quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Menina Não

Meninos não podem gostar de rosa.
Concordando ou não, isso é um fato.
Por outro lado, hoje é normal meninas gostarem de azul. Só que nem sempre foi assim.
E quando eu era criança, não era assim.
Por algum motivo, quando eu era pequena, uma menina gostar de azul (ou simplesmente não gostar de rosa), brincar de carrinho, e não gostar de vestidos nem de bonecas, era uma coisa tão grave quanto um menino brincar de Barbie. Pelo menos era essa a sensação que eu tinha.
Ainda bem pequena, antes dos sete anos, eu era uma menina moleca no sentido mais cru da palavra. Parecia um menino, tanto no comportamento quanto em formas de pensar. Era violenta, gostava de brincadeiras que machucavam, gostava de bater nos outros. Odiava brincar de boneca, e nunca tive uma Barbie. Gostava de qualquer brincadeira que envolvesse correr, escalar, pular, bater, enfim, qualquer coisa que meninos gostassem eu gostava também.
O tempo passou, eu fui crescendo, e esse traço da minha personalidade não se alterou muito, embora tenha se tornado um pouco mais complexo. Eu ouvi tantas vezes que meninas não podiam ser assim, não podiam fazer as coisas que eu gostava, tinham que gostar do que eu não gostava, que chegou a um ponto em que eu não queria mais ser uma menina.
Não era uma coisa que chegava a ser preocupante, mas eu passei a me enxergar como um ser assexuado, mais próximo dos meninos do que das meninas (e até hoje as vezes me confundo e uso termos masculinos para me referir a mim mesma). Havia um porém muito importante do qual falarei depois, mas essencialmente, eu queria ser um menino.
Ser menino era mais legal.
Ser uma menina de menos de doze anos e querer parecer um menino não é uma coisa assim tão difícil, e nem causava tantos transtornos (apenas alguns puxões de orelha e olhares feios de vez em quando). O problema foi quando a adolescência começou a chegar, e eu comecei a ter os malditos problemas de menina.
Criar corpo não foi um grande problema, porque afinal, não mudou muita coisa (lágrimas). O verdadeiro problema é que uma criança desleixada é perdoável, mas uma adolescente sem vaidade não é. Eu não usava nenhuma maquiagem, nem mesmo batom; odiava saias e vestidos; só penteava o cabelo o suficiente para sair na rua e olhe lá; e a única coisa que me importava na hora de escolher uma roupa era o conforto. Na maior parte do tempo, eu parecia uma hippie esquisita.
Minha aparência e meu comportamento escandaloso (e nada feminino) as vezes faziam surgir alguns rumores sobre minhas opções sexuais, que as pessoas achavam que eu ignorava mas que eu sabia muito bem, embora não chegassem a me incomodar (e muitas vezes eu até brincava com isso). E aí entra o "porém" que eu havia dito acima, e que é muito importante para explicar pelo menos em parte o porquê de eu ser assim, e também para chegar a algumas conclusões sobre esse assunto: eu não gostava de meninas.
Por "não gostar", entenda-se ter total aversão a meninas e a qualquer coisa que me relacionasse com elas.
E eu adorava meninos.
Desde as minhas lembranças mais antigas, eu adoro meninos de tal forma que queria desesperadamente ser como eles. Quando se é criança, meninos não andam com meninas - os dois sexos, na verdade, costumam ser inimigos. E eu não queria isso, não queria estar no grupinho das meninas. Eu admirava os meninos, queria brincar com eles, encostar neles, bater neles. Meninas eram chatas, meninos eram legais.
Não faria sentido, portanto, achar que, por eu só andar com meninos, eu era lésbica. Se fossem fazer alguma relação com sexo, deveriam achar que eu era uma maníaca tarada, ou algo parecido.
Enfim. Isso durou boa parte da minha adolescência. Lembro que costumava me referir a mim mesma como um "ser indefinido", querendo dizer que eu era assexuada (o mais bizarro é que conheço várias pessoas que também se dizem assexuada). Quando fiz dezessete anos e fui virando gente, comecei a parar com isso - afinal, os meninos não eram mais inimigos das meninas, e eu podia brincar com eles sem me tornar um menino.
Mas até hoje, ando mais com meninos do que com meninas. Até porque, eu faço um curso em que mais de noventa porcento dos alunos são meninos.
Não importa quanto tempo passe. Sempre acharei os meninos mais interessantes pra brincar.
Sempre.

* * * * *

Eu ando observando, nas minhas peregrinações pela vida, que no geral meninos afeminados acabam se tornando gays, por uma série de fatores complexos demais para eu tentar explicar aqui. Conheço poucas meninas lésbicas e não sou próxima das que conheço, mas conheço algumas meninas que assim como eu eram "menininhos", e assim como eu, nunca chegaram nem perto de ser lésbicas.
Tenho a teoria de que isso acontece porque as mulheres são mais fortes do que os homens. Um menino afeminado sofre bullying e fica traumatizado. Uma menina que parece menino sofre bullying e bate em quem faz bullying com ela. E não está nem aí para o que pensam a respeito.

* * * * *

Hoje eu sou uma menininha fofa que gosta de Hello Kitty e usa lacinho na cabeça.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não é que as mulheres são mais fortes.
No seu caso, você era moleca como você mesma disse. Então, quando algum outro menino te zoava, você batia nele, e você era amiga deles.

Já no caso dos meninos afeminados, eles não batiam quando eram zoados. Os outros garotos zoavam ele, e ele ficava no seu canto fingindo que aquilo não o atingia. Deve ser por isso esses problemas marcaram mais eles do que em vocês.

Na infância, menino só cria um amigo de verdade quando eles caem na porrada.

Vitoria Esewer disse...

Faz muito sentido. Eu cheguei a pensar nisso, mas já tinha publicado e não quis mudar rsrsrs.