quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Trechos

Trecho do livro que estou escrevendo (ainda não é a versão definitiva).

Nós nunca ficaremos juntos. John correu os olhos pelo corpo de David. Trinta anos. Que fossem mil, que fosse a eternidade - seria pouco.
Seu rosto estava tranqüilo. Será que sonha...? As batidas leves de seu coração ecoavam como bips pelo quarto. Aquelas batidas, John as ouvira tantas vezes, sua cabeça pousada sobre o peito de David... Mas então eram fortes, a vida pulsando com força dentro dele; agora, cada pulso era um esforço, um último resfolegar, a alma lutando para se manter presa ao corpo.
John foi até a janela. A noite escorrera para dentro do quarto.
- Que droga, é muito cedo!
Ele golpeou a parede com toda a força.
Todas as histórias de amor são tristes. Ana dissera, Ana estava certa. O menino que se apaixonara pela mãe ficara orfão. Dois meninos se apaixonavam e nunca ficariam juntos. Pecado, morte. Duas crianças pequenas, carregando o Diabo dentro de si.
Ainda muito novos, gostavam de explorar o corpo um do outro. Quero lembrar de você assim, enquanto ainda é jovem e bonito. Crianças... Lembrava-se, lembrava-se perfeitamente, nunca esqueceria. Mas não eram ainda belos? Eram, seriam sempre. Seriam crianças eternamente.
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei vazio como os sinos que tocam. Mesmo que eu veja o futuro e conheça todos os segredos da existência, e mesmo que minha fé seja inabalável, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu seja crucificado e lave os pecados do mundo com meu sangue, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.
Ele sentou-se novamente.
Era cedo, sempre o seria. Um não podia suportar a idéia de perder o outro. Arranque meus membros ou queime meu corpo, mas não leve minha alma. Permaneciam ainda a fé, a esperança e o amor; porém, o maior destes era o amor.
David era seu templo; sem ele, desabaria.
Mas agora ele estava ali, deitado, inerte. E sua alma evaporava, lenta e ininterruptamente.
A noite era fria e delicada e cheia de anjos.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Feliz Dia dos Mortos!

É bizarro pra mim como as pessoas encaram com absoluta naturalidade um feriado tão macabro quanto o de Finados. O dia dos mortos. Comemora-se a morte! Como se houvesse um dia especial para que a morte aparecesse. Ou como se precisássemos de um dia especial para lembrar os nossos mortos.
Cada um carrega um cemitério particular dentro de si. O dia de finados existe para nos lembrarmos dos que já morreram, mas já nos lembramos deles em todos os outros dias do ano. Pode ser visto também como uma homenagem aos que se foram; só que se esquecem que o principal interessado - o morto - não vai ver homenagem alguma.
Algumas pessoas que eu conheço gastaram fortunas para fazer belíssimas lápides para seus parentes. Duvido muito que o falecido vá sentir diferença entre um lindo túmulo de mármore e uma cova rasa. Aqui expresso o meu desejo: se eu morrer - o que não é tão improvável - desejo ser enterrada em qualquer buraco, e que não se gaste um centavo comigo. Aos meus parentes religiosos, garanto que minha alma não ficará vagando por aí: como eu não acredito em Deus, irei direto para o inferno mesmo.
Tenho um grande respeito pelas lembranças que guardamos dos mortos. Se eu pudesse ver meu cemitério particular, seria mais ou menos assim: na "ala nobre", meu avô e meu cachorrinho; na parte "popular", uma conhecida e um amor inconfessado; e, por último, a área dos que não fazem falta - infelizmente, só um. Sim, eu adoraria que meus desafetos morressem e não me sinto culpada por dizer isso.
Acho que o dia de finados deveria servir para nos lembrarmos que estamos vivos. Não é tão ruim quanto parece. Eu ainda posso sentar na areia da praia e sentir a água gelada nos pés. Eu ainda posso escrever. Eu ainda posso subir em árvores. Eu ainda posso cair, me machucar, sentir dor. Eu posso amar, posso sentir prazer, posso me arrepender e começar tudo de novo. Um dia eu não vou poder mais.
Um dia, eu não vou sentir mais. Assim como aquelas pessoas embaixo da terra. Elas tiveram seu próprio tempo, e ele acabou. Continuarão nas nossas lembranças, mas serão só isso - lembranças. E, um dia, nós também seremos. Não sei quando - pode demorar, ou não. Pode ser antes do que imaginamos, provavelmente muito antes do que gostaríamos. Mas a verdade é que isso não tem a menor importância.
De qualquer forma, escrevo isso para que minha alma pare de sangrar.
Um bom feriado para vocês.
Carpe Diem.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Poema

Poema escrito por mim em 24/02/2006.

Desistência

Quando a fome é maior que a vontade
de lutar, de viver
só nos resta aguardar a morte
como sempre fizemos.

A vergonha de desistir nos manteve vivos
mas e agora? Para aonde vamos?
Estamos esperando o dia
Esperando; mas o sol não virá mais
e eu quase desisti de você.

Achei que tivesse medo
de morrer; mas não
a morte é que tem medo de mim.
Nos só nos vimos três vezes
e eu a achei bela
porque o mal me atrai.

Haverá esperança?
Quando todos morrerem, só assim haverá
paz.
E o mundo irá suspirar, leve.

E agora, amigo, o vento sopra
onde você está
eu te sigo com os olhos
mesmo você estando tão longe...

Juro que não fui eu quem matou (de fome) aquela menina
Então, feche a janela
e durma.

domingo, 14 de outubro de 2007

My Life is Music - Parte 4 (Final)

Nessa época, a maioria dos meus amigos não gostava de rock. Ninguém da minha família, que eu soubesse, gostava de rock. Eu era a única esclarecida.
Até que um dia, por acaso, descobri que um grande amigo meu e do meu pai gostava e entendia de rock. Sabia a diferença entre uma banda boa e uma ruim. Graças a ele conheci Slipknot, Iron Maiden, System of a Down e outros. E comecei a descobrir do que eu gostava.
Só que, até os 18 anos, eu ainda tinha um sério problema com as músiem inglês. Porque uma das coisas que eu mais gostava era interpretar as letras, e meu conhecimento de inglês era restrito ao "hello". Por isso, quando eu ouvia rock internacional, só me prendia ao som e à potência da voz - com excessão do Nirvana, onde o principal para mim eram os olhos azuis do Kurt Cobain (eu sei que ele morreu, mas e daí?).
Então, aconteceu.
Era fevereiro de 2006. Eu acabara de fazer 18 anos. Eu acabara de descobrir que não passara no vestibular. Eu estava triste. Na tv e nas ruas, uma certa inquietação parecia ter tomado conta de todos. Dois grandes shows de rock estavam para acontecer, um no Rio e um em São Paulo. Mas quem vai tocar? No Rio, os Rolling Stones. Ah, eu não gosto muito... E em São Paulo? O U2. Quem? U2. Ah, já ouvi falar, mas não conheço. Vai passar na tv. Ah, mas é tarde, e é em inglês. Não quero ver, não. Hoje eu riria de mim mesma. Pobre criança...
O show dos Rolling Stones foi em um fim de semana. Eu estava em uma lanchonete (não era um bar, mãe, não era) e vi alguns trechos na tv. Uns amigos meus falaram: Vit, você não vai ver o show, não? Eu disse que não. Nem o do U2? Não. Você não é roqueira? Sou, mas não gosto de musicas em inglês. Ah, mas U2 e Rolling Stones são clássicos... Ta, ta, talvez eu veja.
O show do U2 seria na segunda-feira. No domingo, o Fantástico anunciou uma entrevista com os membros da banda. E eu, inocentemente, fui assistir.
Não sei dizer qual foi a minha reaçao ao ver o Bono pela primeira vez. Devo ter ficado olhando a tela, com o ar de quem contempla pela primeira vez o nascer do sol. Eu sempre gostei de garotos mais novos, mas aquele homem de 45 anos tinha algo de fascinante que me envolveu completamente. E quando, durante a entrevista, mostraram um vídeo no qual ele beijava uma garota no palco, eu percebi que estava perdida. Eu precisava ver aquele show.
Finalmente, chegou o dia. 20 de fevereiro de 2006. Eu não entendia minha própria excitação. Fiquei horas na frente da tv, esperando que o show começasse. Meus pais e minha irmã foram influenciados pela minha empolgaçao, e todos nos juntamos na frente da tv. E o show começou.
Foram mais de duas horas. Eu nunca tinha visto nada parecido. Aquilo era praticamente um orgasmo musical. Cada musica era única, era simplesmente inacreditável.
Esse foi o ponto de partida para a minha personalidade musical definitiva (ou, pelo menos, a que tenho hoje). Em um mês, me tornei uma roqueira de verdade, viciada em U2. Estudei inglês sozinha, por um ano, para poder interpretar as musicas do U2. E logo meu interesse se estendeu para outras bandas internacionais - AC/DCLed ZeppelinMy Chemical Romance, Pink FloidColdplayGreen Day, Scorpions, Queen. Minha alma estava salva.
No fim daquele ano, eu, que comprava cd pirata, tinha um cd e dois dvd's do U2, originais, alem de cd's do Legiao Urbana e do IRA!, todos comprados com meu pobre salariozinho de ajudante de papai. Hoje, aumentei minha coleçao do U2, e inclui cd's e dvd's do Slipknot e do Iron Maiden. Ate o fim do ano quero conseguir Pink Floid, Coldplay e Engenheiros do Hawaii. Hoje, sou uma menina feliz - inclusive, transformei minha irmã em roqueira também. Meu próximo objetivo e contaminar os meus pais.
E que assim seja.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

My Life is Music - Parte 3

Aquela foi uma época difícil.
Eu tinha 14 anos, acabara de entrar na adolescência, e me deparei com uma complexidade musical inédita na minha vida. Eu olhei pra trás, e vi que a vida que eu levava até então - regada a forró, axé, funk e similares - era vazia, sem sentido. Eu era feliz, mas era a felicidade da ignorância. Agora, à minha frente, se abria um mundo novo, o mundo da verdade, o mundo real. E, nele, só havia espaço para o rock.
Entrei de vez nesse mundo. Um mundo de letras inteligentes, de músicas bem feitas. Legião Urbana, Cassia Eller, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Engenheiros do Hawaii, IRA!. Eu comecei a perceber que era aquilo que eu tinha procurado a vida toda. Mas aí aconteceu uma coisa.
Eu entrei em depressão.
Isso me atormentou durante anos, e influenciou o meu gosto musical. Comecei a gostar do lado sombrio do rock. Conheci o Nirvana. Descobri as músicas mais obscuras do Legião Urbana. As músicas Lanterna dos Afogados e A Via Láctea se tornaram os temas da minha vida.
Mas, às vezes, eu tinha momentos de grande euforia. Durante esses períodos, eu ouvia músicas mais alegres - e voltava a escutar funk, axé e etc. Era um retrocesso.
Aos 15 anos, vivi a época das músicas românticas. Deixei o rock um pouco de lado. Eu só queria calma, paz. E assim foi até o fim dos 16 anos.
Cheguei aos 17 anos mais ou menos curada da depressão. E comecei a mudar. Mudar muito, e muito rápido. Foi uma explosão de lucidez. Funk? Axé? Que droga era isso? Eu gostava de música, não de barulho. Eu gostava de rock. Eu, Vitoria Esewer, era uma roqueira! Isso era muito legal.
Mas a verdade é que eu era muito ingênua. Ouvia rock, mas não entendia as sutis - ou drásticas - diferenças entre os estilos. Eu queria ser uma rebelde, mas não tinha causa. Eu ouvia Nirvana e achava que aquilo era rock pesado.
Eu era muito inocente.

