quarta-feira, 16 de março de 2016

A Incrível História da Menina que Foi Morar Sozinha

O título acima é bem falacioso, por três motivos: a menina (no caso, eu) tinha vinte e seis anos e, portanto, não era mais menina coisíssima nenhuma; ela não foi morar sozinha, apenas saiu da casa dos pais; e não tem nada de incrível em nada disso. Mas esse título ficou legal, não ficou? Eu sei que ficou.
Pois então. Lá estava eu, no auge dos meus vinte e seis anos (embora algumas pessoas ainda me questionem se eu já fiz vinte), e finalmente, por um série de motivos, não estava mais vivendo com meus pais. Eu acho que, em certo momento da vida, todo jovem adulto passa a sonhar incessantemente com ter uma vida independente, e - uaaaauuuu - eu finalmente tinha conseguido! Fui morar em uma república. Finalmente independência total. A vida lá fora. Liberdade.

Antes de darmos prosseguimento, vamos voltar uns vinte anos no tempo.
Vitoria era uma linda menininha, que as vezes parecia um menininho, que as vezes queria mesmo ser um menininho, e que, por algum motivo, foi criada - pelos pais e pelo mundo - como um menininho. Ela não gostava de bonecas, então os pais não lhe davam bonecas. Ela não brincava com as meninas que brincavam de bonecas, e sim com os meninos. Ela gostava de brincar de luta, de bater nas outras pessoas, de subir em árvores e de andar de bicicleta. Ela gostava de aprender as coisas bem depressa, apenas para mostrar para o mundo o quanto ela era inteligente e superior. Vitoria era, acima de tudo, uma criança irritante.
Vitoria foi crescendo, feliz e contente, brincando na rua, batendo em todo mundo e sendo elogiada por pais e professores. Ela desprezava profundamente as outras meninas, e desprezava mais ainda tudo ligado a elas - e isso incluía coisas como brincar de casinha, de boneca, e ajudar a mamãe com coisas que mamães fazem. Ela não queria ser a mamãe, queria ser o papai. E, por isso, ela só fazia coisas que papais faziam, como trocar resistências de chuveiros, ser muito boa em matemática, e falar de futebol. Ela queria ser uma mulher totalmente independente quando crescesse, não uma dona de casa, muito menos uma dona de casa com marido e filhos. Ela desprezava profundamente donas de casa com suas milhares de tarefas domésticas chatas. Ela era uma intelectual. Uma mulher do futuro. Independente. Com ensino superior. Que trabalha fora. Ela se via como uma mulher acima das outras mulheres, acima dos homens. Alguém que reunia o melhor dos dois gêneros. Alguém que nunca seria somente a esposa do fulano.

Corta para 2014:
Vitoria está morando sozinha pela primeira vez na vida, e amaldiçoando cada segundo em que não insistiu para que sua mãe lhe ensinasse, no mínimo, a cozinhar.
Em toda a minha superioridade intelectual imaginária, eu esqueci completamente que parte das atribuições de um ser humano independente é ter a capacidade de cuidar da própria casa. Eu não sabia cozinhar. Era incapaz de costurar um furo qualquer numa camisa. Não tinha a menor ideia de como se lavava um banheiro. Não sabia como limpar a casa. Não sabia passar roupa. Não sabia lavar roupa na mão, e nunca tinha usado uma máquina de lavar. As únicas coisas que eu sabia eram lavar a louça e varrer o chão, e mesmo assim não era nem um pouco boa nisso.
O início da minha vida longe dos meus pais foi completamente surreal. Eu tive que procurar no google COMO FRITAR UM OVO. Eu tive que pedir instruções detalhadas sobre como lavar um banheiro. Eu sequer sabia para que servia água sanitária, detergente e essas outras coisas de limpeza que eu não sei o nome.Minhas primeiras experiências na cozinha foram um total desastre. Uma blusa minha descosturou e eu esperei meses até que minha tia costurasse para mim. Eu varria o quarto de mês em mês, e na primeira vez que dei faxina, foi um desastre. Eu não sabia o que comprar no supermercado. Na primeira vez que tive que lavar roupa num tanque, minhas mãos ficaram completamente machucadas e eu acabei molhada dos pés à cabeça.

Isso, claro, foi há dois anos atrás. Felizmente, aos poucos, eu fui aprendendo a fazer as coisas (não sou uma porta, posso aprender a fazer coisas) e hoje consigo me alimentar e manter as coisas em ordem, mais ou menos.

E por que estou contando isso?
Porque eu quero avisar pro mundo, caso alguém ainda não saiba, que nenhum conhecimento deve ser desprezado. É importantíssimo cuidar dos estudos, da carreira, ser financeiramente independente, e conseguir trocar o pneu do carro. Igualmente importante é ter a capacidade de cuidar da sua própria casa, preparar suas próprias refeições e lavar suas próprias roupas. Você nunca vai ser verdadeiramente independente se não for capaz de cuidar das coisas do dia a dia.
Então aprenda, aprenda tudo o que puder. Aprenda a cozinhar e a trocar lâmpadas. Aprenda a consertar um computador e a costurar. Aprenda matemática e português, química a história. Aprenda dezenas de outras línguas, mas saiba como usar cada produto de limpeza. Você não precisa ser excelente em tudo. Mas você deve saber ao menos o básico de tudo o que for necessário para ser independente.
Você precisa ser independente. E isso inclui ser capaz de cuidar de todas as questões da vida. Todas. Nunca despreze nenhum conhecimento. Nunca se ache bom demais para precisar saber algo. Você não é bom demais. Você é só mais um, e será um completo inútil se não for capaz de cuidar sequer de si mesmo sem a ajuda de outros.

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