domingo, 28 de março de 2010

O Amor, o Bêbado, e o Ônibus

-- É tudo o amor.
Eu estava sentada, olhando os carros passando. O homem sentara na minha frente, no banco virado para mim. Estava sem camisa e carregando um monte de sacolas, e tinha quase tanta carne no corpo quanto um esqueleto. Bom especificar que isso foi em um ônibus, que ele estava lotado e que ainda estávamos longe do terminal de Carapina. Quem pega o Transcol sabe do que estou falando.
Quando ele falou, eu olhei para ele involuntariamente. É tudo o amor, mas é tudo o que? Do que diabos aquele ser estava falando? A princípio achei que ele falava com alguém atrás de mim, mas depois percebi que não. Ele falava sozinho.
-- E é isso. - ele continuou seu raciocínio - É tudo o amor. Se o amor acabar, acabou tudo.
E ele repetiu isso de novo. E de novo. E de novo. Foram umas vinte variações de "o amor é tudo" e "se o amor acabar, tudo acaba".
-- Tudo, viu? Tudinho. Porque o amor é isso. Se acabou, puf. Acabou tudo.
Não vou rir, eu pensei, já começando a rir. Caí na besteira de virar pra olhar o cobrador, que também ria, e o cara achou que eu estava olhando para ele. Pronto. Aí vem mais uma pro blog, pensei.
-- Não é, menina? Não é? O amor é tudo.
-- É sim.
-- Porque então é a solidão. E a solidão é o escuro. A pessoa acha que tá andando no escuro, mas é a solidão. Porque a solidão, a solidão é escuro. No escuro a gente tá sozinho. E por isso é tudo o amor. É tudo o amor.
-- É sim.
Imagine o diálogo acima, de vinte formas ligeiramente diferentes, e foi mais ou menos a nossa conversa. Olhei de canto de olho para o cobrador. Ele estava com a cabeça apoiada na gaveta do dinheiro, rindo. Estava quase caindo do banco de tanto rir.
-- E a solidão é uma coisa muito escura.
-- É sim.
-- Mas eu não vou mais falar com você. - ele mudou subitamente, e começou a rir - Porque você não entende. Então não adianta falar, né? Eu não vou mais falar não. porque não tem jeito. Você não vai entender. Você acha que é besteira o que eu to falando? Não é não. - e riu de novo.
-- Pois é. - e voltei a olhar os carros, tentando não olhar para aquele cara, pelo amor de Deus começa a conversar com as sacolas mas não comigo. Eu nunca sei o que dizer pra uma pessoa bêbada-louca-ambas. Mas depois de cinco segundos, ele voltou a falar.
-- Porque no final, é tudo amor. E quando o amor acaba, é isso. Não tem mais nada. É só escuro. Só solidão. - isso soaria poético em outras circunstâncias - Por que quando você perde o amor da sua mulher... - A-ha! Agora tudo faz sentido - Aí é só solidão. E depois você não consegue mais o amor dela de volta. E aí acabou tudo. E a gente bebe, bebe, bebe, mas no final só fica o escuro.
Eu comecei a ficar com pena do cara. Mas ele estava falando e rindo. Ria como se fosse a pessoa mais feliz do mundo.
-- Mas é isso, menina. Pensa nisso. - ele levantou, meio cambaleando, com as sacolas de compras - Porque é só o escuro, heim? Não esquece. É só o escuro. E o que é o escuro? É a solidão. Mas pensa no... Pensa no... Pensa no amor.
E desceu do ônibus.

terça-feira, 23 de março de 2010

Querendo ou Não

Texto escrito originalmente em algum momento do ano passado. É legal, mas não vou adaptá-lo para o momento atual. Até porque, ele já foi adaptado duas vezes.

