terça-feira, 23 de março de 2010

Querendo ou Não

Texto escrito originalmente em algum momento do ano passado. É legal, mas não vou adaptá-lo para o momento atual. Até porque, ele já foi adaptado duas vezes.

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Ano passado fui convocada para fazer o tal ENADE. Convocada mesmo, igual acontece com os meninos de dezoito anos em relação ao exército. Não me perguntaram se eu podia ou se já tinha outros planos, não quiseram saber se eu queria ou não. Simplesmente me chamaram, e, de acordo com a secretária lá do colegiado do meu curso, se eu não fizer esse ano eles me chamam ano que vem, e assim por diante. Se chegar a época de eu me formar e eu não tiver feito, não pego o meu diploma. Simples assim.
E eu não fui fazer.
Não fui, por três motivos. O primeiro é que sou revolucionária desde pequenininha, e não era agora que eu ia fazer o que os outros me mandam. Segundo, porque estava na casa dos meus pais no dia e não iria me dar ao trabalho de me deslocar sessenta quilômetros até o local da prova, sem perspectiva de lugar para almoçar e sem ter como voltar. E terceiro, porque eu não quero, e ano que vem ou depois pode mudar tudo e não ser mais obrigatório fazer nada.
E, se não for obrigatório, eu faço.
Revoltas a parte, isso me fez pensar na quantidade de coisas que nos obrigam a fazer. Identidade. CPF. Imposto de renda. Conta no banco. Votar. Tanta coisa a gente é obrigado a fazer, e nunca vi nenhuma manifestação popular a respeito disso. Tenho certeza de que, se ninguém aparecesse para fazer o ENADE, eles não iam segurar o diploma de todo mundo. Ou se ninguém fosse votar. Ou se o pessoal saísse todo na rua quebrando tudo, protestando contra tudo o que há de obrigatório nesse nosso livre país. Sei lá, que fizessem qualquer coisa. Mas não, ninguém faz nada.
Pior. Quando a pessoa aqui começa a reclamar, dizer que não vai fazer porra nenhuma e etc, todo mundo fica contra. Acham feio reclamar. "Sua doida", é do que chamam (e coisas piores). Como se eu fosse só uma... Sei lá, uma baderneira. "Tá reclamando pra aparecer", é o que eles devem pensar.
Ainda não entenderam que ninguém devia ser obrigado a fazer coisa nenhuma. Muito menos pelo governo. Se somos nós que pagamos os caras, se nós é que colocamos eles lá, nós é que deveríamos dar as ordens e não o contrário. Mas, de novo, ninguém faz nada. Fazer pra que, né? Estamos aí, muito bem, comendo nossa grama e bebendo nossa água. Ninguém entende o que é liberdade. Ninguém quer saber.
E ainda falam contra os governos autoritários. A Veja fala mal do Fidel (agora é do Raul). Quer mais autoritarismo do que aqui? Ver você pode, mas não pode tocar. Lá em Cuba você não toca, mas pelo menos não vê e não sabe o que está perdendo. E, se não gostou, você tem a chance de se jogar no mar e ir receber abrigo lá nos EUA. E brasileiro, vai pedir abrigo pra quem? Pra Europa? Estados Unidos? Eu acho que não.
Sempre achei que brasileiro era o pior povo que já foi posto sobre a Terra, e a cada vez tenho mais certeza disso. Está sempre tudo bom, ninguém faz mal pra ninguém, em tudo se dá um jeito. Brasileiro é manso, é preguiçoso. Tem preguiça de sair na rua, de fazer escândalo, de lutar. Os que gostam de lutar acabam indo parar no exército, e o exército é burro, estúpido, ignorante – e assim ficam todos os que acabam indo pra lá. Não, o Brasil precisa de gente inteligente, de gente que proteste, de união. Brasileiro não é unido não, gente. Toda essa história de hospitalidade brasileira, de brasileiro ser amigo de todo mundo, isso aí é tudo mentira. Brasileiro nunca se une quando deve. E não vem me dizer que a culpa é do governo.
Aliás – to indo longe – brasileiro sempre reclama do governo. Sempre! Mas quem colocou os caras lá em cima? Fui eu, e mais não sei quantos porcento da população. O cara não ia estar lá se a maioria não quisesse. As leis não seriam essas, se fossem outros que estivessem lá (tá, talvez fossem, mas não interessa). Cada povo tem o governo que merece. O governo do Brasil é uma representação internacional do povo brasileiro, lados bom e ruim juntos. Você reclama, você tem vergonha do que o estrangeiro pensa dos nossos políticos? Pois eles são você. É a gente, muito bem retratado, mostrando pro mundo inteiro o que o brasileiro é (ou deixa de ser). Que atire a primeira pedra quem nunca ultrapassou em local proibido, quem nunca bebeu antes dos dezoito anos ou cometeu qualquer outra "bobeirinha". Eu mesma não posso atirar pedras em ninguém.
Voltando ao início. O que o governo faria se milhões de estudantes deixassem de comparecer ao ENADE? Iam bloquear o diploma de todo mundo? Iam deixar a gente de castigo por um ano? Ou será que iam começar a rever os seus conceitos?
Não sei. Brasileiro, além de preguiçoso, é teimoso. Era capaz de obrigarem todo mundo a fazer no ano seguinte, só de birra. E aí os estudantes iam cansar de reclamar e iam fazer, mesmo. Um amigo meu me disse o seguinte: é só um dia perdido, não custa nada. Ele, por sinal, também foi fazer o ENADE. Aliás, não é nem um dia inteiro perdido. São só algumas horas.
Mas não são só algumas horas. Não é só um dia. É uma vida inteira perdida ali, naquele dia, naquele pedaço de papel. A sua vida, a vida  dos seus pais e a dos seus filhos. Não é só uma prova que você vai fazer. É todo o seu ideal, tudo o que você pensa ser certo ou errado, passando ali na sua frente, enquanto você escreve. Tudo pelo que você lutou sendo jogado fora. É você dizendo pro mundo que suas opiniões e seus sonhos não significam nada. É você deixando de ser você mesmo.
Mas, no fim das contas, isso talvez não seja tão importante assim. Afinal, somos todos brasileiros mesmo. Somos todos iguais, ontem, hoje e sempre. Talvez o que a gente ache certo não signifique nada nem para nós mesmos.
E talvez, no fim das contas, seja só eu que pense assim por aqui.

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Esse ano eu fui convocada de novo. E de novo não fui fazer. E, quando eu for fazer, vou entregar a prova em branco.

Um comentário:

HugoBenjamim disse...

A sociedade tem a tendência de condenar todos os comportamentos considerados desviantes e se submeter as diretrizes pre-determinadas.

Com isto dito...
Você questiona todas as leis impostas de maneira igual ao meu cerebro. Até, de momento, tenho um trabalho para entregar mas como me deram um prazo fixo... não to querendo fazer. Mas ok...

Mas qual seria a sua sugestão solucionar essas questões de impostos e tal?

Num povo grande, há que colocar uma certa ordem.

Esse é a maior prova que somos desorganizados: precisamos de leis.

Beijão, linda!