quinta-feira, 15 de abril de 2010

06 de abril

Dia 06 de abril caiu em uma terça-feira. Eu não sabia, mas lá no Rio já estava chovendo há quase vinte horas direto. Ruas estavam inundadas, casas caíram, o mundo estava acabando. Depois soube que alguns conhecidos ficaram presos de madrugada na rua, e só puderam voltar para casa no dia seguinte. Era o caos.

ENQUANTO ISSO...

Eu tinha chego na UFES ainda de manhã, e ficaria até as sete da noite. Quando fui para a iniciação científica, por volta das três, o dia estava claro e o céu, apesar de algumas nuvens, estava azul. Mas quando saí do prédio, duas horas depois, tudo ficara escuro e caía uma chuva que me deixou muito preocupada. Eu, sem guarda-chuva, sem blusa de frio e gripada, tive que sair correndo até o outro prédio, onde assistiria a última aula. Lá chegando, molhada e com frio, descobri que por alguma razão não haveria aula.
Isso seria algo bom, se eu tivesse como voltar para casa. Mas a chuva só piorava, raios cortavam o céu. Muitas pessoas que estavam com guarda-chuva tinham medo de sair do prédio, por causa do vento e por saberem que a UFES, sendo um mangue, deveria estar toda alagada (o que mais tarde se comprovou). O estacionamento em frente ao prédio estava inundado, quem estava de carro tinha que se arrastar por um metro de lama para conseguir ir embora. O vento fazia a chuva vir quase na horizontal. Era desesperador.
Desesperada - pois eu teria que pegar ainda uma hora e meia de ônibus, ou esperar até as sete para conseguir uma carona - resolvi ligar para casa. Afinal, sempre havia a possibilidade de minha tia ter ido para Vitória, e eu poderia pegar uma carona com ela.
-- Mãe, não teve a última aula...
-- Você está vindo?
-- Não mãe (ruído no telefone) é porque tá chovendo muito e eu não consigo sair do prédio, não sei como eu vou fazer...
-- Ué, espera a chuva passar e vem.
-- A tia não tá por aqui não?
-- Não, ela veio aqui em casa ainda há pouco, porque o pessoal de Juiz de Fora chegou.
-- Ah, tá... Então pelo jeito vai demorar pra eu sair daqui. Tá caindo o mundo.
-- Que exagero, uma chuvinha passageira, daqui há pouco passa.
Um raio caiu na minha frente. Tive que dar alguns passos para trás, porque o vento jogava a chuva para dentro do prédio.
-- Mãe, você não sabe o que tá dizendo.
Mamãe não poderia ajudar. Fiquei alerta, então, para a possibilidade de alguém passar com um guarda-chuva que desse para mais de uma pessoa. Mas os que se arriscavam a sair eram sem nada ou com uma sombrinha minúscula, e os três que passaram com guarda-chuvas grandes deram antes um olhar geral para todos, dizendo silenciosamente "não, eu não vou dar carona para ninguém, virem-se". Eu comecei a achar que ficaria presa ali para sempre.
Mas sempre há esperança. Rafael estava ali, e ligou para a mãe dele, pedindo socorro. Eu moro a quilômetros dele, mas pelo menos era na mesma direção e ele poderia me dar uma carona até o ponto. Quando, bastante tempo depois, a mãe dele chegou, eu senti que a distância entre eu e minha cama quentinha e seca diminuíra.
Mas como chegaríamos no carro? O estacionamento virara um mar de lama. Mesmo que ela parasse na rua, teríamos que passar pela lama para chegar. Então Rafael deu a idéia de que ela parasse no estacionamento atrás do prédio, pois para chegarmos lá poderíamos passar pela grama, que devia ser mais segura que a lama. Ela parou o carro e fomos correndo, mas nos deparamos com um rio de água no meio do caminho. Tentamos passar, mas era impossível. Voltamos correndo para o prédio, completamente encharcados. Nunca tinha me molhado tanto em uma chuva, quem me visse acharia que eu tinha mergulhado em uma piscina. Tentamos ir pelo outro lado, e dessa vez conseguimos, pois por ali o rio era mais estreito e conseguimos pular. Quase não acreditei quando entramos no carro. Mesmo o ar estando ligado e eu estar me sentindo um pinguim.
-- Rafael, me deixa no primeiro ponto que der.
Eu só queria ir pra casa. Só isso. Era muito simples. Ele me deixaria no ponto, eu pegaria o primeiro ônibus que fosse para o Terminal de Jacaraípe, e de lá pegaria outro ônibus até Nova Almeida. Nada demais. Só que, ao sairmos da UFES, percebi que as coisas não seriam muito simples. O lado direito da pista virara um rio, e era arriscado andar com o carro por ali. Quando chegamos na altura do ponto, eu desisti de descer: a calçada estava coberta de água, os carros que passavam criavam ondas, e as pessoas no ponto tentavam subir em qualquer lugar para se molharem um pouco menos. Os ônibus passavam super-lotados. Acabei indo para a casa do Rafael.
Mais tarde, eu soube que havia acidentes por toda a Grande Vitória, que os ônibus demoravam o dobro de tempo para chegar, e que algumas pessoas que saíram as oito só conseguiram chegar em casa depois da meia-noite. Na hora eu não sabia, mas uma vez que a chuva não passava e as ruas estavam alagadas, eu resolvi que ficaria por lá mesmo. Era arriscado demais ir para casa, e além do mais, eu ia perder muito tempo, e teria uma prova no dia seguinte. Era melhor ficar em Vitória. Fiquei um tempo na casa do Rafael, e de lá ele me levou para a casa de B, onde eu sempre fico mesmo. No dia seguinte eu tive febre e acabei entregando a prova quase em branco, mas isso é outra história.

