segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A Carteira

Eu já era era adolescente, mas tinha menos de quinze anos - imagino, na verdade, que tinha uns doze, mas não tenho certeza. Estávamos andando pela cidade, e por algum motivo eu resolvi que queria comprar uma carteira.
Realmente não consigo imaginar um motivo para querer uma carteira naquela época. Eu não tinha dinheiro, não ganhava mesada, nem tinha nenhum documento. Acho que envolvia alguma ideia do tipo "sou quase uma adulta e adultos usam carteiras", mas não tenho certeza. Só sei que meus pais resolveram atender a um pedido daquela criança tão boazinha que eu era (e eu era mesmo, foi uma fase boazinha que tive) e me levaram em uma loja que vendia umas carteiras bem baratinhas, para que eu escolhesse uma. E no meio de tantas carteiras dos mais variados tipos, eu escolhi uma carteira do Piu-Piu.
Piu-Piu.
Aquele passarinho que fala "eu acho que eu vi um gatinho".
Era uma carteira normal, preta, só que tinha o Piu-Piu bordado na frente. Era fofinha, mas aquilo estava muito longe de me deixar mais próxima do mundo dos adultos.
Eu usei essa carteira até os meus dezessete anos. Era bastante infantil, mas era bonitinha, e eu a adorava. No início, eu não tinha nada para colocar dentro dela, então a enchia de papéis onde escrevia poeminhas. Com o tempo, fui arrumando mais coisas para colocar: fotos 3X4, papéis de bombom (coisa de menina), papéis com letras de músicas, recortes de revista (por incrível que pareça, não eram de homens bonitos; geralmente eram recortes sobre matérias científicas ou fotos de bichinhos), e de vez em quando algumas moedinhas. Demorou séculos para aquela carteira ver a primeira nota, que foi de um real mesmo. E mais tempo ainda para ver uma quantia maior do que dez reais, que durou muito pouco e foi gasta comprando um presente para um professor por quem eu era apaixonada.
Então, aos dezessete anos, eu estava no terceiro ano e ia prestar vestibular. E, em uma lógica de pensamento muito ridícula e tipicamente adolescente, eu resolvi que uma pessoa de dezessete anos, quase uma adulta, não poderia ir fazer uma coisa tão importante quanto um vestibular levando uma carteira do Piu-Piu. Eu continuava sem nenhum dinheiro, mas já tinha documentos, então queria levar uma carteira mais séria para mostrar ao mundo inteiro que eu já era adulta.
Não me lembro como foi o processo de adquirir a nova carteira (sim, eu me lembro de quando comprei minha primeira carteira ainda criança, mas não lembro nem se comprei ou ganhei a segunda, aos dezessete). Mas era uma carteira muito bonita, mais cara e definitivamente "de adultos". Dei a carteira do Piu-Piu para a minha irmã, e passei a usar a nova. Até que...
Até que, há mais ou menos quatro anos atrás (ou seja, quatro anos após ganhar essa nova carteira), ela começou a estragar. E há uns três anos se tornou inutilizável: os compartimentos de plástico onde ficam os documentos rasgaram, o fundo dela abriu, a presilha que a fechava soltou. Eu tive que aposentá-la, e como carteiras são caras, fiquei bastante tempo sem comprar uma nova. Até que ganhei uma de aniversário, há dois anos atrás.
Essa nova também era muito bonita. Mas dessa vez, com apenas um ano de uso começou a estragar da mesma forma que a outra. Eu ainda a uso, mas se torna cada vez mais difícil evitar que as coisas caiam dela, e logo terei que aposentá-la.
E tudo isso é para dizer que a carteira de 1,99 do Piu-Piu, que a Vitória criança ganhou há treze anos atrás, continua firme e forte e inteira. Não tem um rasgo, um pedacinho faltando, nada. Minha irmã a usa até hoje, sem problemas. E ela tem mais compartimentos (e compartimentos mais úteis) do que as outras duas carteiras caras e "de adultos" que eu tive depois dela. A cada vez que eu olho para ela, lágrimas me vêm aos olhos e me pergunto porquê a abandonei. Já tentei convencer minha irmã a devolve-la, mas foi inútil.
Está decidido. Minha próxima carteira será a mais infantil e barata que eu conseguir encontrar. É provável que assim ela dure uns trinta anos.

* * * * *

Escrevendo isso, eu me lembrei que quando tinha dez anos, eu tinha uma roupa do Piu-Piu. Era uma camisetinha branca com o Piu-Piu bordado, e um shortinho azul com ele bordado no bolso. Era muito bonitinha.
A usei até que não entrasse mais em mim.
Talvez até um pouco depois disso.

Nenhum comentário: