sexta-feira, 28 de junho de 2013

A Fita

Eu tinha aqui em casa uma fita de vídeo onde estavam gravados dois desenhos que marcaram profundamente minha infância: Dumbo e A Pequena Sereia. Nessa mesma fita também estava gravado um especial de fim de ano do Chitãozinho & Xororó, de 1992, e um pedaço de um filme de terror (acho que era O Mistério no Bosque) que eu não lembro direito, mas que parecia muito assustador.
Havia uma coisa bastante, digamos, inusitada em relação a essa fita: o desenho da Pequena Sereia não era dublado, e sim legendado. Acredito que havia sido gravado direto de uma outra fita, mas como isso foi feito eu realmente não tenho ideia - e tenho menos ideia ainda do porquê de aquele desenho estar legendado, em uma época em que encontrar fitas de desenhos legendados era bem difícil.
Eu assisti a essa fita milhares de vezes durante a minha vida. Assistia-a do início ao fim, mesmo as coisas gravadas não tendo nenhuma relação umas com as outras. A ordem era Chitãozinho & Xororó - Dumbo - Pequena Sereia - Filme assustador. Até hoje eu gosto de praticamente todas as músicas do Chitãozinho & Xororó que tocaram naquele especial (por sinal, é dificílimo encontrar cenas dele na internet, e as que existem estão com uma péssima qualidade), o que é uma confissão bastante polêmica, vinda de uma pessoa que tem preferencias musicais voltadas para o rock pesado.
Mas a grande coisa naquela fita era sem dúvida os desenhos. O do Dumbo não tinha o início gravado (talvez os primeiros cinco minutos), mas fora isso, eu sei as falas do desenho de trás para a frente. Mesmo. Me coloque para assisti-lo sem som, e sou capaz de dublar o desenho inteiro.
Uma das cenas que achava mais emocionante era aquela em que o Dumbo vai visitar a mãe dele, que está presa, e ela canta uma canção para ele. Eu fui procurar essa cena no youtube (sim, eu fui procurar uma cena de Dumbo no youtube) e fiquei chocada quando descobri que haviam mudado a dublagem, e que a letra da música estava completamente diferente. Revoltada, fui procurar pela primeira dublagem, e quando a encontrei, descobri que... Aquela não era a dublagem que eu conhecia! Na verdade, a dublagem que eu conhecia era a segunda versão, e foi feita uma terceira, bem depois. O motivo de um desenho ter sido redublado três vezes, eu realmente não consigo imaginar.
Essa cena do Dumbo com a mãe dele me tocava porque eu me colocava no lugar dele. Já pensou se fosse a minha mamãe que estivesse presa????, era o que eu pensava. E para completar a minha ligação emocional com a música, minha mãe a cantava para mim quando eu ia dormir. Pronto. Estava criada uma ligação emocional que faz com que, até hoje, meus olhos se encham de lágrimas quando a escuto.
Depois de Dumbo, vinha A Pequena Sereia. Ah, o primeiro filme legendado a gente nunca esquece. Eu não sabia ler, pelo menos não na velocidade necessária para acompanhar as legendas, mas via o desenho mesmo assim - e adorava. Ficava cantarolando as músicas, inventando uma letra em uma língua inexistente. Até hoje, odeio a versão dublada desse desenho.
A Pequena Sereia era, na época, meu segundo desenho preferido - o primeiro era Dumbo. Eu amava a cena em que ela cantava em uma caverna no fundo do mar, cheia de coisas do mundo de cima. Anos depois, fui procurar essa cena e... Odiei! A dublagem americana não mudou, o que mudou foi eu mesmo. Achei tudo no desenho horrível: os traços são feios, a Ariel parece um garoto, a letra da música é idiota. Podem me chamar de insensível, mas ao contrário de Dumbo, que eu amo até hoje, A Pequena Sereia é um desenho medíocre.
Curiosidade: há alguns anos atrás, lendo um livro de contos de fada originais (as versões medievais, não as "enfeitadas"), encontrei o conto original da Pequena Sereia. Fiquei chocada quando vi que era completamente diferente da história da Disney! Eu não culpo a Disney por não querer uma história melancólica e triste (criança nenhuma iria gostar daquilo), mas saibam que o desenho é apenas vagamente baseado na história original. No conto, aquela bruxa do mar não é má, o príncipe não se apaixona pela sereia, ela nunca recupera a voz, ele se casa com outra e ela morre no final.

