sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O Fantasma de Boné Branco

O que conto abaixo realmente aconteceu, mas deixo claro aqui que eu não acredito que o ocorrido tenha a ver com fantasmas. O título é só pra efeito mesmo.

* * * * *

Eu estava voltando para casa, pouco depois do meio-dia. Quando estava chegando no meu prédio, já dentro do condomínio, vi sentado em um dos banquinhos da varanda, de costas para mim, um homem de boné branco. As únicas coisas sobre ele que minhas mente registrou foi que usava esse boné branco, comum, que era alto mas não muito, e estava com uma camisa de cor clara também. Eu fui andando em direção ao prédio, e no caminho passei ao lado de uma pilastra grande que tem na entrada da varanda, que tirou minha visão do homem por um segundo. Quando o banco reapareceu no meu campo de visão, olhei por pura curiosidade (mentira, é porque detesto ficar de costas para uma pessoa que eu sei que pode estar me observando sem que eu saiba). E quem estava sentado ali?
Ninguém. O banco estava vazio.
Fiquei tão desnorteada que parei e olhei ao redor. Não vou descrever como era o lugar em que eu estava, mas garanto que era completamente amplo e aberto, não dava para ninguém ter saído dali e sumido de vista em menos de dois segundos. Mas não havia ninguém por perto.
Um pouco intrigada (não muito, confesso), fui abrir a porta de entrada do meu prédio. É uma porta de vidro escuro. Como já disse, era meio-dia, estava muito sol e a luz batia em cheio na porta e na parede. Eu sempre me enrolo para abrir aquela porta, e nos segundos que levei para encaixar a chave, vi pelo reflexo alguém passando atrás de mim, aparentemente um homem de boné, e quando saiu do reflexo eu vi a sombra da pessoa na parede, claramente uma figura um pouco mais alta do que eu, de boné e passando perto de mim. Sorri e pensei "ahá, aí está, o cara existe", e me virei para confirmar a existência. E adivinha quem eu vi?
Ninguém.
Dessa vez eu fiquei confusa pra valer. Não havia ninguém ao redor num raio de muitos metros, e a sombra de alguém bem perto acabara de passar pela parede na minha frente. Eu posso imaginar um vulto (embora não tenha tanta certeza de que ver um homem sentado durante um tempo relativamente prolongado seja um vulto), posso imaginar um reflexo duvidoso em um vidro escuro, mas imaginar uma sombra muito bem definida passando pela parede à centímetros dos meus olhos? Fiquei completamente perdida. entrei no prédio, e enquanto esperava o elevado fiquei olhando para fora, para ver se a pessoa inexistente aparecia de novo. Não apareceu, e eu fui para casa, convencida de que finalmente estou ficando louca.

* * * * *

Só pra constar, eu não fiquei com medo. Era meio-dia, estava claro e o dia estava bonito, eu estava agitada e em um ótimo estado de espírito. Fantasma ou não, se a ideia era me assustar, escolheu o momento errado.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Um Anel

