terça-feira, 4 de junho de 2013

Ateus que Viram Cristãos

Por estranho que possa parecer, eles existem. Alguns - e talvez eu devesse dizer "muitos" - ateus acabam virando cristãos, muitas vezes cristãos fanáticos, ou enveredando por alguma outra religião que possui conceitos sobrenaturais e monoteístas como base de suas crenças.
Estranho? Talvez. Incoerente? Sim. Incompreensível? Na maioria da vezes, não.
Vamos pensar um pouco no que é ser ateu: não acreditar em nenhum tipo de deus ou deuses (embora não necessariamente "não acreditar em absolutamente nada sobrenatural"). Da mesma forma que existem diferentes níveis de fé, existem diferentes níveis de ateísmo. Richard Dawkins, no excelente (e obrigatório para um bom ateu) Deus um Delírio, define sete marcos para esses níveis de fé, indo do teísta convicto, passando pelo agnóstico até o ateu convicto. O ateísmo, assim como a fé, é muito mais complexo do que "eu não acredito em deus". Quando uma pessoa se diz ateia, temos que entender que uma enorme quantidade de informação oculta existe por trás dessa afirmação. Como, crescendo em uma sociedade assumidamente cristã e preconceituosa com ateus, essa pessoa acabou se tornando ateia? Terá essa pessoa perdido sua fé, ou simplesmente nunca teve fé alguma? Essa pessoa será um intelectual questionador do mundo, ou simplesmente "deixa pra lá" a questão da existência de deus?
Embora, por motivos óbvios, ateus sejam visto genericamente como pessoas pensantes, "metidos a cientistas", ou até pessoas evoluídas culturalmente, acabamos descobrindo, depois de um tempo convivendo com esse grupo, que a variedade de pessoas que o compõe e imensa. E entre elas estão dois grupo bastante instáveis: os ateus radicais e os ateus revoltados.
Esses dois grupos têm inúmeras intercessões, mas vou tratá-los como grupos separados. Primeiro, o grupo dos ateus radicais. Sempre suspeite de uma pessoa que se diz "cem por cento ateu". Ser ateu pressupõe justamente uma posição mais aberta do que o convencional, uma maior liberdade de pensamento, e ao se rotular como ateu convicto a pessoa está justamente matando essa liberdade. É como se ela dissesse "Eu me recuso a acreditar em deus".
Um exemplo sobre o quanto essa posição é incoerente: eu não acredito em fadas. Ao dizer isso, não há nenhuma ênfase, nenhuma forma exagerada de negação: eu simplesmente sei que fadas são produto da imaginação popular e muito provavelmente não existem. Mas eu não sou um "a-fadas convicto", pois, sabendo que fadas de fato não existem, uma postura inflexível de negação das fadas seria exagerada, para não dizer ridícula. Não acredito em fadas, mas caso uma apareça na minha frente, eu obviamente ficarei intrigada e começarei a pesquisar o assunto. Não terei minhas crenças na não existência das fadas abaladas, pois tal crença não existe; eu apenas sei, por experiência e inteligência lógica, que fadas não existem.
Logo, um "ateu convicto" é tão incoerente e inflexível quanto um "crente convicto". E uma pessoa que tem uma posição inflexível em algum aspecto da vida provavelmente o terá em vários outros, e no momento em que sua falta de fé encontrar qualquer aspecto que ela não compreenda, ela se voltará com o mesmo radicalismo para o lado oposto. Essa pessoa pode se tornar um evangélico fanático, por exemplo. Não é estranho um ateu convicto se tornar um crente fanático; seria muito mais estranho, por exemplo, um ateu moderado se tornar cristão. Pois tendo uma mente realmente mais aberta e flexível, dificilmente a pessoa "veria seu mundo cair" ao se deparar com algo que não pode compreender, ou com uma situação que não pode suportar.
Um ateu convicto pode facilmente se converter em uma situação de doença grave ou de perda de um ente querido, ou qualquer outra situação de sofrimento extremo, se durante essa situação tiver algum "sentimento sobrenatural" que não consiga explicar - sentimentos esses que são totalmente naturais e comuns a qualquer pessoa, como a sensação de que o mundo é maravilhoso, um pressentimento ruim, ou mesmo a impressão de que tem alguém te observando em um cômodo vazio.