Continua...

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

My Life is Music - parte 2

Mais ou menos nessa época, tive outro contato imediato com o rock. Eu estava no carro, o dia estava lindo e melancólico, e nós estávamos subindo uma serra. O rádio estava ligado. Então, de repente, sem mais nem menos, começou a tocar algo, uma música, linda, incrível, indescritível - Unforgettable Fire, do U2. Fiquei em choque. Me senti como um ateu que de repente se descobre a reencarnação de Jesus Cristo. "Nossa, mãe, que música linda!". "É rock", diz mamãe, "eu não gosto". E desliga o rádio. Mas já era tarde: a melodia estava gravada para sempre em meus ouvidos.
Aos dez anos, fui para uma escola pública. Lá, aprendi a gostar do que o povo brasileiro gosta: forró, música baiana - e, finalmente, o funk. O funk foi o auge da minha infância musical. Eu respirava funk. Quanto mais frenético o ritmo, melhor. Não importava que a letra fosse estúpida e o som fosse repetitivo. Eu queria o barulho, só o barulho.
Também nessa época percebi que não gostava de música estrangeira. Eu gostava de cantar, e não podia cantar em uma língua que eu não conhecia. E ponto final.
Aos 13 anos, mudei novamente de escola. Lá, conheci um professor que tocava violão e adorava Legião Urbana. Eu não conhecia Legião Urbana, mas fiquei curiosa sobre a banda. E, um dia, fui apresentada à música Faroeste Caboclo.
Foi mais uma revelação. Deus, o que era aquilo? Havia algo muito forte naquela música enorme, um quê de genialidade, que eu sentia mas não conseguia definir. Eu era nova demais, e aquela música mexeu profundamente comigo.
Eu ainda era muito eclética, mas comecei a me interessar de forma especial por Legião Urbana. Em pouco tempo, conhecia mais músicas deles do que de todas as outras bandas juntas. Algo em mim estava mudando.
Até que chegou o dia. Aquele dia. Eu estava no quarto, lendo, e mamãe estava na cozinha ouvindo o rádio. Eu não estava prestando atenção, até que começou a tocar algo muito familiar. Corri para a cozinha: no rádio, tocava Malandragem, de Cássia Eller. Quem sabe eu ainda sou uma garotinha... Exatamente como a sete anos atrás. Mas algo em mim mudara. Tudo se concluiu naquele instante. Tudo o que vinha acontecendo dentro de mim se resolveu no momento em que eu escutei aquela música pela segunda vez.
Eu não era mais uma garotinha.
Foi o fim da minha infância musical.

Continua...

sábado, 4 de agosto de 2007

My Life is Music - Parte 1

Até os seis anos, meu conhecimento musical era bastante restrito. Só conhecia músicas infantis - Sandy e Junior, Xuxa, Trem da Alegria - e algumas que meus pais ouviam. Eram dias simplórios, mas felizes. E, então, aconteceu.
Foi em um dia normal. Eu tinha sete anos e estava no corredor de casa, quando alguém ligou o rádio. O som que chegou até mim era algo único, novo, diferente de tudo o que eu já ouvira. Na época eu não sabia, mas o nome da música era Malandragem, e a mulher que a cantava se chamava Cássia Eller. Foi o meu primeiro - e inesquecível - contato com o rock and roll.
Depois disso, fiquei um longo tempo sem ter outro contato imediato com o rock. Mas a música começava a ficar cada vez mais presente na minha vida. Eu ouvia de tudo, mas não me aprofundava em nada. Tudo o que eu queria eram os sons, as vozes, as melodias - fossem elas boas ou não.
Cheguei aos nove anos devorando todo tipo de som que eu ouvia. Música sertaneja, pagode, samba, axé - eu queria tudo. Quanto mais frenético o ritmo, melhor. Eu entrava em êxtase ouvindo o rádio. Músicas infantis também serviam. Tudo servia.
Até que aconteceu novamente. Meu pai comprou um disco de vinil - sim, isso faz tempo - e ali, no meio de milhares de sons estranhos, estava ela, aquela música, aquela voz - La Forza della Vita, cantada por Renato Russo. Meu Deus, que língua era aquela? Era estranha e familiar, e por isso bela. E aquela voz poderosa e suave, aquele som diferente, um estilo que eu não conhecia... Fiquei fascinada, só queria ouvir ela, não encontrava outras parecias, então aquela devia ser a única que existia.

Continua...

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Para Alguém que Mora Longe

O que te faz ser você não é a roupa que você usa. Não é o seu carro. Também não é a sua cor preferida, não é a comida que você gosta, não é o dia do seu aniversário. Não é nada disso.
O que te faz ser você? Não é aquele seu sorriso, e nem os óculos escuros que você tanto gosta de usar. Não são os seus olhos, nem a cor dos seus olhos, nem o jeito como você me olha. Não são seus amigos, seus pais, sua família. O que te faz ser você não é o lugar de onde você veio, nem o lugar para onde você foi, nem o lugar para onde você irá.
Então, o que te faz ser você?
Talvez seja o jeito como você se arruma. Ou o modo como você tira fotos. Talvez sejam seus desejos, seus sonhos, suas fantasias. Talvez tenha sido o brilho das estrelas na noite em que você nasceu o que te fez ser assim.
O que te faz ser você é a alegria que você transmite só por estar presente. O que te faz ser você é o ar que só você respira, a alma que só você tem. É o carinho que você emana quando me abraça, a felicidade que demonstra só por existir.
Você é você porque ama viver, ama estar aqui, e por isso os seus olhos brilham mais do que o sol. O que te faz ser você é o calor no seu olhar. É o jeito como você cuida de todos, o jeito como cuida de mim. Porque você cuida de mim, mesmo sem saber, mesmo estando longe. E isso te faz ser você.
O que te faz ser você é tudo o que você deixa nos lugares em que passa. É cada sorriso que você provoca ao chegar, é cada lágrima que cai ao partir. É cada coração que você leva quando se vai, são todas as lembranças que deixa pelo mundo.
Tudo isso, tudo o que te cerca, tudo o que você transmite e carrega dentro de si, é o que te faz ser você.
E é por isso, e só por isso, que eu te amo tanto, e muito mais do que devia.
É isso o que me faz amar você.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Lembraças dos Dezoito Anos

Texto retirado do meu diário dos 18 anos.

Dezoito anos, dois meses e três dias:
Quando eu era criança, morava numa casa muito maior. Ela tinha muros altos pintados de amarelo, tão altos que eu não podia ver as árvores na rua. O jardim era enorme, e uma castanheira bem no meio parecia funcionar como ponte entre a terra e o céu. Maior ainda era o quintal, e o muro deste chegava às nuvens. Nele havia um portão de grades, por entre as quais eu espiava a avenida. Não alcançava o trinco, grande frustração de quem sonha em fugir de casa. Saía pela frente mesmo, e ia brincar com os moleques na rua.
Hoje a casa é outra. Os muros são menores e de um branco-acinzentado estranho, causado pela chuva. Posso ver as árvores na rua, e não tem árvore alguma no jardim, nem flores, só mato. O quintal é minúsculo, e o portão, fechado, não deixa ver a rua, mas abro-o quando quero. Há tempos não vou à rua da frente, não sei mais como é, ou quem mora aqui. Os meninos da rua hoje trabalham, ou estudam, ou têm filhos. Mas não mudei de casa; mudei, sim, de corpo. Acontece com todos. Chega uma idade em que começamos a nos livrar de tudo: guardamos nosso corpo e nossa alma numa caixa e escondemos embaixo da cama. Quando chegamos à idade adulta, já somos outros, diferentes. Às vezes levamos uma ou outra lembrança, meio escondida num bolso; mas em nada lembramos quem um dia fomos.
Já comigo aconteceu uma coisa estranha. Assumi outro corpo, veio de brinde outra alma - mas a antiga continuou no lugar, não quis sair. Ela é uma menina agitada e teimosa, não me obedece, eu me irrito - detesto crianças. Ela acabou ficando, e hoje dividimos o mesmo corpo. Vai ver que é por isso que hoje eu procurei ver as árvores na rua, e achei a casa tão pequena.

sábado, 14 de julho de 2007

Coisas Úteis que Aprendi com a Vida

  • não misture coca-cola, vinho, licor de jabuticaba e fanta laranja;
  • se encontrar dois homens numa trilha deserta no meio do mato, nunca pergunte se por ali tem cobra;
  • não ande sozinha em trilhas no meio do mato;
  • se não gostar de cheiro de cigarro, não fume;
  • se não gostar de cerveja, beba vinho;
  • não coma demais;
  • se não sabe dirigir, não dirija;
  • não tire o pé da embreagem;
  • abra os olhos embaixo d'água;
  • olhe pra frente quando andar de bicicleta;
  • não diga "eu te odeio" se você não odeia;
  • não diga "eu te amo" se você não ama;
  • você nunca vai precisar de tudo o que você aprende;
  • você nunca vai aprender tudo o que você precisa;
  • não ria muito alto;
  • não chore na frente dos outros;
  • não grite no meio da rua;
  • não incomode os vizinhos;
  • abrace quem você gosta;
  • não bata em ninguém;
  • não morda ninguém;
  • não se interesse pelos amigos da sua irmã mais nova;
  • não beije garotos mais novos do que sua irmã mais nova;
  • não se interesse por homens mais velhos do que seu pai;
  • não se interesse por um homem casado;
  • não brigue na rua por causa de homem (não vale a pena).

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Kayky

Ele dá alguns passos e cai. Ele já sabe ficar de pé. Ele olha e sorri. Seus olhos riem, seus grandes olhos esverdeados riem pra mim. Eu não sou sua mãe, mas às vezes te amo como se fosse. Às vezes, você é um estranho pra mim. Eu sussurro em seu ouvido um "De onde você veio?", e seus grandes olhos verdes me respondem "de longe, muito longe".
Ah, bebê... Eu sou nova demais, mas sou mais velha do que sua mãe. Um dia você talvez ache os dezesseis anos que te separam dela muito pouco, mas hoje não. Hoje, ela é uma adulta. Hoje ela é tudo para você, e você a chama de mamãe. E hoje você me chama de tia.
"Titia". Quem, eu? Não, bebê, não sou sua tia. Mas você insiste. Você tenta dizer meu nome, mas não consegue. Então, me chame de tia. Para que um nome, se em uma palavra já está dito tudo?
Agora, você já anda. Você corre e fala. E ontem você disse meu nome. Você disse o meu nome. Por que você sorri pra mim? Talvez, no fundo, você me ame. Será que você sabe o que é o amor? Não, mas você não precisa saber pra sentir.
E agora eu vi você chorar. Chora, bebê, chora, porque seu pai está longe. Ele vai voltar, ele sempre volta, mas você não sabe disso. Então chora, porque a vida é triste e o mundo é injusto.
Um dia, eu sei, você vai me achar velha demais pra dizer qualquer coisa. Mas, enquanto esse tempo não chega, me escuta. Eu te amo, bebê. Se os anjos existissem, você seria um deles. Eu amo o seu sorriso e os seus olhos verdes. Você pode um dia chorar, mas, por favor, nunca esqueça como sorrir.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Contos Urbanos

Terça-feira. Ônibus tão cheio que, a cada passageiro que entra, dois caem pela janela. Um calor escaldante ao sol, um frio cortante à sombra. Um vendedor de balas, ex-viciado convertido ao cristianismo. Um dia normal.
Há gritos de protesto quando o motorista pára pela décima primeira vez em um ponto, atendendo ao pedido de uma mulher que, de longe, parecia duas. O ônibus pára, entra a mulher, cinco são lançados pela janela. Antes que a porta se feche, entra uma garotinha. A viagem prossegue.
Três pontos depois, a mulher desce, e o ônibus respira. Fica a garotinha. As atenções se voltam para ela. É loirinha, minúscula, olhos azuis e roupinha rosa. Balança de um lado para o outro até que um homem - que pode ser um pai de família, um padre ou um pedófilo - oferece seu colo, onde a menina prontamente se acomoda.
Onde está sua mãe?, pergunta o homem. Em casa, responde a garotinha. E seu pai? Também. Para onde você vai?, pergunta a mulher ao lado. Para a casa da minha avó. Onde ela mora? Daqui há quatro pontos. Sua mãe deixa você ir sozinha?, pergunta o vendedor de balas. Deixa. Quantos anos você tem? Sete.
Quanto mais perguntam, mais feliz fica a garotinha. A mãe é advogada, o pai é médico, o avô morreu, a avó é aposentada e mora sozinha. Na hora de descer do ônibus, a garotinha ganha beijos de todos e um pacote de balas.
Esta história tem dois finais possíveis:
Final 1: a garotinha desce do ônibus e vai, feliz, com seu pacote de balas, para a casa de sua avó, onde vê tv, brinca de boneca e vive feliz para sempre.
Final 2: a garotinha desce do ônibus, o homem que a colocou no colo desce logo depois, vai atrás dela, a encontra perto da casa da avó, a leva para um terreno baldio, a estupra, a mata, joga seu corpo no rio e vai para casa levar a mulher e os filhos à igreja.
Escolha um dos dois, a seu gosto.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Sob o Céu da Tarde

Hoje, o céu atrás da minha casa está mais bonito do que o normal. Está azul, como poucas vezes tem estado. Na frente não. Não fosse pelos riscos de nuvem que surgiram agora, ele estaria pálido como um quadro manchado de giz.
As pessoas que gostam de olhar o céu são boas. Conforme o sol desce as nuvens se adensam, mas ainda não encobrem o azul. O céu de trás de casa parece ter escorrido para a frente e para os lados, e agora todo ele está azul como é ao amanhecer - mas o dia agoniza.
As nuvens parecem ter um brilho prateado, e uma luz dourada tinge suas bordas de rosa. O dia morrendo trás consciência a quem está vivo e medo a quem espera.
É mais bonito quem carrega o céu nos olhos. Depois que anoitece, o céu não tem a mesma luz do pôr-do-sol. As nuvens brancas lembram um quadro pintado há muito tempo e que não existe mais. Há um tempo atrás esperava, hoje apenas corro. Um dia, espero, voarei.
Poucas crianças gostam de olhar o céu. Crianças são como pássaros, se acostumam com o que há de mais belo. Quando o céu goteja e a neblina sobe, o dia inteiro silencia.
O céu escureceu. Não fosse a lua cheia, nada haveria nessas linhas. O sol se foi, já não há céu sobre esta casa; nada a fazer, a não ser esperar que o tempo o traga de volta.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Poema

Poema de minha autoria, criado em 29 de março de 2006.
Luto

Não procure rosas onde só há espinhos
A morte traz dor e desfaz caminhos
Não há amor onde escorre desejo
O que eu digo eu sei, eu ouço, eu sinto, eu vejo.

Não procure a lua com o céu nublado
É melhor amar do que ser odiado
Tem dias em que chove e o vento é forte
Poucas coisas são piores do que a morte.

Só se vista depois que amanhecer
A vida não deixa nosso filho nascer
Não peça perdão antes de pecar
Se Deus não existe, não adianta rezar.

Procure ir embora antes que eu cresça
Acender velas antes que anoiteça
A vida é curta mas dura até o fim
Queria encontrar algo seu em mim.

Não procure rostos com a luz acesa
Não deixe as flores mortas sobre a mesa
A porta em que passastes se fechou
É difícil acreditar que acabou.

Não plante sementes sob o vento sul
Não verá estrelas com o céu azul
Não vi mais, pois a dor a vista cerra
Não enxergo mais seu corpo sob a terra.

sábado, 12 de maio de 2007

Um Pouco Para Minha Mãe

Ainda hoje me lembro de quando tinha três ou quatro anos, e só dormia se minha mãe estivesse do meu lado. Não era medo de escuro, muito menos carência: era o medo, o maior de todos os medos, de que ela desaparecesse.
Por que ela desapareceria? Não sei hoje, e sabia bem menos naquela época. Mas certos medos não precisam de um porquê. Eu tinha medo de que, durante a noite, a escuridão engolisse minha mãe e a levasse para algum lugar distante. Mesmo dormindo ao lado dela, abraçada a ela, eu achava que ela poderia sumir a qualquer momento, me deixando sozinha para sempre.
Naquela época, ela sempre cantava para mim dormir. A vóz dela era a mais bonita de todas, e tinha uma espécie de magia que me levava para outros mundos. Havia uma canção, da qual me lembro até hoje, que falava sobre Nossa Senhora, a Mãe do céu. Para mim, a mãe da canção não era a santa, e sim a minha mãe. Porque minha mãe era a mais bonita de todas as santas do céu, e eu sabia que ela era um anjo, que viera à Terra tomar conta de mim.
Isso foi há muito tempo. E há muito tempo eu não durmo ao lado de minha mãe, e ela não canta mais para mim. Muitas coisas mudaram, comigo e com a gente. Às vezes nós brigamos, às vezes ficamos dias sem nos ver. Eu passo dias fora de casa, e só a vejo nos fins de semana. Já estou grande demais para chorar no colo dela, orgulhosa demais para pedir ajuda, ocupada demais para dar atenção.
Mas... Não sei se ela sabe que eu me lembro de cada momento ao lado dela, de tudo o que ela fez por mim. E ainda hoje, antes de dormir, eu fico pensando se ela não vai desaparecer durante a noite. Às vezes, tenho vontade de ir ao quarto dela, de ver como ela está, se está tudo bem. Mas não vou, sou orgulhosa. Não quero que ela saiba o quanto eu preciso dela, e tenho quase certeza de que ela não precisa de mim.
Se um dia ela for embora, eu não sei o que vai ser de mim. Porque ela é forte, mas eu não tenho quase nada da força dela. Eu sou fraca, muito fraca. E mesmo assim quero cuidar dela, quero protegê-la. Eu a vejo tão cansada, fazendo tanto por mim, e me pergunto se vou conseguir fazer tudo o que quero por ela.
Tudo, sinceramente, tudo o que eu faço é pensando principalmente nela. Se hoje eu passo o dia estudando, se eu me mato para conseguir dinheiro, se eu quero ser a melhor no que eu faço, é pensando nela. Meu maior sonho é poder dar a ela a vida que ela merece, dar a ela muito mais do que ela espera ter. E meu maior medo é que eu nunca consiga fazer isso.
Ela talvez não acredite que eu queira realmente isso. Mas ela não sabe o quanto eu a amo, e o quanto eu agradeço a ela por tudo. E eu juro, por tudo o que existe, que nunca vou abandoná-la. Talvez, às vezes, eu pareça distante, e talvez até me afaste; mas não vou abandoná-la nunca.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Um Dia, ou Não

Dia desses entrei numa loja de lingerie. Não tenho esse hábito, mal uso sutiã, mas, enfim, entrei. Só por entrar. E tinha muito o que olhar. Fora uma ou outra coisa ridícula, como lingerie com estampa de oncinha ou zebra, tudo ali era lindo.
Estava prestes a comprar um conjunto completo de lingerie, o mais lindo que eu já tinha visto, com direito a tudo mesmo, quando me lembrei de um detalhe: eu nunca vou usar isso (quando digo nunca, me refiro aos próximos seis meses). E, se eu usar, ninguém vai ver. Por que eu gastaria, sei lá, cinquenta, oitenta reais numa coisa que ninguém vai ver?
Deixei a lingerie na loja. Mas fiquei pensando nessas coisas. Eu poderia comprar uma lingeire, ou duas, ou dez. Poderia usar roupas sexys e provocantes. Poderia comprar uma caixa de camisinhas. Mas pra que?
Pra que? Eu nunca vou usar nada disso. Está certo, tem gente que compra a primeira camisinha aos cinco anos e guarda até poder usar. Mas eu não sei se um dia vou usar. Por quê? Sei lá. Acho que vou morrer virgem.
Não, não é meu objetivo morrer virgem. Pelo contrário. Mas sei lá, acho que é meu destino. Enfim, estou com dezenove anos. Vamos esperar até os vinte. Se até lá eu ainda não tiver comprado uma lingerie, não comprarei nunca mais. Vamos ver.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Opinião Prática Sobre a Solidão

Não é bom ficar sozinho.Eu, pelo menos, não gosto.
Não falo de ficar sozinho fisicamente. Falo de quando estamos no meio de um monte de gente, mas mesmo assim estamos sozinhos. Há uma bolha à nossa volta, um vácuo dentro da gente.
Bom, não é. Mas às vezes é útil. A solidão é um mal necessário e etc e tal. Já me disseram isso tantas e tantas vezes que enjoei. Mas é verdade. Grandes coisas são feitas quando estamos sozinhos. Os gênios criam suas obras primas em momentos de solidão. Eu escrevo em momentos de solidão (será que sou um gênio?). A solidão é necessária.
Está certo, muitas pessoas não fazem nada quando estão sozinhas. Mas aposto que, um dia, vão fazer. Ah, é, muitas pessoas se matam nesses momentos. Mas quem disse que isso não é uma coisa boa? E já vi cartas de suicídio que mereciam um Nobel de literatura. A solidão é muito inspiradora.
Quem está sozinho talvez não concorde comigo. Ninguém quer passar por isso. Eu, pelo menos, não quero. Preferia estar feliz do que escrever grandes textos (ou pequenos, tanto faz). Mas, enfim, assim é a vida. Só nos resta fazer com que, dos piores momentos da nossa vida, saiam grandes obras. Ou, pelo menos, as melhores de que somos capazes.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Uma Outra Estação

Antigamente eu gostava do verão. Gostava também das outras estações, mas o verão era a minha favorita. Verão era sol, praia, gente, música. Passar horas dentro do mar e levar um bronca por estar pegando o sol de meio-dia. Verão era bom porquê era verão.
Hoje o verão é a única estação que eu detesto. Por quê? Simples: porque verão é sol, aquele sol que deixa a pele ardendo, aquele calor infernal. Verão é praia, praia suja, lotada, cheia de gente sem noção e de carros tocando música baiana no último volume. Verão é gente, muita gente, um bando de turistas sem a mínima educação que viram a cidade de cabeça para baixo. E, claro, verão é música, axé, pagode, samba, funk, música ruim tocada no último volume por pessoas que não estão nem aí se tem gente que precisa dormir ou que não gosta desse tipo de som. Ah, não posso esquecer das crianças, que nunca obedecem quando você manda não sair no sol de meio-dia. Verão é ruim porquê é verão.
Confesso que queria continuar sendo como antigamente. Ter aquela visão simplista, ver sempre o lado bom de tudo. Mas algo mudou. Talvéz o ponto de vista. Esses dias me vi sonhando com uma praia deserta, só para mim, com aquela areia branca e a água muito azul, tendo como trilha sonora uma bela música instrumental. Hoje, minha estação preferida é a primavera, eu acho.
O que significa essa mudança? Crescimento? Acho que não. Conheço pessoas que cresceram antes de mim e que continuam gostando do verão - e de tudo o que ele representa. E é verdade que essa não foi a única coisa que mudou em mim. Acho que passei por uma melhoria interna, seja lá o que isso for. Antes eu gostava daquilo que a maioria gostava, hoje eu gosto daquilo que quero gostar. O que quer que isso represente, me sinto melhor. Pelo menos estou agradando mais a mim do que aos outros.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

As Crônicas da Vida: o Balão, a Espuma e o Algodão-Doce

Eu não gosto de balão. Nunca gostei. Me lembro de que, ainda criança, a simples visão de um balão me causava arrepios. Não entendia como podiam enfeitar as festas de aniversário com aqueles seres monstruosos! De longe, eram até bonitinhos: leves, coloridos... Mas de perto eram horríveis. Aquela espécie de plástico, com uma textura irritante, que fazia um barulhinho detestável quando segurávamos... Pior ainda era quando ele estourava. Não sei como nunca morri do coração. Perdi a conta das vezes em que um balão estourou nas minhas pobres mãozinhas. Eu, inocente, ia toda feliz pegar aquele balão que caíra no chão e, assim que encostava, ele explodia como uma bomba, me levando às lágrimas.
Também não gosto de espuma, daquelas que se formam no suco. Enquanto os seres normais a adoram, eu passo horas soprando o café ou o que quer que seja, na esperança de que as bolhinhas desapareçam. Suco com espuma? Só de canudinho. Aliás, o canudinho é a minha salvação. Sem ele, nada de vitamina ou coisa do tipo.
Mas nada é pior do que o algodão-doce. Esse é meu trauma mais inexplicável. Não é que eu não gostasse: eu tinha medo dele. Medo. Terror. Pânico. Desde bebê. A primeira vez que vi um de perto, quase tive um treco. Ele era quase do meu tamanho! Parecia uma nuvem gigante, prestes a me engolir... E quando começava a derreter? Ia se desfazendo, grudando em tudo, caindo em cima de mim... Traumático.
Hoje, controlo melhor os meus traumas. Consigo segurar um balão, sem problemas, por até cinco minutos. Também já consigo me controlar para não ter uma crise de choro quando ele estoura na minha mão. O problema com algodão-doce, eu cheguei bem perto de superar: comi um pedaço de um, aos doze anos. Hoje consigo chegar perto e até segurar um sem grandes problemas. Quanto à espuma... Hoje eu disfarço melhor, mas não tomo nada com espuma, nem que minha vida dependa disso. Mas vou me livrar desse trauma também, é só questão de tempo. Tenho certeza de que, um dia, serei uma pessoa normal. Um dia.

