terça-feira, 29 de junho de 2010

Ilaquear

Eu queria escrever um conto e estava sem inspiração. Então tive a genial idéia de abrir o dicionário, apontar randomicamente para uma palavra, e tentar escrever o conto com base nela. Nossa, Vitoria, você consegue escrever um conto inteiro com base em uma palavrinha? Claro. Nossa, Vitória, você é um gênio! Eu sei.
Idéia tida, abri aleatoriamente o dicionário, fechei os olhos e apontei para uma palavra. Contei até três e olhei. A palavra era ilaquear.
Ilaquear. Quero que seu computador exploda agora se você já tinha usado essa palavra. De acordo com o meu dicionário (um minidicionário Rideel da Língua Portuguesa, autor Ubiratan Rosa), ilaquear significa enlaçar, enredar. Pelo que eu entendi, se você enlaça alguma coisa, você a ilaqueia. "Ele me ilaqueou em seus braços e me beijou..."
Palavra rejeitada, fui olhar as palavras próximas para ver se me inspirava. Olha só o que me apareceu, em meio a meia dúzia de palavras comuns: ignomínia (essa eu conhecia mas não deixa de ser estranha), ignoto, igualha, iídiche, ilação, ilativo, ilharga, ilibado, iliberal, ilição, ilídimo, ilidir. E só pára por aqui porque eu fiquei com preguiça de continuar lendo.
Tendo desistido de escrever o tal conto (uma vez que o uso de qualquer uma das palavras acima no meio de um conto poderia fazer o leitor parar de ler imediatamente) resolvi escrever essa crônica. Cujo único objetivo é tentar (e obviamente não conseguir) entender o motivo de haver tantas palavras que ninguém nunca usa nem nunca usou. Claro que, quando digo "ninguém", estou me referindo aos noventa por cento da população brasileira que tem um mínimo de alfabetização.
Quando eu era bem pequena (lá pelos catorze, quinze anos), eu adorava palavras difíceis. Por "difícil", entenda-se incomum, pouco utilizada e desconhecida da população em geral. Não sei como essa paixão começou, mas me lembro do meu fascínio quando li pela primeira vez o livro O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino. O livro é realmente genial, mas o que me fez começar a ler foi o título. Mais especificamente, o "mentecapto". Eu não sabia, não tinha a menor idéia do que significava a palavra mentecapto, e a achei fantasticamente interessante. Só quando já tinha começado a ler foi que me lembrei de procurar no dicionário. E lá estava: "mentecapto: quem é mentalmente desordenado, que ou quem perdeu o juízo, alienado, louco. Que ou quem é destituído de inteligência, de bom senso; tolo, néscio, idiota".
Quando soube o significado, fiquei mais encantada ainda. Era tão óbvio. Mentecapto. Mente-capto. Louco. Era genial.
Havia outras palavras que também me fascinavam: defenestrar, narcisista, esdrúxulo. Eu ficava repetindo elas sempre que surgia a chance. Era insuportável. E não era para me mostrar nem parecer mais inteligente do que os meus amiguinhos; era pelo simples prazer de conseguir usar palavras que nenhuma outra criança da minha idade usava. Pura satisfação pessoal.
(Pensando bem, acho que se, hoje, eu me encontrasse comigo mesma naquela época, eu me daria uma surra)
De vez em quando alguém vinha, pra se vingar de mim, e dizia uma palavra difícil que eu não conhecia. Mas o feitiço virava contra o feiticeiro: eu adaptava a palavra ao meu vocabulário (que era bastante vasto, já que eu não tinha vida social e passava o dia lendo) e a usava para incomodar outras pessoas.
(Só uma pausa. Quando fui escrever "o feitiço virava contra o feiticeiro", por alguma razão eu escrevi "o feitiço virava contra o pescador". É o que acontece com a nossa mente quando a gente mora perto da praia.)
Eu sonhava (na verdade, admito que ainda sonho) em inventar um idioma só meu. Que nem fez o autor de O Senhor dos Anéis, criando um alfabeto, ou como fizeram os autores de Avatar. Ficava imaginando como seriam as palavras, as regras gramaticais, o jeito de falar, o que representariam as letras. Eu gostaria mais de fazer um alfabeto simbólico, como o que é usado no Japão. Acho que faria mais sentido.
Mas já estou falando de alfabetos que não existem e saí completamente do "ilaquear". Acho que isso é um sinal de que estou com sono e tenho que acabar essa crônica por aqui. Boa noite pra vocês. E cuidado com os ilaqueadores.

