sexta-feira, 12 de novembro de 2010

No ônibus - cenas

Estou em pé no ônibus. Dois caras no banco ao meu lado conversam.
-- Eu tenho que parar de pegar travesti, cara.
-- Eu já te falei pra parar. Isso não leva ninguém a nada.
-- Mas po, eu tinha parado aquela vez, mas as mulherzinhas mó difícil... E tem travesti que é igualzinho mulher, cara.
-- Mas não é mulher, véi. Sai dessa, não leva ninguém a nada.
-- To ligado. Mas eu vou parar sim. Eu vou casar, aí paro.
-- Vai casar com a (nome de mulher) mesmo?
-- Vou. Ela é meio puta, mas pelo menos é mulher, né? Aí eu paro de pegar traveco.

* * * * *

Estou no ônibus, sentada, no lado do corredor. No banco do outro lado, também do lado do corredor, tem um rapaz sentado. O banco ao lado dele, do lado da janela, está vazio. Um outro rapaz, que está em pé, pergunta se pode sentar.
-- Desculpa - diz o rapaz - eu to guardando lugar pra minha namorada. Ela vai subir logo ali na frente.
-- Ah, falou. Tranquilo.
Só que a essa altura, eu, que não tinha nada para fazer e fiquei observando as pessoas, já tinha percebido que aquele rapaz não era um rapaz. Era uma mulher. Era igualzinho a um homem, mas tinha seios. O homem que estava em pé e tinha pedido para sentar não tinha percebido ainda. Depois de alguns minutos, ele foi falar alguma coisa com o rapaz-garota e percebeu.
-- Ué - ele disse, em alto e bom som - tu é mulher?
Todo mundo já tinha percebido, menos ele. O cobrador abaixou a cabeça e começou a rir.
-- É, né. - disse o rapaz-garota, um pouco sem jeito.
-- Ué... Cara... - ele estava confuso.
-- Fazer o que. - o rapaz-garota deu de ombros, como se dissesse "eu não te culpo, meu filho, mas eu também não tenho culpa".
Dois ou três pontos depois, subiu a namorada do rapaz-garota. Era uma mulher mesmo, normal. Fiquei me perguntando se ela sabia que seu namorado não era um homem de verdade. Ela se sentou ao lado dele, os dois se beijaram, e seguiram viagem abraçados.
* * * * *

O ônibus estava tão cheio que eu não consegui passar da roleta. Fiquei, então, na frente mesmo, perto do motorista. E o motorista estava conversando animadamente com outro passageiro.
-- Tem que correr mesmo. - ele dizia - Um ônibus bom desses, vê se vou ficar andando a 60. Eu meto o pé mesmo. Já fiz mais de 100.
-- Mas aquele treco não fica apitando? - disse o passageiro, se referindo ao alarme que soa sempre que o motorista passa de 60 quilômetros por hora.
-- Ah, eu nem ligo mais. Vôo mesmo. Uma vez fiz do Terminal de Jacaraipe ao Terminal de Itacibá em cinquenta minutos.
Eu nunca fui até Itacibá, mas sei que, de ônibus, leva umas duas horas, mais ou menos.
-- Po, mas não pe perigoso correr assim?
-- Nada. Quando o carro é bom a gente corre mesmo. Passa por cima de tudo. Polícia não pára mesmo.
--- Mas e se tu bater?
-- Você acha que num carro desse tamanho alguém se machuca se bater? Não acontece nada não. Quem se ferra é os do outro carro, mas ninguém mandou não sair da frente, po. Eu saio buzinando, se não sair da frente eu passo por cima.
E riu.

* * * * *

O ônibus estava quase vazio. Eu estava sentada, e atrás de mim, estavam sentados um rapaz e um homem sem idade.
(Observação: sem idade são aquelas pessoas que podem ter entre vinte e setenta anos, e que você sempre se surpreende quando dizem a idade)
-- Eu sou de Goiania, sabe? - disse o homem.
-- Ah é? - o rapaz não parecia muito interessado.
-- Sou de Goiânia. Goiânia é linda, sabia?
-- É mesmo?
-- É sim. Você conhece a música de Goiânia?
-- Conheço não.
Eu conhecia, mas fiquei quieta.
-- Tem uma música de Goiânia. Você não conhece?
-- Conheço não.
-- Mas a música é linda. Linda mesmo.
-- É mesmo?
Pausa. O homem falou de novo.
-- Pra aonde você tá indo.
-- Pra lá pra baixo.
-- Lá pra baixo onde?
-- Depois de Carapina.
-- É longe, né?
-- É mesmo.
-- Muito longe, né?
-- É.
-- Mentira, não é longe não. - ele começou a rir - Longe é pra aonde eu vou. Você sabe pra aonde eu vou?
-- Sei não.
-- Eu vou pra Argentina. To indo pra lá agora. Lá pra Argentina.
-- É mesmo?
-- É sim. E sabe o que eu to indo fazer lá?
-- Sei não.
-- Eu to indo consertar um fogão. To indo consertar um fogão na Argentina.
-- É mesmo?
-- É sim. Agora você vê... Você vê, eu to indo lá na Argentina... Pra consertar um fogão.
-- Que coisa, né?
-- Pois é. To indo na Argentina pra consertar um fogão. E lá é longe, longe...
-- É mesmo?
-- É... Mas você não conhece a música de Goiânia?

* * * * *

Eu tinha acabado de subir no ônibus. Comigo, subiram umas seis ou sete pessoas, todas conversando muito alto e rindo. Eu sentei, eles ficaram em pé, próximos à porta.
-- Coloca aí, Vladiney (acho que é assim que se escreve). Coloca aquele funk lá dos moleques lá.
Um dos homens tira um celular do bolso, e coloca um funk para tocar, no volume máximo. As mulheres riem.
-- Esse é do bom! - uma delas diz.
-- Dança aí, dança aí! - fala um dos rapazes - Vamos dançar!
As mulheres começam a dançar funk, se esfregando na barra de ferro em frente à porta. Os homens riem e dançam junto. Um deles começa a cantar, e logo o grupo todo está cantando e dançando. O resto do ônibus assiste em silêncio, e a viagem prossegue.