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Do filme, não lembro quase nada. Só sei que tinha uma mansão no meio de uma floresta, acho que uma criança sumia, e tinha uma música assustadora.
Eu tinha muito medo de assistir sozinha.
Mas adorava.

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Eu sei que em alguma fita eu tinha o filme ET gravado, mas não sei se é a mesma fita.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Cachorros X Gatos

Em um dia qualquer, eu e várias pessoas estávamos conversando sobre nada, quando alguém disse que não gostava de gatos. Isso, na hora, me ofendeu um pouco: afinal, eu sou um gato, ou é assim que eu imagino meu daemon. Desde que comecei a pensar em que tipo de animal eu seria, eu sou um gato.
Quando eu era adolescente, eu tinha a adolescentesca mania de criar e-mails com nomes ridículos, e todos tinham "gatinha" ou "cat" (essa é a hora em que eu abaixo a cabeça e saio da sala, constrangida). E todo mundo achava, de forma totalmente compreensível, que eu estava fazendo algum tipo de alusão à minha beleza física (se bem que, no meu caso, seria uma referência muito irônica, eu não era uma adolescente muito bonita). Só que o motivo passava a quilômetros disso: o motivo de eu usar palavras similares a "gato" em e-mails ou coisas referentes a mim é que eu era, em personalidade, como um gato. Até miava de vez em quando.
Gatos são animais ariscos e eu sou bastante arisca, a não ser quando tenho interesses ocultos em permitir a aproximação de alguém. Gatos não gostam de ser tocados, e eu também não. Gatos conseguem passar despercebidos, e eu também. Gatos chamam a atenção quando querem, e eu também. Gatos são maliciosos e vingativos, e eu também. Gatos preferem ser solitários, e eu também. Gatos são independentes, e eu também. Gatos são interesseiros, e confesso que em certo aspecto, eu também.
Poderia fazer uma lista gigantesca de semelhanças entre minha personalidade e a dos gatos, mas acho que já deu pra entender.
Uma coisa que acho muito engraçada é que a maioria das pessoas que não gosta de gatos ama cachorros. Acho que isso diz muito sobre a personalidade da pessoa. Na mesma conversa, nós chegamos a algumas conclusões sobre a personalidade dos cachorros (aviso logo que eu também os adoro, já tive um cachorro e o amava muito): eles são, geralmente, burros. Só isso. São amigos, carinhosos e se ligam afetivamente aos donos; mas são burros. Gatos são interesseiros, e não mantém uma ligação afetiva muito profunda; mas são espertos e têm maldade. Cachorros são tão inocentes que se você começar a maltratar seu cachorro, ele vai continuar do seu lado, sofrendo. Agora, experimente dar um único pontapé em um gato: ele nunca mais vai aparecer na sua frente.
Eu sou uma pessoa que não tem muita paciência com seres frágeis e inocentes no geral. Falando por mim mesma, eu tenho uma aparência externa bastante frágil, mas se você me encurralar em um canto, sou capaz de te fazer em pedaços. Criaturas que dependem de outras para sobreviver, na minha visão egocêntrica, são um distúrbio da natureza. Eu não deixaria de ajudar um cachorro que está sofrendo nas mãos de um dono cruel, mas o tempo todo pensaria "seu burro, dá uma mordida na mão dele!".
Tem um filme, que nem vou procurar saber o nome porque todo mundo deve saber de qual se trata, no qual o dono de um cachorro morre e o cachorro passa o resto da vida esperando por ele na rua (esse filme é baseado em fatos reais). Eu simplesmente não consigo entender porquê todo mundo chora vendo esse filme. Em primeiro lugar, eu não choro vendo filmes, mas tudo bem, consigo entender quem chora vendo algo muito emocionante. Mas chorar porque o cachorro fica o resto da vida esperando o cara voltar? Meu único pensamento vendo esse filme era "cachorro burro! O cara não vai voltar, você não percebe? Se manda!". Eu não acho que falta de senso prático seja uma coisa emocionante. Não deixaria o cachorro morrer de fome, mas não derramaria lágrimas por ele.
Tente fazer isso com um gato. Tente deixa um gato sozinho por mais de uma semana (já vi isso acontecer mais de uma vez). Quando você voltar, não vai ter nem uma cartinha de despedida. Se você quiser o gato de volta, vai ter que colocar uma tigelinha de comida e torcer para ele por acaso estar passando por ali e ver. E é capaz de ele voltar e nem lembrar quem é você.
Nós somos seres práticos, eu e os gatos. Estamos ao lado de alguém enquanto temos conforto, comida e carinho; mas não firmamos contrato algum de fidelidade. Nada nos impede de ir dormir no sofá do vizinho quando quisermos. E a hora que você deixar de nos alimentar, a gente some e nunca mais volta.

