terça-feira, 25 de setembro de 2012

Um Anel

Eu tinha seis anos e estava na escolinha, como acontecia todas as tardes. Naquela época, eu cursava o terceiro pré (não sei se é esse o nome que dão hoje em dia). A professora havia saído da sala durante um segundo, e obviamente todas as crianças começaram a fazer uma bagunça enorme. Eu fiquei conversando com algumas crianças enquanto balançava minha cadeira para frente e para trás, alegremente. Tão alegremente, mas tão alegremente mesmo, que dei um impulso muito forte, perdi o equilíbrio e caí com tudo no chão.
Só esse fato já seria trágico o suficiente. Para piorar minha situação, ao invés de cair de costas eu caí de lado (não me pergunte como), e a cadeira caiu em cima da minha mão direita, quase esmagando meus dedos. Quase esmagando meus dedos e esmagando efetivamente o anel que eu usava em um deles.
A pancada da cadeira contra minha mão foi tão forte, que o anel ficou completamente retorcido e esmagado, afundando no meu dedo de uma forma que não sei como não me cortou. Meu dedo ficou azul, e a dor foi tanta que fiz um escândalo enorme, chorando desesperadamente (ok, eu faria um escãndalo mesmo que não tivesse doído, mas juro que doeu). As outras crianças vieram correndo me ajudar a levantar, e do nada surgiu a professora, mais desesperada que eu, sem saber se gritava comigo ou perguntava se eu estava bem. Ela me levou para a cozinha, para tentar me acalmar.
Só para constar, a cozinha era uma cozinha mesmo. Essa escola (chamava-se Pépe Legal e ainda existe) funcionava em uma casa comum. Os quartos e a sala eram as salas de aula, a cozinha era uma cozinha mesmo e no quintal tinha um parquinho onde passávamos o recreio.
Enfim, ela me levou para a cozinha e, após muitos copos de água com açúcar, muitos mimos e muito me pegarem no colo, eu parei um pouco de chorar. E então elas foram tirar o anel do meu dedo, pois estava me machucando e prendendo minha circulação.
Antes elas não tivessem nem tentado. Só de encostar no anel, meu dedo doía. Quando tentaram puxar, o anel afundava na carne e estava prestes a me cortar. Tentaram molhar, passar sabão, passar óleo de cozinha, e nada, o anel sequer se mexia. Eu entrei em desespero, achando que ia ficar com aquilo no dedo para sempre, e comecei a chorar tudo de novo.
Então, uma das professoras se lembrou de que havia uma serralheria perto da escola, e teve a ideia genial (genial mesmo, sem ironia) de me levar lá para cortarem o anel. Quando eu ouvi a palavra "cortar", olhei de uma professora para a outra com uma cara de "vocês estão de sacanagem comigo, né?". Foi preciso mais meia hora para me convencer 1) a parar de chorar novamente; 2) de que iam cortar só o anel, não meu dedo; 3) a aceitar ir até a serralheria com a professora; 3) a aceitar ir até a serralheria com a professora sem fazer um enorme escândalo no meio da rua. Após muita psicologia infantil e um suborno com chocolates, elas conseguiram.
Lembro de caminhar de mãos dadas com a professora em direção à serralheria no mesmo estado de espírito que alguém caminharia para a guilhotina. Por outro lado, tentava acalmar a mim mesma, dizendo que tudo daria certo, afinal eles eram adultos e adultos sempre sabem o que fazer nessas horas desesperadoras. Chegamos na serralheria e um homem alto com alguma ferramenta assustadora na mão veio em nossa direção. Ele e a professora conversaram, enquanto eu olhava curiosa para tudo ao redor (a oficina era enorme, cheia de coisas estranhas penduradas nas paredes e máquinas misteriosas espalhadas ao redor). Por fim ele se dirigiu a mim.
-- E então - ele passou a mão na minha cabeça - qual é o seu nome?
-- Vitoria...
-- Deixa eu ver seu dedo. - mostrei o dedo com o anel amassado - Ixi, vou ter que cortar seu dedo fora.
Disse isso e riu. Eu fiquei olhando para ele com um misto de dúvida e horror. Não era possível que ele estivesse falando sério. Não é? Olhei para a professora, e ela riu, passando a mão na minha cabeça. Ok, acho que eles não ririam de forma tão tranquila se fossem realmente cortar meu dedo. Acho.
O homem saiu por alguns segundos e voltou com uma pequena serrinha.
-- Você gosta muito do seu dedo?
-- Gosto.
-- Mas você nem vai sentir falta dele, você tem outros nove.
-- Mas eu gosto dele mesmo assim.
-- Tudo bem, vou cortar só o anel então. Me dá sua mão.
Estendi a mão para ele, tremendo como nunca tinha tremido antes. Quando ele aproximou aquela serrinha maligna do meu dedo, fechei os olhos e virei o rosto. E então, depois de um segundo, ele disse:
-- Prontinho.
Abri os olhos e olhei para o meu dedo. Ele ainda estava preso à minha mão, intacto, e sem o anel. Onde o anel estivera, havia uma marca roxa, mas o dedo começava a perder a cor azul.
Fiquei admirando meu dedo, segurando ele com a outra mão, embora ainda doesse. A professora me cutucou.
-- Agradece o moço, Vitoria.
Olhei para ele com o sorriso mais caloroso que uma criança é capaz de dar, daqueles que dão vontade de pegar ela no colo e apertar até a morte.
-- Brigada!
Ele riu, bagunçou meus cabelos de novo e eu e a professora fomos embora, cantarolando pela rua.

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