Agora vamos falar do segundo tipo de ateu que eu citei: os ateus revoltados. Confesso que esse grupo me incomoda, e algumas vezes até me irrita. São pessoas que se tornaram ateus por causa de algum tipo de decepção religiosa, e/ou que usam os defeitos do mundo como motivo de seu ateísmo. Geralmente são pré-adolescentes, adolescentes ou adultos jovens, mas encontramos nele algumas pessoas mais velhas também (embora eu não conheça nenhum idoso nesse grupo).
O problema com esse grupo é que seus argumentos são profundamente frágeis, tão frágeis quanto a fé que criticam, e se quebrarão ao primeiro teste severo a que forem submetidos. O argumento "Se Deus existisse não haveria fome no mundo", ou mesmo um mais pessoal como "Se Deus existisse minha mulher não teria morrido", é absurdo e inválido. Se esse é o único motivo para alguém ser ateu, então facilmente essa pessoa se tornará (ou voltará a ser) cristã. Porque a existência de deus não prevê em nenhum momento que não haverá infelicidade no mundo, e a própria Bíblia diz isso. Você pode usar esse argumento para apontar falhas em uma crença em particular, mas não como negação de qualquer manifestação de deus.
Ateus revoltados raramente persistem por muito tempo - é uma das poucas vezes em que a frase "isso é só uma fase" é verdadeira, embora a frase não deixe de ser ofensiva por isso. Duram alguns anos, no máximo. Depois que essa fase acaba, eles podem seguir dois caminhos: se aprofundarem no significado do ateísmo e acabarem por se tornar ateus estáveis, com argumentos sólidos baseados em muito mais do que uma revolta ou decepção; ou se tornarem/voltarem a ser cristãos, ao perceberem que seus argumentos são fracos e não provam coisa alguma.
Esses dois grupos que citei são os mais suscetíveis a deixarem de ser ateus, e onde isso mais acontece - pelo menos é o que tenho observado, em minha vasta convivência com ateus e cristãos de vários tipos. Mas é claro que existem muitas variáveis no caminho, e muitas outras coisas podem acontecer para fazer uma pessoa aparentemente esclarecida resolver que na verdade a religião estava certa.
Eu sou ateia, todo mundo sabe. Mas eu não sou um ateu convicto e nem mesmo um ateu completo. Isso porque eu me sinto muito tentada a acreditar na hipótese da reencarnação. Não por causa das maravilhas da vida eterna (nem sei se a ideia é tão maravilhosa assim) ou por qualquer motivo religioso, mas porque já ouvi falar de casos bastante intrigantes envolvendo possíveis reencarnações (qualquer dia faço uma compilação desses casos e posto aqui). O ponto de dúvida fica pelo "ouvi falar": eu não tenho nenhum experiência pessoal e nunca conheci ninguém que teve. Mas o mundo é vasto e estou aberta à possibilidade. O problema é que muitos ateus ficariam horrorizados por uma pessoa que se diz ateia levantar a possibilidade da existência de uma alma. Um ateu menos convicto poderia se ofender com a "intolerância da comunidade ateísta" e acabar se tornando, digamos, espírita. Não é o meu caso, mas poderia acontecer.
O mais importante nessa discussão é que as pessoas entendam que qualquer postura radical é digna de questionamentos, e que uma pessoa que adote uma postura radical é muito mais instável do que uma pessoa moderada. Radicalismos são suscetíveis a um grande número de questionamentos, e ao primeiro sinal de problemas em sua crença (ou sua falta de crença), toda a estrutura dessa pessoa vai cair por terra e ela tenderá a virar o oposto do que era.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ou a pessoa radical continua sendo radical e age como um boçal, não aceitando nenhuma opinião que contradiz o argumento dele.

não é por que a a pessoa é ateia que ela é esclarecida, existe muito ateu ignorante

Vitoria Esewer disse...

Sim, muitas pessoas generalizam os ateus como pessoas "esclarecidas" - é um rótulo que muitos ateus adoram - mas existe uma variedade imensa de pessoas nesse grupo, não dá para generalizar nada.