terça-feira, 11 de junho de 2013

[Resenha #007] Herança (Ciclo da Herança - Livro 4) - Christopher Paolini

Resenha também publicada no Skoob. Você pode ler mais sobre o livro clicando aqui.

UM FINAL MERECIDO

Como o segundo e o terceiro livro, Herança começa a mil por hora, em meio a uma violenta batalha na qual levamos um enorme susto. Apesar disso, nas páginas seguintes a ação vai embora e encontramos de novo o clima parado, as cenas repetitivas e o excesso de descrições que já tínhamos visto em Brisingr.
Um "nada" quase total se estende por quase cento e cinquenta páginas. Eu estava me perguntando se aguentaria uma leitura tão maçante por quase oitocentas páginas, quando de repente, temos a sequência da tomada de Aroughs.
Confesso que eu não esperava nada dessa cena. Estava esperando mais uma luta "vai-não-vai" na qual previsivelmente os Varden venceriam no final, como vinham sendo as cenas de batalhas até então. Mas não. A cena da tomada de Aroughs é uma das melhores batalhas de toda a série. Roran foi mais do que genial, e coisas totalmente inesperadas acontecem. Foi quase chocante a mudança no ritmo do livro.
A partir daí, temos um outro livro. Esqueça o tédio de Brisingr: Herança é ágil, surpreendente, inteligente, enfim, fazendo uso de um clichê muito adequado, é de tirar o fôlego.
Praticamente não há pausas a partir da batalha de Aroughs. A todo momento, temos a tomada de uma cidade (tais batalhas se tornam cada vez mais dramáticas), ou nos deparamos com uma decisão difícil, ou com uma revelação inesperada e surpreendente. Algumas cenas, aliás, surpreendem tanto que me obrigaram a parar a leitura por alguns segundos para poder pensar no que tinha acontecido.
Alguns personagens são revelados sob novos aspectos. A bruxa Angela, personagem profundamente intrigante, é revelada muito mais do que nos livros anteriores - apenas para ser coberta de novo, o que me decepcionou muito. Roran amadurece ainda mais (me pergunto se existe um limite para o que ele é capaz de fazer) e ganha novos traços em sua personalidade. Eragon se modifica mais profundamente do que nos outros livros, embora de todos seja o personagem mais constante; mas ele finalmente cresce. Nasuada, que em certo ponto estava me parecendo bastante irritante e antipática, mostrou uma força ainda maior do que já havia demonstrado; e temos Murtagh.
Murtagh... Esse personagem merecia uma resenha inteira só para ele. Sua atuação nesse livro é tocante, emocionante, e de extrema importância. Um personagem muito complexo, cheio de contradições, de paixões e ódios - por vezes paixão e ódio pela mesma pessoa - e de conflitos psicológicos. Nesse livro ele é mostrado de uma forma que não foi em nenhum dos outros livros. De importância fundamental para o desfecho da história, esse personagem desperta emoções bastante contraditórias no leitor.
Qualquer coisa a mais que eu diga sobre a história ou sobre os personagens será spoiler. Mas aviso ao leitor que ele se decepcionará profundamente com vários aspectos do livro - e isso só o fará gostar ainda mais da história. Não é um livro previsível, muito menos um livro para agradar aos leitores. É um fim digno para a história, um fim merecido e plausível, na maioria dos aspectos nada forçado. As coisas que devem acontecer acontecem; as coisas que não têm como acontecer não acontecerão. Esse livro retomou o brilho de Eragon e Eldest, e deu um fechamento muito merecido ao Ciclo da Herança. Recomendo a leitura, mas apenas para os leitores fortes. O tom agridoce do final poderá ser demais para leitores mais sensíveis.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sonhos Lúcidos

Dia desses eu cheguei da faculdade na hora do almoço, e estava cansada. Depois do almoço resolvi aproveitar que não tinha aula e dormir um pouco. Cochilei, e fui acordada por meus pais dizendo que estavam saindo. Me despedi, eles foram embora e eu continuei deitada, voltando a dormir.
Só que eu não dormi. Ou melhor, não completamente. Eu fiquei deitada por cerca de quinze ou vinte minutos, de olhos fechados, mas por algum motivo acordei parcialmente - provavelmente porque estava com calor - e aí começou uma das experiências mais estranhas que já tive.
Eu estava inegavelmente acordada, embora continuasse de olhos fechados e sem me mexer, e escutei a porta da sala ser destrancada e aberta. Confusa, pensei que fosse meu pai, mas por algum motivo esse pensamento logo mudou para a certeza absoluta de que era um ladrão. Escutei alguém andar pelo corredor e falar baixinho com outra pessoa. Escutei alguém mexer na cadeira. Tensa com a possibilidade de ter um estranho na casa, comecei a fazer planos: pensei em fingir que dormia, e quando a pessoa chegasse no quarto eu pegaria o rádio que estava ao lado da cama e jogaria em cima dela, assim como tudo o mais que estivesse a mão. Não era muito inteligente mas era um plano.
Ouvi a pessoa se aproximar pelo corredor, mas depois de um tempo não ouvi mais. Abri os olhos e não vi ninguém. Fechei os olhos de novo e passei a ouvir as vozes e os passos no outro quarto. Resolvi que ficar deitada me fingindo de morta não era uma opção, e tentei levantar. Só que eu descobri que era impossível levantar.
Eu estava completamente paralisada. Não conseguia mover um único músculo. Estava deitada de lado, e não conseguia me virar, mover o braço, nem mesmo mover a cabeça. Aquilo começou a me dar uma sensação de sufocamento e uma pressão no peito, eu comecei a entrar em desespero, achei que se as pessoas na casa percebessem como eu estava elas iriam me matar. Seria frustrante morrer paralisada. Então, ao pensar em por que eu não podia me mover, a primeira coisa que me veio na cabeça, é claro, foram os aliens (finalmente eles vieram!). Mas um segundo depois outro pensamento me veio. Eu não estava conseguindo me mover porque eu não estava acordada. Eu estava dormindo.
A consciência daquilo era bizarra demais. Eu estava acordada, mas uma parte de mim, uma parte que comandava noventa por cento de mim, estava dormindo. Provavelmente as vozes e os passos eram fruto de um sonho. Eu estava paralisada e presa dentro de um sonho lúcido, uma coisa que eu já tinha tentado fazer de propósito mas nunca tinha conseguido.
Saber disso não fazia a situação ser menos pior, porque também não tinha controle sobre minhas emoções. Tentei me mover de todas as formas, mas quando tentava caía em um torpor, como se eu estivesse prestes a dormir de vez. Continuei lutando, até que finalmente consegui romper o que quer que fosse que me segurava, e me sentei de uma vez na cama. Fiquei completamente zonza e caí de novo, mas agora eu estava acordada de verdade, e tudo sumiu: as vozes, os passos, a paralisia, até a sensação de medo.
Tinha sido um sonho lúcido, ou talvez uma paralisia do sono. Eu estava acordada, mas fora tudo um sonho.

