segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Balões, torres e estrelas

Mais um pra minha (longa) lista de sonhos que merecem ser contados. Tive esse sonho no último sábado, enquanto dormia depois do almoço. Eu não preciso dormir profundamente pra sonhar, é incrível.
Não me lembro exatamente como o sonho começava. Eu estava no lugar em que morava quando tinha cinco anos, no quintal da casa da minha tia. Estávamos eu e minha irmã. E ela começava a contar sobre suas aventuras com um dos amigos dela, com quem, na vida real, ela costuma fazer coisas normais como ir na praia escondido para ficar simulando que são piratas e vão dominar o mundo.
Só que, no sonho, além de ir na praia, ela me contava que eles haviam conseguido um balão (não balão de aniversário, mas aqueles que levam pessoas em uma cestinha e são todo coloridos) e que tinham viajado nele:
"Foi muito legal, Vit! O Caio chegou com o balão e a gente ficou voando nele, e voamos pra lá, pra cima dos eucaliptos, e deu pra ver tudo, as árvores, o mar, tudo! Parecia que a gente ia cair no mar, mas o vento levou a gente pras árvores!"
Enquanto ela falava, eu ia vendo as cenas, dela e do Caio voando no balão, como se eu estivesse lá. E então eu estava mesmo lá, no balão com eles, e de repente começava a ventar muito forte, e o Caio tinha dificuldades para controlar o balão. Eu ficava com medo de que ele fosse para o mar, mas o Caio se pendurava do lado de fora e fazia o balão dar uma guinada e nós íamos para cima das árvores. Eu ficava pensando em como é que a gente ia fazer para pousar, e uma voz misteriosa disse que era só apagar o fogo que mantinha o ar do balão. Só que quando eu olhei, não tinha fogo nenhum, então eu não teria como fazer o balão descer porque ele voava sozinho, por mágica.
De repente, eu não estava mais no balão, eu voltara para o quintal daquela casa, e continuava conversando com a minha irmã como se nada tivesse acontecido.
"Mas Le, você não ficou com medo de voar no balão sozinha com o Caio? Vai que aquele troço cai!"
"Cai nada, Vit, o Caio sabia o que tava fazendo. Ele já andou de balão milhares de vezes, já foi até na Bahia de balão!"
"Mesmo assim, Le! Olha eu, por exemplo. O Brenno já me chamou pra andar de balão com ele várias vezes, com o pai dele e tudo, e eu nunca fui! E olha que ele sabe dirigir balões melhor do que o Caio"
"Ah, você é muito medrosa. Eu andei de balão com o Caio e não aconteceu nada, viu? Você também devia ter andado com o Brenno".
Então, eu já não estava no quintal da casa. Eu, minha irmã e várias outras pessoas (que eu não sei dizer quem eram) estávamos todos voando em um balão enorme, todo colorido. Estava ventando muito, e como eu tenho medo de altura, tinha que ficar agachada na cestinha do balão para não entrar em pânico. Mesmo assim, com o vento, o balão ficava virando, e uma hora todos ficamos pendurados do lado de fora, prestes a cair, e eu estava em pânico. Por sorte, o balão estava sobrevoando uma torre enorme, e nós conseguimos pular para lá.
Agora, já não tinha mais balão nem nada assim. Estávamos todos na torre, e alguém me explicou que aquela era uma torre-telescópio, ou seja, uma torre que era tão alta, mas tão alta, que não era preciso um telescópio para enxergar as estrelas, mesmo as mais distantes. Mas quando eu olhava para cima, as estrelas estavam completamente fora de foco, porque eu estava sem meus óculos. E eu percebia que a torre era pequena demais para caber tanta gente, e começava a ficar com medo de que ela acabasse desmoronando. Ela devia ter uns dois metros de diâmetro, e havia umas vinte pessoas naquele espaço. Parecia com a torre da Rapunzel que eu vi num livro há algum tempo.
Então, eu me encolhia em um canto (embora não houvessem cantos, já que era uma torre redonda) e ficava esperando aquelas pessoas irem embora. Mas um cara enorme, muito magro e muito alto, que no sonho era alguém que eu conhecia muito bem, me segurava e ficava me puxando, querendo que eu levantasse, e dizendo:
"Olha as estrelas, olha!"
E eu, "não, não!"
"Olha! Você não tá vendo as estrelas? Olha como elas brilham, dá pra ver direitinho!"
"Não, não, eu to sem meus óculos! Eu vou cair, eu vou cair!"
"Você não tá vendo aquela estrela lá? Olha aquela estrela!" - eu olhava para a estrela que ele apontava, mas não conseguia enxergar ela direito - "Eu escrevi uma coisa nela pra você! Você tá vendo?"
"Não, eu já falei que to sem meus óculos! Eu mal vejo a estrela, como vou ver o que tá escrito nela?"
"Mas eu escrevi, todo mundo tá vendo! Eu escrevi 'galo' pra você! GALO! Eu escrevi 'galo' naquela estrela só pra você!"
E realmente havia uma mancha na estrela que podia ser uma palavra escrita, mas eu não conseguia ler.
"Eu não consigo ver!"
"Galo! Podia ter sido pinto, mas eu escrevi galo! Olha o galo na estrela! GALO!"
E enquanto falava, ele ia me empurrando contra a mureta da torre, só que havia uma abertura nela com uma escada de corda para as pessoas poderem descer, e eu fiquei com medo de cair dali. E ele me empurrava, e eu pensava em descer pela escada, mas estávamos a centenas de quilômetros de altura, e eu fiquei com medo porque, como já disse, tenho medo de altura. E o cara ficava gritando "Olha a estrela! Eu escrevi galo na estrela pra você!", e eu ficava olhando pra cima, para a estrela fora de foco, tentando ver alguma coisa porque, se eu visse, não iria cair e talvez o balão aparecesse para me ajudar.
E então eu acordei.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O delicado equilíbrio das coisas

Se a Vitoria de hoje se encontrasse com a Vitoria de dezessete anos atrás, o que ela diria?

