terça-feira, 19 de março de 2013

O Problema da Simpatia

Aquele não era um dia normal. Embora eu estivesse no ônibus, como sempre, e ele estivesse lotado, como sempre, havia pessoas ainda mais estranhas do que o normal dentro dele. E não só dentro dele: nas ruas, nos outros carros, em vans que passavam por nós, em outros ônibus. Pessoas vestidas de formas estranhas, a maioria com camisas idênticas, segurando latas de cerveja, rindo, falando alto e gritando para as outras pessoas na rua. E isso era às quatro da tarde de um sábado.
Eu fiquei refletindo sobre isso durante algum tempo. Refletindo tão profundamente, que quando olhei ao redor, percebi que a mulher que estava antes sentada ao meu lado se transformara em um homem. E só percebi isso porque o homem em questão estava me perguntando as horas.
-- Quatro e meia. - respondi, e após ele agradecer, aproveitei para perguntar - Você sabe o que que tá acontecendo? Pra onde tá indo esse povo todo?
Foi uma pergunta inocente. Eu não quis dizer nada além daquilo. Não havia um tom em minha voz que pudesse revelar intenções escondidas, nem o olhei com um olhar provocante, nem mexi no cabelo daquele jeito. Eu só perguntei. Na inocência.
Foi o suficiente.
O homem me contou que aquelas pessoas deviam estar indo para um show que estava acontecendo ali por perto (não me lembro mais qual era, mas era algo ao estilo Ivete Sangalo, talvez a própria Ivete Sangalo). Mas não se contentou em dizer apenas isso. Começou a me fazer perguntas. Perguntou meu nome. De onde eu era. O que estava fazendo ali. Comecei a achar que ele estava querendo saber demais, e dei apenas respostas curtas e diretas, muitas vezes dando informações erradas. Mas ele não desistia. Perguntou minha idade. Eu disse que tinha vinte e dois (isso foi há três anos), e ele levou um susto.
-- Vinte e dois!? Não acredito!
-- Achou que eu tivesse quanto?
-- Uns dezesseis.
Na época, eu realmente podia passar por dezesseis.
-- Adivinha quantos anos eu tenho. - ele disse.
-- Vinte e cinco. - eu disse após analisa-lo por alguns segundos.
-- Trinta e dois.
-- Nossa, você também parece bem mais novo! - eu sorri simpaticamente, querendo nada mais do que parecer simpática.
Foi nesse dia que me dei conta de um enorme defeito que eu tenho: a necessidade de ser simpática com todos. Eu tenho muita dificuldade em ser antipática, ou fria e indiferente, mesmo quando é necessário. Mesmo quando eu percebo que o cara sentado do meu lado possivelmente é um maníaco estuprador de adolescentes, eu continuo a ser simpática com ele.
Aquela minha demonstração de simpatia foi o que o cara precisava para achar que eu estava correspondendo. Começou a conversar comigo, me contou onde trabalhava, o que fazia, onde morava. Me contou que tinha um irmão que estava preso. Me falou da mãe e da irmã. Enfim, me contou a vida dele toda. E eu evitava ao máximo falar qualquer informação sobre mim, qualquer coisa que pudesse ajuda-lo a me localizar.
Chegamos ao terminal, e ele desceu comigo. E, inacreditavelmente, me acompanhou até a fila do meu ônibus e continuou conversando comigo até o ônibus chegar. Ainda pediu para que eu deixasse aquele ônibus passar e pegasse o próximo. Eu disse só um "melhor não", me despedi e entrei no ônibus. Ainda pensei por um momento que ele fosse tentar me abraçar, mas felizmente isso não aconteceu.

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Moral da história: nunca seja simpática com homens desconhecidos que dão em cima de você no ônibus, a não ser que você também tenha se interessado por ele.

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