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Depois que acordei a sensação de terror foi pro espaço, e comecei a pensar sobre sonhos lúcidos e paralisia do sono. O que eu tive parece ser um estágio intermediário entre as duas coisas. Acho que seria interessante tentar provocar um sonho lúcido em um ambiente controlado. O problema é que ao invés de um sonho, você pode muito bem ter um pesadelo. E dependendo da profundidade do sonho (o meu era muito profundo), você perde o controle sobre ele e não consegue guia-lo, o que pode ser bem desagradável.

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Para quem quiser saber mais (porque Vitoria também é cultura!):

terça-feira, 4 de junho de 2013

Ateus que Viram Cristãos

Por estranho que possa parecer, eles existem. Alguns - e talvez eu devesse dizer "muitos" - ateus acabam virando cristãos, muitas vezes cristãos fanáticos, ou enveredando por alguma outra religião que possui conceitos sobrenaturais e monoteístas como base de suas crenças.
Estranho? Talvez. Incoerente? Sim. Incompreensível? Na maioria da vezes, não.
Vamos pensar um pouco no que é ser ateu: não acreditar em nenhum tipo de deus ou deuses (embora não necessariamente "não acreditar em absolutamente nada sobrenatural"). Da mesma forma que existem diferentes níveis de fé, existem diferentes níveis de ateísmo. Richard Dawkins, no excelente (e obrigatório para um bom ateu) Deus um Delírio, define sete marcos para esses níveis de fé, indo do teísta convicto, passando pelo agnóstico até o ateu convicto. O ateísmo, assim como a fé, é muito mais complexo do que "eu não acredito em deus". Quando uma pessoa se diz ateia, temos que entender que uma enorme quantidade de informação oculta existe por trás dessa afirmação. Como, crescendo em uma sociedade assumidamente cristã e preconceituosa com ateus, essa pessoa acabou se tornando ateia? Terá essa pessoa perdido sua fé, ou simplesmente nunca teve fé alguma? Essa pessoa será um intelectual questionador do mundo, ou simplesmente "deixa pra lá" a questão da existência de deus?
Embora, por motivos óbvios, ateus sejam visto genericamente como pessoas pensantes, "metidos a cientistas", ou até pessoas evoluídas culturalmente, acabamos descobrindo, depois de um tempo convivendo com esse grupo, que a variedade de pessoas que o compõe e imensa. E entre elas estão dois grupo bastante instáveis: os ateus radicais e os ateus revoltados.
Esses dois grupos têm inúmeras intercessões, mas vou tratá-los como grupos separados. Primeiro, o grupo dos ateus radicais. Sempre suspeite de uma pessoa que se diz "cem por cento ateu". Ser ateu pressupõe justamente uma posição mais aberta do que o convencional, uma maior liberdade de pensamento, e ao se rotular como ateu convicto a pessoa está justamente matando essa liberdade. É como se ela dissesse "Eu me recuso a acreditar em deus".
Um exemplo sobre o quanto essa posição é incoerente: eu não acredito em fadas. Ao dizer isso, não há nenhuma ênfase, nenhuma forma exagerada de negação: eu simplesmente sei que fadas são produto da imaginação popular e muito provavelmente não existem. Mas eu não sou um "a-fadas convicto", pois, sabendo que fadas de fato não existem, uma postura inflexível de negação das fadas seria exagerada, para não dizer ridícula. Não acredito em fadas, mas caso uma apareça na minha frente, eu obviamente ficarei intrigada e começarei a pesquisar o assunto. Não terei minhas crenças na não existência das fadas abaladas, pois tal crença não existe; eu apenas sei, por experiência e inteligência lógica, que fadas não existem.
Logo, um "ateu convicto" é tão incoerente e inflexível quanto um "crente convicto". E uma pessoa que tem uma posição inflexível em algum aspecto da vida provavelmente o terá em vários outros, e no momento em que sua falta de fé encontrar qualquer aspecto que ela não compreenda, ela se voltará com o mesmo radicalismo para o lado oposto. Essa pessoa pode se tornar um evangélico fanático, por exemplo. Não é estranho um ateu convicto se tornar um crente fanático; seria muito mais estranho, por exemplo, um ateu moderado se tornar cristão. Pois tendo uma mente realmente mais aberta e flexível, dificilmente a pessoa "veria seu mundo cair" ao se deparar com algo que não pode compreender, ou com uma situação que não pode suportar.