Eu tinha seis anos e estava na escolinha, como acontecia todas as tardes. Naquela época, eu cursava o terceiro pré (não sei se é esse o nome que dão hoje em dia). A professora havia saído da sala durante um segundo, e obviamente todas as crianças começaram a fazer uma bagunça enorme. Eu fiquei conversando com algumas crianças enquanto balançava minha cadeira para frente e para trás, alegremente. Tão alegremente, mas tão alegremente mesmo, que dei um impulso muito forte, perdi o equilíbrio e caí com tudo no chão.
Só esse fato já seria trágico o suficiente. Para piorar minha situação, ao invés de cair de costas eu caí de lado (não me pergunte como), e a cadeira caiu em cima da minha mão direita, quase esmagando meus dedos. Quase esmagando meus dedos e esmagando efetivamente o anel que eu usava em um deles.
A pancada da cadeira contra minha mão foi tão forte, que o anel ficou completamente retorcido e esmagado, afundando no meu dedo de uma forma que não sei como não me cortou. Meu dedo ficou azul, e a dor foi tanta que fiz um escândalo enorme, chorando desesperadamente (ok, eu faria um escãndalo mesmo que não tivesse doído, mas juro que doeu). As outras crianças vieram correndo me ajudar a levantar, e do nada surgiu a professora, mais desesperada que eu, sem saber se gritava comigo ou perguntava se eu estava bem. Ela me levou para a cozinha, para tentar me acalmar.
Só para constar, a cozinha era uma cozinha mesmo. Essa escola (chamava-se Pépe Legal e ainda existe) funcionava em uma casa comum. Os quartos e a sala eram as salas de aula, a cozinha era uma cozinha mesmo e no quintal tinha um parquinho onde passávamos o recreio.
Enfim, ela me levou para a cozinha e, após muitos copos de água com açúcar, muitos mimos e muito me pegarem no colo, eu parei um pouco de chorar. E então elas foram tirar o anel do meu dedo, pois estava me machucando e prendendo minha circulação.
Antes elas não tivessem nem tentado. Só de encostar no anel, meu dedo doía. Quando tentaram puxar, o anel afundava na carne e estava prestes a me cortar. Tentaram molhar, passar sabão, passar óleo de cozinha, e nada, o anel sequer se mexia. Eu entrei em desespero, achando que ia ficar com aquilo no dedo para sempre, e comecei a chorar tudo de novo.
Então, uma das professoras se lembrou de que havia uma serralheria perto da escola, e teve a ideia genial (genial mesmo, sem ironia) de me levar lá para cortarem o anel. Quando eu ouvi a palavra "cortar", olhei de uma professora para a outra com uma cara de "vocês estão de sacanagem comigo, né?". Foi preciso mais meia hora para me convencer 1) a parar de chorar novamente; 2) de que iam cortar só o anel, não meu dedo; 3) a aceitar ir até a serralheria com a professora; 3) a aceitar ir até a serralheria com a professora sem fazer um enorme escândalo no meio da rua. Após muita psicologia infantil e um suborno com chocolates, elas conseguiram.
Lembro de caminhar de mãos dadas com a professora em direção à serralheria no mesmo estado de espírito que alguém caminharia para a guilhotina. Por outro lado, tentava acalmar a mim mesma, dizendo que tudo daria certo, afinal eles eram adultos e adultos sempre sabem o que fazer nessas horas desesperadoras. Chegamos na serralheria e um homem alto com alguma ferramenta assustadora na mão veio em nossa direção. Ele e a professora conversaram, enquanto eu olhava curiosa para tudo ao redor (a oficina era enorme, cheia de coisas estranhas penduradas nas paredes e máquinas misteriosas espalhadas ao redor). Por fim ele se dirigiu a mim.
-- E então - ele passou a mão na minha cabeça - qual é o seu nome?
-- Vitoria...
-- Deixa eu ver seu dedo. - mostrei o dedo com o anel amassado - Ixi, vou ter que cortar seu dedo fora.
Disse isso e riu. Eu fiquei olhando para ele com um misto de dúvida e horror. Não era possível que ele estivesse falando sério. Não é? Olhei para a professora, e ela riu, passando a mão na minha cabeça. Ok, acho que eles não ririam de forma tão tranquila se fossem realmente cortar meu dedo. Acho.
O homem saiu por alguns segundos e voltou com uma pequena serrinha.
-- Você gosta muito do seu dedo?
-- Gosto.
-- Mas você nem vai sentir falta dele, você tem outros nove.
-- Mas eu gosto dele mesmo assim.
-- Tudo bem, vou cortar só o anel então. Me dá sua mão.
Estendi a mão para ele, tremendo como nunca tinha tremido antes. Quando ele aproximou aquela serrinha maligna do meu dedo, fechei os olhos e virei o rosto. E então, depois de um segundo, ele disse:
-- Prontinho.
Abri os olhos e olhei para o meu dedo. Ele ainda estava preso à minha mão, intacto, e sem o anel. Onde o anel estivera, havia uma marca roxa, mas o dedo começava a perder a cor azul.
Fiquei admirando meu dedo, segurando ele com a outra mão, embora ainda doesse. A professora me cutucou.
-- Agradece o moço, Vitoria.
Olhei para ele com o sorriso mais caloroso que uma criança é capaz de dar, daqueles que dão vontade de pegar ela no colo e apertar até a morte.
-- Brigada!
Ele riu, bagunçou meus cabelos de novo e eu e a professora fomos embora, cantarolando pela rua.

