terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Homem que Pulou a Roleta e o Cobrador Furioso

Era mais uma tarde absolutamente normal. Estávamos perto da páscoa, e eu estava voltando do trabalho. Como sempre, eu tinha pegado um ônibus lotado e estava de pé e imprensada no meio de dezenas de pessoas, o que já não é legal normalmente, mas se torna muito pior quando você está carregando uma sacola com ovos de páscoa e uma mochila pesada.
Depois de quase quarenta minutos eu consegui passar da roleta, e na mesma hora, por pura coincidência, a pessoa que estava sentada em um dos primeiros bancos levantou. Sentei no lugar dela - sob os olhares de ódio das pessoas que estavam por perto mas que não foram tão rápidas quanto eu - e coloquei o fone para ouvir musiquinha.
Mas eu não cheguei a ouvir musiquinha nenhuma. Mal eu sentara, e antes que o ônibus voltasse a andar, um rapaz que acabara de entrar pulou a roleta. Eu já vi essa cena centenas de vezes, e sempre me irrita. Mas naquele dia foi um pouco diferente.
Assim que o rapaz pulou a roleta, o cobrador gritou para que ele saísse do ônibus. O rapaz falou alguma coisa, dizendo que não iria sair, e nessa hora eu ainda não estava prestando muita atenção no que estava acontecendo. Só prestei atenção quando a porta de trás do ônibus se abriu, o cobrador desceu da cadeira, foi até o rapaz e o segurou pela camisa, empurrando ele porta a fora. O rapaz continuou resistindo, xingando o cobrador, e se segurou na porta para não ser jogado para fora. E aí o cobrador simplesmente deu um chute nele. Aliás, um não, uns três ou quatro chutes, até que o rapaz caísse pra fora do ônibus e o motorista afinal fechasse a porta.
A essa altura todo mundo do ônibus estava assistindo a cena, assim como algumas pessoas do lado de fora. Algumas pessoas - uma mulher com um bebê, e uns velhinhos - estavam dando gritinhos e falando "ai meu deus do céu cobrador, não faz isso!", e o cobrador respondeu com xingamentos, voltando para a sua cadeira.
Nessa hora eu já estava escrevendo mentalmente esse texto, pensando em como os ônibus sempre serão um rico material para os cronistas. Mas quando tudo parecia afinal em paz, o imbecil do cara que tinha sido expulso do ônibus foi para a beira da janela do cobrador.e começou a xingar, falando um monte de babaquices - coisas do tipo "você tá fudido, eu vou te matar". O cobrador gritou pela janela "vai me matar? Então me mata agora, palhaço! Abre a porta, motorista!". Assim que o motorista abriu de novo a porta, o cobrador desceu do ônibus e saiu correndo atrás do cara, que fugiu em desespero. Todo mundo dentro do ônibus começou a gritar, e algumas pessoas na rua também. Gritaram "segura ele motorista!", e o motorista desceu também, mas não para segurar ele; saiu correndo atrás do homem também, e depois de menos de duzentos metros de corrida, eles alcançaram o cara.
Eu, obviamente, estava desde o início na torcida para que pegassem o cara, e quando eles conseguiram, eu quase bati palmas - ao contrário do resto do povo do ônibus, que estava em pânico. Os dois pegaram o cara, e de onde eu estava consegui ver os primeiros socos, antes que ele caísse no chão.
O cara não foi linchado, não se preocupem. Nem chegou a ser uma grande surra. Apenas meia dúzia de socos, alguns tapas, e uns chutes - confesso que fiquei um pouco decepcionada, porque esperava mais. Depois o motorista e o cobrador voltaram para o ônibus, parecendo infinitamente mais felizes e realizados. As pessoas continuaram reclamando que aquilo tinha sido perigoso e desnecessário, mas de uma coisa eu tinha certeza: a partir daquele dia, aquele cara ia pensar mil vezes antes de pular a roleta de um ônibus.

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