Essa pergunta estranha veio à minha cabeça ontem, no ônibus, quando voltava da universidade. Há dezessete anos atrás, eu tinha cinco anos. O que o "eu" de vinte e dois anos diria para o "eu" de cinco anos?
Minha primeira resposta foi: provavelmente, eu me daria um chute. Isso porque hoje eu não tenho muita paciência com crianças pequenas, muito menos com crianças que são como eu era. Mas depois fiquei pensando nisso. O que eu diria? Poderia dar algum aviso sobre o futuro. Algum conselho. "Vit, senta aqui no meu colinho. Olha, vou te dar um conselho: você nunca deve..."
Nunca deve o que? Do que eu me arrependo a ponto de desejar jamais ter feito? Ou o que aconteceu de tão ruim a ponto de eu gastar o meu tempo tentando convencer o meu "eu" do passado a tentar impedir? Ou o que eu deixei de fazer, mas faria se pudesse voltar atrás?
E foi nessa hora que eu percebi que essa pergunta era muito maior do que parecia. Não se tratava do que dizer ou não. Era muito mais do que um pedido de conselho. A verdadeira questão era: se você pudesse mudar o passado, o que você mudaria?
Eu já tinha pensado nisso algumas vezes, mas nunca com a seriedade com que pensei ontem. É incrível o que uma hora e meia dentro de um ônibus pode fazer com a nossa mente.
O que eu mudaria? Acontecem coisas ruins com todas as pessoas. Aconteceram coisas ruins na minha vida. Mas o ponto mais delicado era que, mudando algo ruim, algo bom poderia deixar de acontecer. As coisas que haviam acontecido de ruins eram tão ruins a ponto de eu abrir mão das boas?
E se, consertando a pior de todas as coisas, eu hoje não fosse quem eu sou? Se fosse só mais uma patricinha idiota, sem grandes planos e com nada na cabeça além de um cabelo alisado e pintado de loiro? E se nunca tivesse escrito minha primeira história, se jamais tivesse desejado ser escritora? Se não tivesse entrado na UFES? Se fazer Ciência da Computação jamais tivesse passado pela minha cabeça?
E aí eu percebi o quanto é delicado o equilíbrio entre tudo o que somos hoje e tudo o que nos aconteceu. Uma única mudança poderia destruir tudo. A vida de uma pessoa vale muito mais do que qualquer lágrima que ela tenha derramado. Todas as coisas boas precisam de coisas ruins para acontecerem.
Recentemente, aconteceram coisas muito boas na minha vida. Uma em especial foi tão boa, mas tão boa, que me fez ficar rindo sozinha no ônibus, como se fosse completamente louca, durante todo o caminho de volta da universidade. E naquela noite eu inventei uma frase fantástica para mim: uma coisa só acontece para mim se for muito boa; uma coisa só é boa se ela acontecer para mim. Eu voltei para casa olhando para o céu naquela noite, e juro que era o céu mais lindo que eu já tinha visto. De lá para cá, o céu de cada dia é sempre mais bonito do que o do dia anterior, e não existem dias ruins. E eu pensei em tudo o que me trouxe até aqui, todas as coisas boas e as coisas ruins. E ontem eu descobri que não existem coisas ruins.
É simples assim. Não existem coisas ruins. Não existe absolutamente nada de ruim na minha vida, seja agora, seja no passado mais distante. Existem coisas que aconteceram contra a minha vontade, coisas que eu quis consertar, coisas que me fizeram ficar triste; mas coisas ruins, nunca. As coisas são como elas precisam ser, e como você deseja que elas sejam. E não só para mim, mas para todo mundo. As pessoas seriam mais felizes se elas conseguissem ver isso. Se passassem uma hora e meia dentro de um ônibus, depois de um dia inteiro na universidade, e pensassem no que o "eu" delas de agora diria para o "eu" do passado.
Mas Vitoria, e aquelas vezes em que você passou dois dias sem comer porque não tinha dinheiro nem para comprar um miojo? Aquilo não foi uma coisa ruim? Claro que não. Primeiro, porque tem gente que passa muito mais do que dois dias sem comer. E segundo, aquela época me ensinou tanta coisa, mas tanta coisa, que acho que metade do que sou hoje eu me tornei graças a tudo aquilo. Mas Vitoria, e as pessoas que morreram? Não foi algo ruim? Não. As pessoas que me importavam, e por quem eu sofri, teriam que morrer antes de mim, e se não fosse naquela época, seria agora. E a dor que eu senti me fez crescer de um jeito que nada mais poderia fazer. Foi uma morte que me tirou da infância de vez e me jogou na adolescência, aos catorze anos. Eu não gostaria que ninguém morresse, mas como eu disse, as coisas são o que elas tem que ser. Isso não significa que elas sejam ruins; elas nos ensinam tanto, que a dor vale a pena.
Afinal, cheguei à conclusão de que, se me encontrasse comigo mesma aos cinco anos, eu não daria nenhum conselho nem nenhum aviso. No máximo, eu diria "você é a garotinha mais linda do mundo" e ficaria me vendo brincar, em uma época em que nada era mais importante na minha vida do que o presente imediato.

Porque todos os meus dias são iluminados, e na noite brilham todas as estrelas.