ENQUANTO ISSO...

Minha avó, que mora em Coqueiral (pra quem não sabe onde é, imagine um lugar muito longe de tudo) tinha ido fazer um exame em Vitória. Para isso, ela conseguira carona, se não me engano, com alguém da igreja (ela é crente). Na volta, quando passavam por Laranjeiras, o carro quebrou. A chuva (a mesma chuva que eu estava pegando em Vitória) os alcançou logo depois.
Chamaram alguém para consertar o carro, mas o problema era grave. Minha avó, que tem mais de setenta anos e faz questão de enfatizar isso sempre que vai reclamar de alguma coisa, teve que ficar dentro do carro por horas e horas, debaixo de uma tempestade, esperando alguém chegar para ajudar. Chamaram o guincho para levar o carro, e ela e a amiga dela tiveram que ir embora de táxi. Se nada disso tivesse acontecido, ela teria chegado em casa por volta das três horas. Chegou mais de dez horas da noite.

ENQUANTO ISSO...

Em Nova Almeida, não estava chovendo tanto. Chovia, mas não como em Vitória. Era pouco mais de meia-noite, e meus pais dormiam. Mamãe estava tendo um sonho estranho, e tinha a impressão de que alguém a mandava acordar. Ela acordou, e ouviu um barulho, um tum-tum-tum. Era um barulho longe, mas como continuava, ela achou melhor acordar papai. Ele também ouviu o barulho, e definitivamente não era um barulho comum. Podia ser um bicho, um cachorro se esfregando na porta ou qualquer coisa assim - a minha casa não tem muro, então cachorros entram com frequência. Pensando nisso, ele levantou e foi ver o que era, usando a lanterninha do celular para iluminar o caminho.
Quando ele chegou na entrada da cozinha, deu um grito: "Marcia, tem gente aqui!". Minha mãe levantou correndo e foi ver. Quando chegou junto a ele, deu um grito que, de acordo com ela e com meu pai, foi o grito mais alto que ela já foi capaz de dar: a janela da cozinha estava escancarada, e eles viram por um momento um homem tentando entrar, mas que fugiu, provavelmente por causa dos gritos. Meu pai correu para a janela, gritando com o ladrão, que correu de um lado para o outro pelo quintal até fugir correndo pela cerca de arame farpado (espero que tenha se rasgado todo e morrido de hemorragia ou de tétano). Meu pai fechou a janela - o barulho que eles haviam escutado era do homem tentando abri-la por fora - e eles pegaram o que tinha a mão para se proteger, e saíram pela casa procurando mais alguém escondido. Não havia ninguém, então minha mãe mandou meu pai ligar para a polícia. Mas no desespero, eles esqueceram o número da polícia (190), então ligaram para a minha tia, que mora bem perto. Em dois minutos, minha tia chegou, junto dos meus outros tios, buzinando alto e procurando pelo ladrão. Meu pai afinal encontrou o número da polícia e ligou. Os policiais chegaram logo, deram uma olhada, fizeram uma busca pela área, mas como não encontraram ninguém, foram embora. Meus tios ainda ficaram algum tempo. No dia seguinte, encontramos uma faquinha - o ladrão devia ter usado aquilo para abrir a janela - um chinelo e um boné, que deviam ter sido esquecidos na fuga. Mas aquilo não serviu de nada e ainda não encontraram o ladrão. Pelo menos ele não levou nada. Mas agora nós dormimos com barras de ferro ao lado da cama.

2 comentários:

Diego Cosmo disse...

https://www.blogger.com/comment.g?blogID=7507402160380641629&postID=4823626011691957944

Diego Cosmo disse...

http://dcosmo.blogspot.com/ - Nova postagem! "cosmo a pé"

esse texto deve chamar a sua atenção tmb!
beijos