terça-feira, 21 de agosto de 2012

Abre a Porta, Motorista!

Eu estava com minha família no ponto em frente ao shopping. Estávamos conversando sobre a vida, o universo e tudo o mais, quando meu pai reclamou que não vendiam algum tipo de comida no shopping (acho que era caldo de cana ou algo parecido). Eu argumentei:
-- Claro que não vão vender esse tipo de coisa aqui. O shopping é voltado para pessoas de uma classe mais alta, e mesmo que vendesse isso aqui, seria um preço bem maior do que o normal.
Mal eu terminara de falar isso, e um ônibus parou do nosso lado. Pessoas começaram a descer, e antes que todas saíssem, o motorista fechou a porta, bem na hora que uma mulher saía com uma criança. A porta bateu em cheio na criança, que começou a chorar loucamente. Todas as pessoas do ônibus começaram a gritar para que o motorista abrisse a porta, e ele, obediente, abriu. Abriu e fechou de novo assim que a mulher desceu, prendendo outra mulher que descia logo atrás. Os gritos recomeçaram, com redobrada força, e quando o motorista voltou a abrir a porta, uma mulher desceu gritando para quem quisesse ouvir: "abre a porta, seu filho da p..." e daí começou uma sequência de xingamentos que devem ter exigido uma imaginação fantástica, e que não reproduzirei aqui porque meu pai lê este blog. Além de xingar o motorista, ela xingou também as pessoas que olhavam a cena, xingou o mundo por existir, e concluiu com um "esse motorista tinha era que levar uma bala no meio da cara", seguido de mais uma série de palavrões. E seguiu para o shopping, sob os olhares disfarçados (ou nem tanto) de todas as pessoas na rua.
-- Realmente - disse meu pai - o shopping é frequentado por pessoas de uma classe mais elevada.
E eu não tive o que dizer.

* * * * *

Eu havia pegado um ônibus expresso, que não parava em nenhum ponto depois do aeroporto. O ônibus estava lotado, e havia um grupo de estudantes fazendo uma bagunça enorme. Todo mundo estava um pouco incomodado, mas uma mulher se exaltou e levantou do seu banco (que foi imediatamente tomado por outra pessoa), indo até o motorista. Seguiu-se um breve diálogo:
-- Motorista, esses estudantes estão me incomodando!
-- E o que a senhora quer que eu faça?
-- Eu não sei, chama a atenção deles!
-- Eles não vão me ouvir.
-- Se você não for fazer nada, então abre essa porta que eu quero descer!
-- Eu não posso abrir a porta, esse ônibus só para no terminal.
-- Não me interessa! Abre essa porta que eu quero descer! Para esse ônibus! Motorista, para esse ônibus!
E começou a fazer um escândalo tão grande que até os estudantes pararam para olhar. O motorista, depois de uns cinco minutos ouvindo os gritos histéricos da mulher, parou o ônibus. Mas não em um ponto de ônibus, e sim na esquina de uma rua escura onde havia vários travestis fazendo programa. A mulher olhou para o motorista, incrédula:
-- Eu não quero descer aqui, eu quero descer num ponto de ônibus!
-- Ou desce aqui, ou desce só no terminal.
Hesitante, a mulher saiu do ônibus, bem no meio de um grupo de travestis. Em volta, havia alguns homens muito suspeitos, que a olharam de forma ainda mais suspeita. Alguns passageiros riam da mulher, e um estudante colocou a cabeça para fora da janela, gritando:
-- Aê dona, tu não queria descer num ponto? Então, tu desceu! Desceu num ponto de prostituição!
Todos no ônibus começaram a rir. A mulher seguiu pela rua, assustada, e obviamente arrependida de ter descido. Alguns travestis mexiam com ela, e então o ônibus seguiu e eu não a vi mais. Não sei se conseguiu chegar viva em casa.

* * * * *

Novamente, eu havia pegado um ônibus expresso. E no meio do caminho, uma mulher se deu conta de que havia pegado o ônibus errado, e quis descer.
-- Eu não posso parar aqui. - disse o cobrador - Você vai até o terminal e lá pega outro ônibus.
Mas a mulher parecia não conseguir entender esse raciocínio, porque entrou em desespero total:
-- Mas motorista, eu tenho que descer aqui! Eu não posso ir pra Jacaraípe, é muito longe! Me deixa descer motorista! Por favor, me deixa descer!
E começou a chorar e espernear como uma criança de cinco anos. O motorista e o cobrador trocaram um olhar e, provavelmente com medo de que a mulher se matasse ali por causa dele e ele fosse demitido, o motorista disse:
-- Tá bom, tá bom, eu vou deixar você naquele ponto ali.
-- Mesmo? - a mulher ainda chorava - Obrigada motorista, você é muito bom, Deus te abençoe, muito obrigada...
O motorista parou o ônibus, e ela ficou repetindo agradecimentos enquanto descia, e continuou agradecendo até que o ônibus fosse embora e ela sumisse de vista.

* * * * *

Quando o ônibus parou no ponto antes do que eu iria descer, eu já me levantei, como sempre fazia. Assim que ele começou a andar novamente, eu dei sinal para descer. Outro rapaz também se levantou, e ficamos na beira da porta, esperando que o ônibus parasse. Mas o ônibus passou direto pelo ponto, e eu e o rapaz gritamos:
-- Ei motorista, eu dei sinal! Para aí, abre a porta!
O motorista parou, mas ao invés de abrir a porta, começou a discutir:
-- Po, vocês dão sinal em cima do ponto, como é que vocês querem que eu pare assim?
-- Mas eu dei sinal lá atrás! - eu disse, convencida de que aquele motorista bebera alguma coisa antes de entrar no ônibus - Você que não viu.
-- Deu nada!
-- Deu sim. - disse o rapaz que estava comigo - E abre logo essa porta!
Reclamando, o motorista abriu a porta. E o cobrador disse, enquanto a gente descia:
-- Pessoal nervosinho, credo.
Me deu vontade de voltar e dizer que a única pessoa que se alterara ali fora o motorista, que afinal era um idiota por não conseguir nem ver que alguém apertara a campainha do ônibus, e que se ele não parasse naquele ponto, ele só pararia muito mais para a frente e eu teria que andar quase trinta minutos para voltar. Mas não voltei, apenas segui para a aula, pensando naquilo.

* * * * *

O ônibus virou na rua que ia para o terminal de Carapina, como sempre, e imediatamente uma senhora bem velhinha se levantou, desesperada:
-- Ah, motorista, eu peguei o ônibus errado! Ah, meu Deus! Abre a porta, motorista, eu peguei o ônibus errado! Onde eu estou, que lugar é esse? Eu não conheço isso aqui, ah, meu Deus!
-- Calma, senhora. - disse o motorista - A senhora pode descer no terminal de Carapina e lá pegar o ônibus para o lugar certo.
-- Não, motorista, eu não conheço esse terminal, não conheço nada aqui, ah meu Deus, e agora? Estou perdida, e agora? Abre a porta, motorista!
-- Mas senhora - disse o cobrador - se você não conhece esse lugar, se descer agora vai se perder. Se a senhora for até o terminal de Carapina, é só a senhora falar com o fiscal para aonde você quer ir, e ele vai...
-- Não, não, eu não conheço esse lugar, abre a porta, abre a porta...
Nisso a mulher já estava na beira da porta, só faltava começar a bater nela com a bengalinha que usava. Os outros passageiros também tentavam convencer a mulher de que era mais seguro que ela fosse para o terminal, mas não adiantava. Então o motorista, sem ter outra opção, abriu a porta, e a mulher desceu.
-- Ah meu Deus... - ela dizia enquanto descia - Que lugar é esse, eu não conheço esse lugar, o que que eu faço agora...
E foi andando sem rumo, até entrar em uma rua mais para a frente e sumir de vista.

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