sábado, 22 de setembro de 2012

Política

Eu sempre digo que existem alguns lugares que são perfeitos para se jogar uma bomba atômica: micaretas, carnavais de rua, passeatas gays (nada contra gays, o problema é a zona mesmo), bailes funk...
Pois acabo de acrescentar mais um lugar à essa lista: passeatas políticas.
Eu gostaria de saber quem já conseguiu algum voto graças a uma passeata. Gostaria também de saber quantas pessoas participam dessas "caminhadas" por puro idealismo político, sem ganhar um centavo. Em noventa por cento dos casos, eu posso afirmar com certeza que a resposta é ninguém. Ninguém vota em um político porque veio um bando de gente balançando bandeiras e quase enfiando um panfleto dentro da sua boca.
E os carros de som? Será que eles acham que ganha a eleição quem tiver o som mais alto? Acaba de passar pela minha rua uma passeata de um candidato a prefeito com nada menos do que CINCO CARROS DE SOM! O melhor: cada um tocando uma música, alguns tocando a mesma música mas em tempos diferentes. Melhor ainda: no meio do caminho, essa passeata se encontrou com outra, de outro político, e parecia que estava tendo na rua um desfile de carnaval seguido por evangélicos fanáticos, pessoas enlouquecidas e fogos de artifício. Se eu votasse aqui, teria anotado o nome de todos os políticos envolvidos nessa zona para não votar em nenhum deles.
E os panfletos? É impressionante a cara de pau que alguns políticos têm para mentir ou manipular a verdade nos panfletos. "Sou Fulano de Tal e aprovei mais de um milhão de projetos nos meus oito anos como vereador...". Só que o Fulano de Tal esquece de falar que metade desses projetos eram coisas como "Oficialização do feriado do Dia dos Vereadores". Esquece também de dizer que ele votou a favor de aumentar seu próprio salário em mais de sessenta por cento. Aliás, uma boa parte dos atuais candidatos a vereador eram os mesmos que riram da cara do povo que protestava contra esse aumento absurdo de salário, na frente das câmeras e sem dar a menor atenção à opinião pública.
E quando os políticos inventam de enfiar religião no meio da campanha? Um candidato daqui tem uma propaganda que diz "quando for votar, feche os olhos e escute as palavras do Senhor Jesus". Aham, claro, tenho certeza de que Jesus já escolheu seu candidato para cada cargo em cada município. Sem contar aqueles candidatos que mudam de religião dependendo da igreja que estão visitando no momento, e mudam suas opiniões políticas para atender à parcela religiosa da população.
A coisa está tão feia, o desprezo dos candidatos pela inteligência da população chegou a tal ponto, que aqui na minha cidade, o tema da campanha de um dos principais candidatos a prefeito é "Vamos fazer uma cidade mais viva". Rapaz, alguém me diz o que significa isso? Por acaso a cidade está cheia de mortos? Estamos no meio de um apocalipse zumbi e o cara quer liderar a resistência, é isso? Ou eu moro no meio de um cemitério e não estou sabendo? Gente, esse slogan de campanha não faz sentido nenhum! Pelo menos disfarça cara, finge que você tem algum projeto, faz um slogan do tipo "Vamos fazer uma cidade com mais saúde", "mais educação", ou qualquer coisa que realmente falte na cidade! Vida não falta não. Aliás, se faltasse vida, não ia ter eleitores para votar nele, certo? Pensa.
Esse é só o que eu considero pior, mas tem muitos outros que me fazem pôr a mão na cabeça e pensar "o que estou fazendo aqui?".
E o que é pior não é nem a existência desses políticos. O pior é que eles ganham. O que pensa uma pessoa que vota em um cara desses, eu não sei. Ah, claro, não pensa. É a única explicação.
E em toda eleição é a mesma coisa: depois que sai o resultado, o único pensamento que me vem é "o povo tem o governo que merece". Bem feito, é tudo o que posso dizer. Que morram todos, depois que eu for embora pra Marte.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Afinidades

Antigamente, meus amigos eram pessoas que tinham coisas em comum comigo. Fosse o que fosse. Podia ser um gosto musical, gosto por filmes, jeito de pensar, opiniões políticas, comidas preferidas... Ou até algo mais específico, como a paixão por determinada música ou filme. Claro que nenhuma pessoa é cem porcento compatível com a outra, mas para ser amigos deveria necessariamente haver afinidades.
Hoje, por algum motivo, percebo que não é mais assim.
Percebo, hoje, que tenho muitos amigos que não têm absolutamente nada a ver comigo. Pelo contrário, alguns amigos têm gostos tão radicalmente diferentes dos meus que, se não fossem meus amigos, seriam pessoas que eu veria com um sentimento de quase desprezo. Alguns são justificados pelo tempo: quando nos conhecemos éramos muito jovens, e nós mudamos desde então mas continuamos a ser amigos, o que é perfeitamente natural. Mas alguns desses são amigos de pouco tempo, e o mais absurdo é que gosto deles. Por quê?
Nesse mesmo pensamento me vem outro assunto semelhante: por que certas pessoas arrumam namorados/as que não tem absolutamente nada a ver com o círculo de amizade da pessoa? Tenho vários exemplos de amigos e amigas que hoje namoram ou são casados com pessoas que não só não se dão bem comigo, como não suportam ninguém do círculo social do outro. Eu não gosto de namoros, mas se arrumasse um namorado, imagino que seria alguém que se daria bem com o meu círculo social. Afinal, se a pessoa tem afinidades comigo, deve ter também com meus amigos, pressupondo que eles sejam parecidos comigo, certo?
Mas com isso voltamos à questão inicial. Meus amigos não são parecidos comigo. Pelo menos, não todos.
Isso é estranho. Se eu não tenho nada em comum com uma pessoa, como podemos ser amigos? Já me peguei várias vezes catalogando meus amigos em grupos com etiquetas do tipo "vale a pena", "não vale a pena", "duvidoso". Por outro lado, são pessoas com quem, quase involuntariamente, acabo tendo contato constante e não consigo ficar muito tempo longe. Alguns desses me irritam tanto com seus gostos e pensamentos radicalmente diferentes, que às vezes desejo que acontecesse alguma coisa que justificasse um rompimento da amizade. Mas felizmente, isso nunca aconteceu.
Felizmente porque, estranhamente e contra toda a lógica, algumas dessas pessoas estão entre os amigos que mais gosto.
Isso não faz o menor sentido.

* * * * *

Esse texto ficou mais parecendo um trecho de diário. Prevejo perguntas do tipo "você tava falando de mim nesse post?". Vou responder que sim para qualquer um que me perguntar isso, para evitar polêmicas.

domingo, 16 de setembro de 2012

Quando Éramos Puros

"Um outro agora vive minha vida
Sei o que ele sonha, pensa e sente
Não é coincidência nem é indiferença
Sou uma cópia do que faço
O que temos é o que nos resta
E estamos querendo demais"
(Legião Urbana - A Montanha Mágica)
    
A cada dia que passa, eu sinto que perdemos parte do que nos fazia ser nós mesmos. Como se fossemos nos despedaçando aos poucos. Como se o preço de cada dia a mais no mundo fosse uma parte da nossa alma.
Aquela pureza, aquela calma, aquela certeza de que tudo daria certo sempre, onde está? Por que se foi? Às vezes penso que são tantas desilusões, tantos sonhos destruídos, que jogar fora a nossa alma é a única defesa que temos. Mas algumas vezes penso se não será simplesmente o desejo de ser igual ao resto, mesmo que o resto seja pior, mesmo que o resto seja impuro e sujo.
Me lembro de, aos nove anos, jurar para mim mesma que nunca iria me preocupar com os problemas dos adultos. Sem saber, eu estava jurando que jamais venderia minha alma. Mas quando abri os olhos estava na outra margem do rio sem saber como havia ido parar ali, e vi do outro lado, inalcançáveis, todas as minhas resoluções, todas as minhas melhores qualidades.
Um dia eu vi alguém que eu amava triste, e disse, sem saber o que dizia, que minha existência no mundo servia para fazer as pessoas sorrirem. Muitos anos depois, eu vi alguém sem lágrimas chorar, e eu jurei, sem entender as consequências disso, que minha razão de viver seria fazer as pessoas felizes, nem que fosse uma felicidade passageira. E eu cumpri meu juramento, seguindo uma missão que eu mesma designara, e o mundo usou disso da forma mais violenta que seria capaz, e sugou todas as minhas forças, e fez os meus próprios sorrisos se partirem, mas eu continuei a ser aquela que carrega a felicidade do mundo dentro de si.
E se a adolescência pode ser um poço negro e vazio, ao menos em seu fundo você pode se manter intocado. Mas vieram as tempestades do início de uma maturidade forçada, e arrancaram a fé e o carinho, a certeza do amor puro, a esperança, as expectativas. E com isso nos tornamos finalmente adultos, e as pessoas nos deram parabéns por sermos agora como todos, sem nada de especial, sem nada de bom para partilhar.
Mas essas coisas que foram arrancadas permaneceram do outro lado do rio, um rio que é possível atravessar novamente. Um rio que para travessar temos que voltar a acreditar nas pessoas, temos que voltar a sofrer quando nos machucam, a dar nosso sangue por um sorriso, a contar as estrelas do céu e ver além do sol, sem precisarmos de nada além de nós mesmos para isso. Porque quando éramos puros éramos capazes de sermos felizes por nós mesmos, mas hoje só podemos ser feliz pelos outros.

