sábado, 6 de março de 2010

Muito Além Destes Dias

Um dia, vou fazer uma viagem. Vou sair andando, apenas com a roupa do corpo, e ver até onde consigo chegar. Tenho mais ou menos um trajeto pronto na minha cabeça, mas posso tomar direções totalmente diferentes. Posso pedir carona, posso juntar algum dinheiro e pegar um ônibus para o Chile. Posso entrar escondida em um navio e ir parar no Japão. Eu posso fazer qualquer coisa.
É tão bom isso. Poder fazer qualquer coisa. Às vezes eu vejo pessoas cegas que escalam montanhas, paralíticos que atravessam o Atlântico a nado, surdos que compõe músicas. Por que eu, que sou perfeita (mais ou menos), não faço nada disso? Por que a maioria das pessoas que têm duas pernas nem pensa na possibilidade de escalar uma montanha? Por que todo mundo é tão conformado com a vida que leva?
Eu não sou.
Me vejo daqui há uns anos, sentada no alto de uma colina em algum longínquo país europeu, admirando a paisagem depois de ter passado cinco horas tentando chegar até ali e estar com as pernas e os braços sangrando por quedas e picadas de mosquito. Ou andando de bicicleta por uma planície da África, tentando fugir dos leões (e se algum me pegar, tudo bem, ainda tenho muitas encarnações pela frente). Ou pulando de pára-quedas, ou sem pára-quedas. Me vejo fazendo qualquer coisa.
Quando eu era bem pequena, com uns doze ou treze anos, eu tinha muito medo de morrer. Tinha verdadeiro pavor da morte. Morrer, acabar. Uma hora tudo existe, depois mais nada. Eu era ainda mais descrente do que sou hoje. Eu chorava com medo de morrer, e eu tinha doze anos e era completamente saudável. Hoje eu tenho vinte e um, continuo sendo saudável (mas não muito), e não tenho mais medo da morte. Pelo menos, não da minha morte. Eu amo viver, amo a minha vida. Faço de tudo para superar meus medos (tenho medo de escuro e fico andando com as luzes apagadas, tenho pavor de altura e fico escalando telhados). Só não saí na minha viagem ainda porque estou fazendo faculdade e algumas pessoas dependem de mim pra tudo.
Eu tenho muita coisa a ensinar há algumas pessoas. Preciso ensinar a P que em breve eu vou embora, e que isso não é ruim. Que ela não precisa de mim. Que não precisa de ninguém, e que não tem que se importar tanto com o que as pessoas dizem. Tenho que ensinar a M que ela não pode depender de ninguém, e que não é justo cobrar dos outros aquilo que ela não aceita que cobrem dela mesma. Preciso ensinar a I que ela é a melhor no que faz e que não há ninguém igual a ela, e que as pessoas gostam dela do jeito que ela é. Que ela é muito especial, e que não precisa mudar nada. Preciso ensinar a muitas pessoas que, por pior que você se sinta, sempre existe alguém em algum lugar que ama você, que está pensando em você naquele momento, e que te vê como a luz do mundo. Você sempre é a coisa mais importante pra alguém, mesmo que não saiba disso.
Quando eu tiver feito as coisas que preciso, quando aqui não precisarem mais de mim, vou partir para a minha grande viagem. Sem medo de morrer. Porque pra mim não basta existir; eu quero que minha existência seja lembrada. Que as pessoas saibam quem eu fui e o que fiz. Que sintam minha falta. Talvez isso seja uma certa carência. Mas eu quero fazer algo de bom. E quero conhecer cada caminho do mundo. Como uma criança que descobre cada segredo do seu próprio quintal.

Um comentário:

HugoBenjamim disse...

Vit,

Voce sempre escreve textos magnificos que muito me ensinam. Saiba que suas palavras não estão apenas colocadas num blog mas elas fazem sentido e tocam no coração de pessoas que voce nem conhece...
Um bocado como eu!


Não sei... talvez todos têm sonhos mais ou menos nessa linha. Todos gostam de se imaginar outra pessoa mais forte, com mais iniciativa, mais liberdade, ...

O que explica o sucesso dos filmes.
Viajamos e nos imaginamos aqueles herois porque queremos ser os herois de nossa vida!


Acho que voce ja é lembrada.
Acho que voce ja é bastante importante e fundamental na vida das pessoas...

Muitas vezes não fazemos aquilo que queremos porque nos acomodamos, adiamos, não acreditamos, desprezamos...

O que voce escreve é aquilo que temos no nosso coração...

Muito obrigado pelo que voce escreveu...

Beijão
(vou ver se fujo mais para aqui...)