Um ateu convicto pode facilmente se converter em uma situação de doença grave ou de perda de um ente querido, ou qualquer outra situação de sofrimento extremo, se durante essa situação tiver algum "sentimento sobrenatural" que não consiga explicar - sentimentos esses que são totalmente naturais e comuns a qualquer pessoa, como a sensação de que o mundo é maravilhoso, um pressentimento ruim, ou mesmo a impressão de que tem alguém te observando em um cômodo vazio.
Agora vamos falar do segundo tipo de ateu que eu citei: os ateus revoltados. Confesso que esse grupo me incomoda, e algumas vezes até me irrita. São pessoas que se tornaram ateus por causa de algum tipo de decepção religiosa, e/ou que usam os defeitos do mundo como motivo de seu ateísmo. Geralmente são pré-adolescentes, adolescentes ou adultos jovens, mas encontramos nele algumas pessoas mais velhas também (embora eu não conheça nenhum idoso nesse grupo).
O problema com esse grupo é que seus argumentos são profundamente frágeis, tão frágeis quanto a fé que criticam, e se quebrarão ao primeiro teste severo a que forem submetidos. O argumento "Se Deus existisse não haveria fome no mundo", ou mesmo um mais pessoal como "Se Deus existisse minha mulher não teria morrido", é absurdo e inválido. Se esse é o único motivo para alguém ser ateu, então facilmente essa pessoa se tornará (ou voltará a ser) cristã. Porque a existência de deus não prevê em nenhum momento que não haverá infelicidade no mundo, e a própria Bíblia diz isso. Você pode usar esse argumento para apontar falhas em uma crença em particular, mas não como negação de qualquer manifestação de deus.
Ateus revoltados raramente persistem por muito tempo - é uma das poucas vezes em que a frase "isso é só uma fase" é verdadeira, embora a frase não deixe de ser ofensiva por isso. Duram alguns anos, no máximo. Depois que essa fase acaba, eles podem seguir dois caminhos: se aprofundarem no significado do ateísmo e acabarem por se tornar ateus estáveis, com argumentos sólidos baseados em muito mais do que uma revolta ou decepção; ou se tornarem/voltarem a ser cristãos, ao perceberem que seus argumentos são fracos e não provam coisa alguma.
Esses dois grupos que citei são os mais suscetíveis a deixarem de ser ateus, e onde isso mais acontece - pelo menos é o que tenho observado, em minha vasta convivência com ateus e cristãos de vários tipos. Mas é claro que existem muitas variáveis no caminho, e muitas outras coisas podem acontecer para fazer uma pessoa aparentemente esclarecida resolver que na verdade a religião estava certa.
Eu sou ateia, todo mundo sabe. Mas eu não sou um ateu convicto e nem mesmo um ateu completo. Isso porque eu me sinto muito tentada a acreditar na hipótese da reencarnação. Não por causa das maravilhas da vida eterna (nem sei se a ideia é tão maravilhosa assim) ou por qualquer motivo religioso, mas porque já ouvi falar de casos bastante intrigantes envolvendo possíveis reencarnações (qualquer dia faço uma compilação desses casos e posto aqui). O ponto de dúvida fica pelo "ouvi falar": eu não tenho nenhum experiência pessoal e nunca conheci ninguém que teve. Mas o mundo é vasto e estou aberta à possibilidade. O problema é que muitos ateus ficariam horrorizados por uma pessoa que se diz ateia levantar a possibilidade da existência de uma alma. Um ateu menos convicto poderia se ofender com a "intolerância da comunidade ateísta" e acabar se tornando, digamos, espírita. Não é o meu caso, mas poderia acontecer.
O mais importante nessa discussão é que as pessoas entendam que qualquer postura radical é digna de questionamentos, e que uma pessoa que adote uma postura radical é muito mais instável do que uma pessoa moderada. Radicalismos são suscetíveis a um grande número de questionamentos, e ao primeiro sinal de problemas em sua crença (ou sua falta de crença), toda a estrutura dessa pessoa vai cair por terra e ela tenderá a virar o oposto do que era.