sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O delicado equilíbrio das coisas

Se a Vitoria de hoje se encontrasse com a Vitoria de dezessete anos atrás, o que ela diria?

Essa pergunta estranha veio à minha cabeça ontem, no ônibus, quando voltava da universidade. Há dezessete anos atrás, eu tinha cinco anos. O que o "eu" de vinte e dois anos diria para o "eu" de cinco anos?
Minha primeira resposta foi: provavelmente, eu me daria um chute. Isso porque hoje eu não tenho muita paciência com crianças pequenas, muito menos com crianças que são como eu era. Mas depois fiquei pensando nisso. O que eu diria? Poderia dar algum aviso sobre o futuro. Algum conselho. "Vit, senta aqui no meu colinho. Olha, vou te dar um conselho: você nunca deve..."
Nunca deve o que? Do que eu me arrependo a ponto de desejar jamais ter feito? Ou o que aconteceu de tão ruim a ponto de eu gastar o meu tempo tentando convencer o meu "eu" do passado a tentar impedir? Ou o que eu deixei de fazer, mas faria se pudesse voltar atrás?
E foi nessa hora que eu percebi que essa pergunta era muito maior do que parecia. Não se tratava do que dizer ou não. Era muito mais do que um pedido de conselho. A verdadeira questão era: se você pudesse mudar o passado, o que você mudaria?
Eu já tinha pensado nisso algumas vezes, mas nunca com a seriedade com que pensei ontem. É incrível o que uma hora e meia dentro de um ônibus pode fazer com a nossa mente.
O que eu mudaria? Acontecem coisas ruins com todas as pessoas. Aconteceram coisas ruins na minha vida. Mas o ponto mais delicado era que, mudando algo ruim, algo bom poderia deixar de acontecer. As coisas que haviam acontecido de ruins eram tão ruins a ponto de eu abrir mão das boas?
E se, consertando a pior de todas as coisas, eu hoje não fosse quem eu sou? Se fosse só mais uma patricinha idiota, sem grandes planos e com nada na cabeça além de um cabelo alisado e pintado de loiro? E se nunca tivesse escrito minha primeira história, se jamais tivesse desejado ser escritora? Se não tivesse entrado na UFES? Se fazer Ciência da Computação jamais tivesse passado pela minha cabeça?
E aí eu percebi o quanto é delicado o equilíbrio entre tudo o que somos hoje e tudo o que nos aconteceu. Uma única mudança poderia destruir tudo. A vida de uma pessoa vale muito mais do que qualquer lágrima que ela tenha derramado. Todas as coisas boas precisam de coisas ruins para acontecerem.
Recentemente, aconteceram coisas muito boas na minha vida. Uma em especial foi tão boa, mas tão boa, que me fez ficar rindo sozinha no ônibus, como se fosse completamente louca, durante todo o caminho de volta da universidade. E naquela noite eu inventei uma frase fantástica para mim: uma coisa só acontece para mim se for muito boa; uma coisa só é boa se ela acontecer para mim. Eu voltei para casa olhando para o céu naquela noite, e juro que era o céu mais lindo que eu já tinha visto. De lá para cá, o céu de cada dia é sempre mais bonito do que o do dia anterior, e não existem dias ruins. E eu pensei em tudo o que me trouxe até aqui, todas as coisas boas e as coisas ruins. E ontem eu descobri que não existem coisas ruins.
É simples assim. Não existem coisas ruins. Não existe absolutamente nada de ruim na minha vida, seja agora, seja no passado mais distante. Existem coisas que aconteceram contra a minha vontade, coisas que eu quis consertar, coisas que me fizeram ficar triste; mas coisas ruins, nunca. As coisas são como elas precisam ser, e como você deseja que elas sejam. E não só para mim, mas para todo mundo. As pessoas seriam mais felizes se elas conseguissem ver isso. Se passassem uma hora e meia dentro de um ônibus, depois de um dia inteiro na universidade, e pensassem no que o "eu" delas de agora diria para o "eu" do passado.
Mas Vitoria, e aquelas vezes em que você passou dois dias sem comer porque não tinha dinheiro nem para comprar um miojo? Aquilo não foi uma coisa ruim? Claro que não. Primeiro, porque tem gente que passa muito mais do que dois dias sem comer. E segundo, aquela época me ensinou tanta coisa, mas tanta coisa, que acho que metade do que sou hoje eu me tornei graças a tudo aquilo. Mas Vitoria, e as pessoas que morreram? Não foi algo ruim? Não. As pessoas que me importavam, e por quem eu sofri, teriam que morrer antes de mim, e se não fosse naquela época, seria agora. E a dor que eu senti me fez crescer de um jeito que nada mais poderia fazer. Foi uma morte que me tirou da infância de vez e me jogou na adolescência, aos catorze anos. Eu não gostaria que ninguém morresse, mas como eu disse, as coisas são o que elas tem que ser. Isso não significa que elas sejam ruins; elas nos ensinam tanto, que a dor vale a pena.
Afinal, cheguei à conclusão de que, se me encontrasse comigo mesma aos cinco anos, eu não daria nenhum conselho nem nenhum aviso. No máximo, eu diria "você é a garotinha mais linda do mundo" e ficaria me vendo brincar, em uma época em que nada era mais importante na minha vida do que o presente imediato.

Porque todos os meus dias são iluminados, e na noite brilham todas as estrelas.

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