* * * * *

Esse texto foi escrito baseado em uma conversa com Brenno. A ideia original é toda dele, mas eu a modifiquei um pouco. Meus agradecimentos eternos a ele, por me proporcionar conversas que me fazem pensar em coisas como a vida, o universo e tudo o mais.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O Gato Preto

Eu tinha apenas dez anos. Era apenas uma doce, meiga e inocente garotinha, que gostava de frequentar a biblioteca e ler livros complicados que as outras crianças não liam. E lá estava eu, olhando as prateleiras reservadas para ivros "Adequados para 1ª a 4ª série".
A professora havia pedido para escolhermos um livro e fazermos um resumo dele, dizendo se gostamos ou não. A maioria das crianças estava escolhendo livros bem simples, mas eu, claro, queria um livro que eu nunca tivesse lido e que fosse o mais diferente e impactante possível. Após rodar as prateleiras várias vezes e não achar nada interessante, eu afinal vi um livro grosso, de capa preta, que estava caído ao lado de outros mais finos, e que tinha uma capa muito bonita (não lembro como era). Tinha até um fitinha vermelha no meio para servir de marcador. Peguei o livro e li o que estava escrito na capa: Histórias Extraordinárias. O autor era um tal de Edgar Allan Poe.
Folheei o livro. Não tinha gravuras, o que era ótimo. Era pesado e parecia antigo ou muito usado. Aparentemente as histórias eram de terror, e eu sempre gostei desse tipo de coisa. Sem pensar muito, e empolgada pelo aspecto do livro, eu o aluguei.
Foi o começo.
Eu não sabia, mas aquele livro estava na prateleira errada. Ele deveria estar na estante destinada às crianças de quinta à oitava série, se não me engano. Naquele mesmo dia, assim que cheguei em casa, comecei a ler.
Era um livro de contos. Eu o li todo, mas não me lembro da maioria dos contos (até porque, depois disso já reli Edgar Allan Poe tantas vezes que é difícil lembrar qual conto está em qual livro). Só lembro de um, o que eu mais gostei, e o que eu escolhi para fazer o meu resumo: O Gato Preto.
No dia marcado, a professora foi pedindo aos alunos, um por um, que fossem lá na frente e contassem a história do livro que tinham lido. Quando ela me chamou, eu fui, feliz e contente, para a frente da sala, levando na mão o meu livro. A professora disse:
-- Nossa Vitoria, que livro grande!
-- É um livro de contos, tia!
-- Ah sim, e qual o nome e o autor do conto que você escolheu ?
-- É O Gato Preto, de Edgar Allan Poe!
-- E você gostou da história?
-- Gostei!
-- Então conte o seu resumo.
E eu comecei a contar, mais ou menos assim (SPOILERS!):
"O conto fala de um moço que tinha um gato, e ele gostava muito do gato, e esse gato era preto. Mas aí ele começou a beber muito e começou a fazer um monte de coisas erradas, e um dia ele arrancou o olho do gato com um canivete. Aí depois ele ficou se sentindo culpado, mas como ele continuava a beber, ele voltou a ficar com raiva do gato e um dia enforcou ele numa árvore. Só que aí a casa dele pegou fogo, e o fogo destruiu a casa toda, e a única parede que sobrou ficou com a imagem do gato enforcado, e o moço ficou morrendo de medo disso. Aí depois de algum tempo ele encontrou outro gato muito parecido com o que ele tinha antes, só que esse tinha uma mancha branca no pêlo, e pegou esse gato pra ele, pra deixar de se sentir culpado por ter matado o outro. Só que só depois ele percebeu que esse gato também não tinha um olho e que a mancha branca tinha o formato de uma forca, e por isso ele passou a odiar esse gato e a ter medo dele. Aí um dia, quando ele estava com a mulher dele no porão da casa, o gato passou correndo por ele e quase derrubou ele, e ele ficou com tanta raiva que tentou matar o gato com um machado, mas a mulher dele tentou impedir, aí ele deu uma machadada na cabeça dela e ela morreu. Aí ele escondeu o corpo dela dentro da parede, e quando foi procurar o gato pra matar ele também, descobriu que ele tinha sumido. Aí vários dias se passaram e o gato não apareceu, e o moço estava muito feliz com isso. Aí a polícia foi na casa dele e revistou a casa mas não achou nada nem no porão, e quando eles já estavam indo embora o moço estava tão feliz por não ter sido descoberto, que bateu na parede, e da parede saiu um grito horrível que parecia de um fantasma, e os policiais levaram um susto mas correram para ver o que tinha ali e quebraram a parede, e encontraram o cadáver da mulher, e o gato estava em cima da cabeça dela, porque o moço tinha emparedado ele junto sem perceber."
Durante a minha narrativa, várias meninas da sala murmuravam "credo", "que horrível" e coisas parecidas. Quando acabei, a professora me olhava completamente chocada, com a mão tapando a boca, e demorou alguns segundos para dizer alguma coisa.
-- Onde você pegou esse livro, Vitoria?
-- Na biblioteca...
-- E a tia da biblioteca deixou você pegar?
-- Claro.
-- Esse livro não é pra sua idade... Que história horrorosa...
-- Ah tia, horrorosa nada, eu gostei!
-- Gostou!?
-- Gostei, achei tão legal! Podia ter mais livros assim na biblioteca!
Todos os alunos me olharam em silêncio por alguns minutos. Nesse momento o sinal que indicava o fim da aula tocou, salvando-me do olhar de horror da professora e das outras crianças. Depois desse dia, aquela professora nunca mais conversou normalmente comigo. E as histórias que eu escrevia nunca mais foram as mesmas.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Livros

Eu gosto muito de ler. Desde antes de saber ler eu já gostava. O primeiro livro de verdade que eu li foi O Menino no Espelho, quando eu tinha quatro anos. Eu tinha certo orgulho de conseguir ler livros "grandes" (com mais de cem páginas na época), entender a história e ainda gostar disso.
Isso é ótimo para uma criança, ainda mais uma criança extremamente agitada como eu sou era. Ler me proporcionava longos momentos de paz. E pela lógica, quanto mais velha eu ficasse, mais eu leria, certo?
Errado!
Minha taxa de leitura hoje é ridícula. Desde que entrei na UFES, não ultrapasso os dez livros por ano! É simplesmente uma vergonha para alguém que no ensino médio lia quase essa quantidade por mês. Ok, no ensino médio eu não fazia nada da vida, mas isso não é desculpa. Dez livros por ano é menos de um livro por mês! O que acontece?
O que acontece é que quando não estou na UFES, estou estudando. Quando não estou estudando, estou trabalhando. Quando não estou trabalhando, estou fazendo algo (importante!) na internet. Quando não estou na internet, estou comendo. Quando não estou comendo, estou vendo filme. E quando não estou fazendo nada disso, provavelmente estou na rua ou na casa de amigos.
A tudo isso, some-se o detalhe de que eu sou extremamente lerda para fazer qualquer coisa e perco a concentração muito facilmente.
Estou tentando melhorar, tentando voltar a ler como lia antes. Lembro de quando li Edgar Allan Poe pela primeira vez (um dia ainda escrevo sobre isso). Ou de quando li praticamente todos os livros de Fernando Sabino, um atrás do outro. O Grande Mentecapto foi um dos livros que mais marcou minha vida, assim como Encontro Marcado. E Harry Potter? Que falta sinto de uma série que me empogue como Harry Potter, que consiga me acompanhar durante dez anos como fez Harry Potter.
Nem vou comentar sobre os livros de Fernando Veríssimo. Ganhei livros dele em vários natais e aniversários, e eram os melhores presentes que alguém poderia me dar. Ganhei livros do Harry Potter também. Meus pais compravam muitos livros para mim.
Hoje, pouquíssimas pessoas me dão presentes, e mesmo entre esses, pouquíssimos me dão livros. Fico muito triste com isso. Um livro ganhado sempre tem um gostinho mais especial do que um livro escolhido.
Estou tentando voltar a ler. Minha meta de leitura para esse ano ainda está longe de ser alcançada, mas tenho esperanças. Voltarei a ser a menina que deixa de fazer qualquer coisa para ler. É uma promessa.