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Vitoria, você anda sumida, onde você está? Me procure em algum livro de cálculo e você vai me achar. Isso se chama "fim de período".

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Subindo...

Para chegar na minha casa, o ônibus tem que subir um morro. Na verdade, ter ele não tem, porque minha casa fica muito depois do morro, mas por algum motivo ele pega o caminho mais longo e sobe (para depois descer). Só que chamar aquela subida de "ladeira" é um eufemismo; eu prefiro chamá-la de "parede". A impressão que dá, enquanto o ônibus sobe, é que estamos na vertical. Não sei se vocês já tiveram a sensação de que a qualquer momento o ônibus não vai aguentar subir, e vai acabar descendo de ré. Eu tenho essa sensação todo dia.
E outro dia foi um pouco mais do que uma sensação.
Claro que uma hora tinha que acontecer. Era só questão de tempo. Eu sei que aquilo que a gente mais tem medo que aconteça sempre acontece. A gente estava subindo, como sempre, e no meio do caminho o ônibus começou a ter visível dificuldade de continuar. O motorista insistiu, insistiu e insistiu, até que... O ônibus morreu. Tadinho. E tadinha de mim, porque ele começou a ir para trás e todo mundo lá dentro começou a gritar. Menos eu, que não consigo gritar quando estou sob tensão. Era um tal de "ai Jesus" e "ah meu deus" de todos os lados, dentro e fora do ônibus. Mas o desespero maior durou pouco, porque afinal o ônibus ainda tinha freio e o motorista sabiamente fez uso dele.
Ônibus parado e morto no meio da subida. E agora? Vamos tentar de novo. O motorista conseguiu ligar o ônibus, e após sentir certa segurança, voltou a tentar subir. Só tentar, porque o ônibus morreu de novo e de novo foi para trás, de novo Jesus e deus eram chamados de todos os lados, as pessoas devem achar que quanto mais alto elas gritarem maior a chance de eles ouvirem.
Enquanto todos estavam rezando ou rindo daquele jeito que as pessoas riem para não demonstrar que estão nervosas, eu comecei a analisar as possíveis consequências de uma perda total dos freios e nossa irreversível queda até o fim da ladeira e a outra rua, que era uma avenida. Na verdade, o máximo que podia acontecer era vir um carro pela lateral e bater na gente. O que não era tão terrível. A não ser, é claro, que o carro fosse um caminhão.
No exato momento em que pensei isso, um dos caras que estavam na minha frente falou para o outro:
-- Po, lembra daquela vez em que o ônibus desceu e foi parar lá do outro lado?
-- Claro, ele foi parar lá na praia.
E eu, idiota:
-- Sério!?
Os dois olharam para mim, rindo.
-- Sério. Ele caiu dentro d'água e foi nadando até a outra margem.
Mais ou menos entre ele falar isso e eu ter um ataque de riso, o motorista ligou o ônibus novamente. Dessa vez, ele conseguiu subir, entre engasgos e quase-mortes do ônibus. Pelo menos essa era a única subida no caminho.
Pelo menos isso teve um lado bom, apesar dos dias de vida que devo ter perdido: agora eu já tinha uma história emocionante para contar para os meus amiguinhos.

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Sei que não tem nada a ver com nada, mas estão construindo uma igreja do lado da minha casa. Se não me engano, é uma igreja Maranata. Pressinto que coisas emocionantes envolvendo discussões religiosas estão para acontecer.