sábado, 27 de janeiro de 2007

Um Pouco Sobre o Amor

Existe uma coisa mais forte do que qualquer lei. Muito mais forte do que qualquer casamento. Algo que cria. Algo que destrói. Algo que, sozinho, pode mudar alguém. Pode matar alguém.
Essa é a única coisa que pode sobreviver com o tempo. Todo o resto se vai, ele fica. Os pais se vão. Os filhos se vão. Nós vamos. Mas ele fica. Firme, forte, líquido.
Líquido. Ele é como a água. Assume a forma daquilo que o contém, seja um amante ou um amigo. A substância é a mesma, nós é que a enxergamos diferente.
Vai-se o desejo. Vai-se a beleza. Mas ele fica. Vai-se o casamento. Ou talvéz nunca venha - o casamento é uma forma de escravidão. Ele não é escravo. Ele é livre, tem asas, voa.
Pobre daqueles que não o veem, ou que fogem dele. Pobre daqueles que têm medo de prender-se. Pobres daqueles que têm medo dos filhos. Esses jamais serão livres.
Nunca renegue alguém a quem você se entregou. Quando estiver prestes a ir embora, quando a porta estiver aberta, lembre-se que um dia o sol vai se pôr. Lembre-se que mais tarde vai chover - e talvez você não tenha um lugar para onde voltar.
Lembre-se que você também chora. Lembre-se que você tem um pai. E se lembre do seu filho - mesmo que não o conheça. Porque, um dia, você vai precisar de um dos dois - e talvez não tenha nenhum.
Quando ele se vai, não volta mais. A partida é mais eterna do que a morte. Enquanto ele existir, há perdão. Mas, quando se vai, só resta o silêncio. O frio.
Ele não se acaba sozinho, nós é que o matamos. Nós o trocamos pelo dinheiro. Pela preguiça. Por uma festa. Jogamos ele fora a troco de nada, por medo de envelhecermos.
Envelheça. Nós não duramos para sempre. E não, você não é um adolescente. Nem aquela pessoa ao seu lado - então pare de fingir. Não jogue fora uma vida por causa de uma noite. Não deixe seu filho esperando sozinho - esteja sempre ao lado dele. E se lembre de quem te ajudou a fazê-lo: essa pessoa precisa de você mais do que você imagina.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Dor

A dor é uma coisa muito séria. Acabei de descobrir. E talvez Renato estivesse certo: nos tornamos livres quando passamos a pensar por nós mesmos. Tanto a dor quanto a liberdade são coisas muito sérias.
A dor não tem que ter motivo. Ela surge de repente, rasga, dilacera, destrói. Brota do fundo da alma e vai crescendo como um rio. Corre, lenta ou rapidamente, e não pára nunca.
Quanto mais tentamos conter a dor, mais forte ela chegará. E não tente encontrar um motivo para a dor: a dor é o motivo. Podemos represá-la e tentar esquecê-la; mas basta uma decepção, um descontentamento, ou simplesmente uma casa vazia, para que a parede se rompa e a dor nos inunde novamente.
A dor do corpo é a mesma dor da alma. Uma decepção causa dor tão física quanto um ferimento. A dor é uma só, é sempre a mesma água. O que mudam são os motivos que rompem a represa.
Nós buscamos a dor como quem busca o paraíso. O homem não quer felicidade, ele quer a dor. A dor é uma espécie de redenção. E eu também sou assim. Sei que a solidão me faz mal, mas vivo sozinha. Escrevo porque cada letra é um sofrimento, cada palavra é uma gota de sangue. Escrevo como se minha vida dependesse disso.
Descobri que nem todos os anjos têm asas, que nem todas as santas são virgens. Eu ainda esperava que o mundo fosse cor de rosa e que existisse um principe encantado. Mas o mundo é azul, e os principes têm raiva, choram e traem. Os principes falam palavrões, se drogam e dormem com qualquer piranha que aparece. Mas continuam sendo principes.
E isso dói. Dói muito descobrir que a pessoa que você via quase como um Deus é uma pessoa normal. Porque isso lembra que eu também sou normal, e ser normal tráz dor. Muita dor.
Meu sangue acabou, a dor é insuportável. Vou parar de escrever. Se eu não morrer, até breve. Senão, adeus.

sábado, 13 de janeiro de 2007

Bono

Bono. O que dizer deste homem? Ah, meu Deus. Eu passei a acreditar em Deus quando vi este homem pela primeira vez. Sim, este homem. Meu Deus, esses olhos. Se ele existe, Deus tem que existir. Não que ele tenha sido criado por Deus. Não, o Deus dos cristãos não é tão bom. E, mesmo que fosse, bondade não faria um homem desses. Não. Quem criou este homem queria a nossa perdição. Este homem é obra do anticristo.
Sim. Eu me perderia mil vezes por um homem desses. Bono. Se o mundo levou uma semana para ser feito, esse homem levou um mês inteiro. A obra-prima, a perfeição. Meu Deus, homem nenhum pode ser bonito assim aos 46. É milagre, magia, ou sei lá o quê.
Lindo. Eu vendo minha alma, para quem quiser comprar, em troca de ter esse homem na minha cama, ou onde ele quiser, nem que seja por uma única noite. Por uma noite com esse homem eu iria pro inferno, e iria sorrindo.
Olhem para esse homem. Gente, dormir com esse homem deve ser indescritível. Talvez alguém diga: Vitoria, minha filha, esse cara é mais velho que seu pai! E eu digo: dane-se. Homens da idade dele também fazem sexo, e eu aposto qualquer coisa que ele faz isso melhor do que muito moleque de 20. Vitoria, sua depravada, será que você só pensa em sexo? Claro que não. Só de chegar perto dele eu já poderia morrer feliz. Seria capaz de passar a vida inteira olhando pra ele, ouvindo aquela voz maravilhosa, admirando seus olhos... Mas se nesse meio tempo ele quisesse fazer alguma coisa, digamos, mais animada, é claro que eu ficaria muito feliz.
Se existe um homem desses, qualquer coisa é possível. Lindo, gostoso, perfeito. E além de bonito, ainda tinha que ter uma voz daquelas? E todas as coisas lindas que ele diz? Pouquíssimos homens são capazes de dizer coisas tão bonitas. É demais, não merecemos tanto. Ele é bom demais para a gente. Por isso é que eu digo que ele é obra do demônio. Deus não nos daria um presente desses. Nós não merecemos. Esse homem veio para levar nós, mulheres, à perdição, ao pecado, ao inferno. Ah, pecar com esse homem deve ser maravilhoso... Eu preciso ver ele de perto ao menos uma vez, para ter certeza de que ele existe, de que vale a pena viver.