinhar para o que aquela porta foi projetada. Talvez para se livrar de visitas indesejadas. Claro que a hipótese mais provável é que vá ter uma varanda ou qualquer coisa parecida ali em cima, e eles ainda estão construindo. Mas o engraçado é que a porta é tão bonita. E dá para o nada. Absurdo.
O ônibus dá uma freada brusca e levo um susto. Perco completamente o raciocínio, o que acontece com uma facilidade maior do que eu gostaria. Suspiro, encosto a cabeça na janela. Penso nele. Ultimamente, a coisa que mais faço é pensar nele. Não que ele também pense em mim. Não que isso vá realmente fazer alguma diferença.
Esse é um daqueles dias que começam mal e terminam pior.