sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

É Natal - Onde Nós Estamos?

O dia de Natal se aproxima, e com o passar dos dias sou tomada pelo mesmo sentimento que tenho desde um Natal longínquo, em 2003. Pessoas saem às ruas para comprar seus presentes, crianças sorriem nos cartazes das lojas, uma onda de alegria inunda a cidade, e só há uma coisa em que posso pensar.
Aonde vão aqueles que não tem aonde ir?
Tenho procurado respostas para isso, e chego à conclusão de que eles não vão para lugar nenhum. Nem eles, nem nós. O que muda no dia de Natal? Há realmente aquela magia no ar, ou é apenas uma auto-ilusão? Ou será tal magia tão fraca que não pode resistir mais do que um dia, incapaz de mudar o mundo?
Natal é um feriado completamente cristão - que nós, não-cristãos, usamos em proveito próprio. É fácil ser um ateu não-radical, é fácil tirar apenas o melhor de cada dia. Mas não é fácil passar em frente às catedrais e ver aquelas pessoas. Não é fácil ser aquela que não tem nada a dar em troca de um milagre. Como pagaremos as promessas que não foram cumpridas?
Quando eu tinha oito anos vi um homem dormindo na rua, e à partir daí comecei a me tornar aquilo que serei daqui a vinte anos. Aquele homem sem pele e sem roupas - pois a pele e as roupas pareciam se fundir em algo incolor e disforme - dormindo sozinho, em pleno dia, na beira da calçada, inunda meus pensamentos nos momentos mais absurdos. Seja na hora do almoço, seja quando durmo. A qualquer momento em que tenho o que aquele homem não tinha, ele vem à minha mente, como um fantasma. Se eu fosse cristã, poderia dizer que era a culpa católica. Mas eu não sou católica, e não é culpa o que eu sinto.
Ainda pequena, descobri que nem todas as crianças tinham direito ao que todos têm direito. Descobri que nem todas as mães são mães e que nem todos os sonhos podem ser ditos em voz alta. Descobri que havia algo que podia ser feito e que ninguém fazia.
Ninguém deveria dormir enquanto houvesse, em algum lugar do mundo, alguém morrendo de fome ou sentindo frio. Estamos na época de Natal, e muito se fala em Deus. Se o Deus dos cristãos existir e for justo, espero que, para cada centavo gasto com futilidades, as pessoas passem cem anos sofrendo no inferno.
Como alguém pode ter um filho e não adotar uma criança? Como alguém pode dar comida estragada a alguém que tem fome? Como alguém pode desviar os olhos ao ver uma pessoa sofrendo?
Aqueles anjos nas escadas da igreja não saem da minha cabeça desde que eu tinha quinze anos. Pequenos anjos, meninos-velhos, com seus olhos opacos de vidro sujo. Filhos da noite, meus pequenos judeus nesse cruel campo de concentração. Que cada um que meus olhos viram carregue um pedaço de minha alma.
Dizem que o Natal é um dia simbólico para celebrar o nascimento de Jesus. Não consigo acreditar que se trate do mesmo Jesus que nasceu em um estábulo, sem ninguém ao redor, apenas ele, os pais, e uma solitária estrela que caiu do céu. Meus pequenos anjos, caiam do céu. Os três reis magos se esqueceram de vocês e ficaram em seus castelos, distribuindo os presentes entre seus próprios filhos. Para todos os Jesus que nascem e morrem no dia de Natal, saibam que nessa noite ninguém vem. E os soldados de Heródes percorrem as pontes e mancham as águas de sangue.
Apenas minha alma lá fora, sozinha. Minha alma é tudo o que posso dar a vocês. Alma, peixe, pão. Bebam do meu sangue como vinho e rasguem a minha carne como pão. Seria crucificada mais mil vezes se isso pudesse salvar vocês.
E, Jesus... Sinto dizer que sua morte de nada serviu.
Feliz Natal para todos vocês.