* * * * *

Eu ia chegar a uma conclusão quando comecei a escrever este post, mas demorei para terminar e acabei esquecendo que conclusão seria essa.
Aproveitando o tema, tenho agradecimentos especiais a fazer à Aline T., minha companheira de leituras e escritas; à Alinezinha, pelos maravilhosos livros emprestados e por também ser minha companheira de leituras; à Jo-chan, por me prometer emprestar os livros legais dela (eu quero ler igual a você, Jo!); e por fim aos meus pais, que cultivaram os livros em mim desde que eu era pequena demais para segurar um sozinha.

domingo, 2 de setembro de 2012

Confusões Mentais

As vezes a lua certa vista no momento errado é o suficiente para nos deixar tristes. Aquele momento em que você entende que as coisas que aconteceram nunca poderão ser apagadas. Quando o que é construído hoje tem como base os alicerces do passado, sejam eles sólidos ou não.
Aquele momento, o estranho momento, em que você percebe que você deseja para você aquilo que não deseja para mais ninguém.
O momento em que você sabe que o que você sente é errado mas você não pode controlar.
Não sou a única a querer arrancar sentimentos do peito. Não sou a única a ter motivos para não querer ver a lua quando ela está cheia, nem querer ver as estrelas quando elas brilham.
Malditas são as estrelas, que iluminam a dor de um céu vazio.
Quando o problema não é mais a falta de lembranças, mas o excesso delas.
E quando agimos como se a felicidade fosse um vício insaciável.
Feliz daquele que nunca foi feliz e nunca amou, pois não sentirá falta do que não teve.
Eu compartilharia da sua dor se isso a fizesse diminuir. Eu lhe daria minha felicidade se isso lhe fizesse feliz. Eu o acolheria em meus braços se isso lhe aquecesse. Eu morreria de fome se isso lhe alimentasse. Eu lhe daria meu ar para que você pudesse respirar. Eu lhe daria minha alegria para que seus dias não fossem tristes. Eu lhe daria cada segundo da minha vida se isso pudesse lhe salvar. Eu lhe daria meu coração para que o seu não sofresse.
Mas a verdade é que tudo isso só serve para tentar faze-lo meu.
Eu mataria todas as pessoas do mundo para que você não amasse nenhuma mais do que a mim. Eu o trancaria em uma cela para que ninguém mais o visse. Eu apagaria todo o seu passado para que apenas eu existisse em sua vida. Eu faria com que você nunca nascesse, se soubesse que você não poderia ser meu.
Pobre daquele que acha que o amor é um sentimento puro.
Pobre daquele que acha que o que sente é amor quando não o é.
Maldito daquele que criou nomes para coisas que não existem.
Naqueles tristes momentos em que o vento sopra sem trazer mensagem alguma, eu mando uma flor que você rejeita, mando uma carta que você não lê, mando uma lágrima que você não seca.
Mas ainda assim, existem aqueles que eu enterro nas profundezas de um abismo sem fim.
E mesmo quando todas as estrelas estão em mim, saber que o dia surgirá torna o brilho delas quase fosco.
Felizes daqueles que não tem medo de mergulhar em águas escuras; esse jamais serão encontrados pelo medo.

* * * * *

Eu comecei este post falando de uma coisa, no meio mudei de assunto e no final falei de outra completamente diferente. Portanto se você acha que entendeu alguma coisa, você está errado.