quinta-feira, 19 de julho de 2007

Lembraças dos Dezoito Anos

Texto retirado do meu diário dos 18 anos.

Dezoito anos, dois meses e três dias:
Quando eu era criança, morava numa casa muito maior. Ela tinha muros altos pintados de amarelo, tão altos que eu não podia ver as árvores na rua. O jardim era enorme, e uma castanheira bem no meio parecia funcionar como ponte entre a terra e o céu. Maior ainda era o quintal, e o muro deste chegava às nuvens. Nele havia um portão de grades, por entre as quais eu espiava a avenida. Não alcançava o trinco, grande frustração de quem sonha em fugir de casa. Saía pela frente mesmo, e ia brincar com os moleques na rua.
Hoje a casa é outra. Os muros são menores e de um branco-acinzentado estranho, causado pela chuva. Posso ver as árvores na rua, e não tem árvore alguma no jardim, nem flores, só mato. O quintal é minúsculo, e o portão, fechado, não deixa ver a rua, mas abro-o quando quero. Há tempos não vou à rua da frente, não sei mais como é, ou quem mora aqui. Os meninos da rua hoje trabalham, ou estudam, ou têm filhos. Mas não mudei de casa; mudei, sim, de corpo. Acontece com todos. Chega uma idade em que começamos a nos livrar de tudo: guardamos nosso corpo e nossa alma numa caixa e escondemos embaixo da cama. Quando chegamos à idade adulta, já somos outros, diferentes. Às vezes levamos uma ou outra lembrança, meio escondida num bolso; mas em nada lembramos quem um dia fomos.
Já comigo aconteceu uma coisa estranha. Assumi outro corpo, veio de brinde outra alma - mas a antiga continuou no lugar, não quis sair. Ela é uma menina agitada e teimosa, não me obedece, eu me irrito - detesto crianças. Ela acabou ficando, e hoje dividimos o mesmo corpo. Vai ver que é por isso que hoje eu procurei ver as árvores na rua, e achei a casa tão pequena.

4 comentários:

Unknown disse...

Realmente, um dia a gente pára e percebe que a casa já não é tão grande.

Ótimo post.

=*

HugoBenjamim disse...

Você deu a entender que você já não está na fase da infância, da fantasia e por isso ficou mais triste sem ver as flores, sem brincar e se acomodou nessa realidade pq agora já não pensa em fugir embora já consiga abrir o portão...

Você já não tem curiosidade?! Pq você não sabe que vive na frente? porque você não vai mais na rua?

Não sei se é este o caso mas... Deixe a criança sair mais vezes!


(estou gostando muito do seu blog)

Vera Fornaciari disse...

Querida Vitória:
Adorei a melancolia deste texto. Gostei muito do seu blog e de você.
Obrigada pela linda mensagem que deixou no meu.
Sucesso!
Vera Fornaciari

Anônimo disse...

Onde vc achou um diário que cabe tanta coisa?