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Ano passado fui convocada para fazer o tal ENADE. Convocada mesmo, igual acontece com os meninos de dezoito anos em relação ao exército. Não me perguntaram se eu podia ou se já tinha outros planos, não quiseram saber se eu queria ou não. Simplesmente me chamaram, e, de acordo com a secretária lá do colegiado do meu curso, se eu não fizer esse ano eles me chamam ano que vem, e assim por diante. Se chegar a época de eu me formar e eu não tiver feito, não pego o meu diploma. Simples assim.
E eu não fui fazer.
Não fui, por três motivos. O primeiro é que sou revolucionária desde pequenininha, e não era agora que eu ia fazer o que os outros me mandam. Segundo, porque estava na casa dos meus pais no dia e não iria me dar ao trabalho de me deslocar sessenta quilômetros até o local da prova, sem perspectiva de lugar para almoçar e sem ter como voltar. E terceiro, porque eu não quero, e ano que vem ou depois pode mudar tudo e não ser mais obrigatório fazer nada.
E, se não for obrigatório, eu faço.
Revoltas a parte, isso me fez pensar na quantidade de coisas que nos obrigam a fazer. Identidade. CPF. Imposto de renda. Conta no banco. Votar. Tanta coisa a gente é obrigado a fazer, e nunca vi nenhuma manifestação popular a respeito disso. Tenho certeza de que, se ninguém aparecesse para fazer o ENADE, eles não iam segurar o diploma de todo mundo. Ou se ninguém fosse votar. Ou se o pessoal saísse todo na rua quebrando tudo, protestando contra tudo o que há de obrigatório nesse nosso livre país. Sei lá, que fizessem qualquer coisa. Mas não, ninguém faz nada.
Pior. Quando a pessoa aqui começa a reclamar, dizer que não vai fazer porra nenhuma e etc, todo mundo fica contra. Acham feio reclamar. "Sua doida", é do que chamam (e coisas piores). Como se eu fosse só uma... Sei lá, uma baderneira. "Tá reclamando pra aparecer", é o que eles devem pensar.
Ainda não entenderam que ninguém devia ser obrigado a fazer coisa nenhuma. Muito menos pelo governo. Se somos nós que pagamos os caras, se nós é que colocamos eles lá, nós é que deveríamos dar as ordens e não o contrário. Mas, de novo, ninguém faz nada. Fazer pra que, né? Estamos aí, muito bem, comendo nossa grama e bebendo nossa água. Ninguém entende o que é liberdade. Ninguém quer saber.
E ainda falam contra os governos autoritários. A Veja fala mal do Fidel (agora é do Raul). Quer mais autoritarismo do que aqui? Ver você pode, mas não pode tocar. Lá em Cuba você não toca, mas pelo menos não vê e não sabe o que está perdendo. E, se não gostou, você tem a chance de se jogar no mar e ir receber abrigo lá nos EUA. E brasileiro, vai pedir abrigo pra quem? Pra Europa? Estados Unidos? Eu acho que não.
Sempre achei que brasileiro era o pior povo que já foi posto sobre a Terra, e a cada vez tenho mais certeza disso. Está sempre tudo bom, ninguém faz mal pra ninguém, em tudo se dá um jeito. Brasileiro é manso, é preguiçoso. Tem preguiça de sair na rua, de fazer escândalo, de lutar. Os que gostam de lutar acabam indo parar no exército, e o exército é burro, estúpido, ignorante – e assim ficam todos os que acabam indo pra lá. Não, o Brasil precisa de gente inteligente, de gente que proteste, de união. Brasileiro não é unido não, gente. Toda essa história de hospitalidade brasileira, de brasileiro ser amigo de todo mundo, isso aí é tudo mentira. Brasileiro nunca se une quando deve. E não vem me dizer que a culpa é do governo.
Aliás – to indo longe – brasileiro sempre reclama do governo. Sempre! Mas quem colocou os caras lá em cima? Fui eu, e mais não sei quantos porcento da população. O cara não ia estar lá se a maioria não quisesse. As leis não seriam essas, se fossem outros que estivessem lá (tá, talvez fossem, mas não interessa). Cada povo tem o governo que merece. O governo do Brasil é uma representação internacional do povo brasileiro, lados bom e ruim juntos. Você reclama, você tem vergonha do que o estrangeiro pensa dos nossos políticos? Pois eles são você. É a gente, muito bem retratado, mostrando pro mundo inteiro o que o brasileiro é (ou deixa de ser). Que atire a primeira pedra quem nunca ultrapassou em local proibido, quem nunca bebeu antes dos dezoito anos ou cometeu qualquer outra "bobeirinha". Eu mesma não posso atirar pedras em ninguém.
Voltando ao início. O que o governo faria se milhões de estudantes deixassem de comparecer ao ENADE? Iam bloquear o diploma de todo mundo? Iam deixar a gente de castigo por um ano? Ou será que iam começar a rever os seus conceitos?
Não sei. Brasileiro, além de preguiçoso, é teimoso. Era capaz de obrigarem todo mundo a fazer no ano seguinte, só de birra. E aí os estudantes iam cansar de reclamar e iam fazer, mesmo. Um amigo meu me disse o seguinte: é só um dia perdido, não custa nada. Ele, por sinal, também foi fazer o ENADE. Aliás, não é nem um dia inteiro perdido. São só algumas horas.
Mas não são só algumas horas. Não é só um dia. É uma vida inteira perdida ali, naquele dia, naquele pedaço de papel. A sua vida, a vida  dos seus pais e a dos seus filhos. Não é só uma prova que você vai fazer. É todo o seu ideal, tudo o que você pensa ser certo ou errado, passando ali na sua frente, enquanto você escreve. Tudo pelo que você lutou sendo jogado fora. É você dizendo pro mundo que suas opiniões e seus sonhos não significam nada. É você deixando de ser você mesmo.
Mas, no fim das contas, isso talvez não seja tão importante assim. Afinal, somos todos brasileiros mesmo. Somos todos iguais, ontem, hoje e sempre. Talvez o que a gente ache certo não signifique nada nem para nós mesmos.
E talvez, no fim das contas, seja só eu que pense assim por aqui.

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Esse ano eu fui convocada de novo. E de novo não fui fazer. E, quando eu for fazer, vou entregar a prova em branco.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Seletivo

Era a primeira vez, em meses, que eu pegava um ônibus seletivo ao invés do transcol. Primeiro, porque meu passe do transcol tinha acabado e eu ia ter que gastar dinheiro mesmo, e segundo, porque tinha que estar na UFES em uma hora e o transcol demora uma hora e meia. E com o calor que estava fazendo, não era nada mal fazer todo o percurso num ônibus com ar-condicionado, e sentada em uma poltrona macia, não naquelas duras de plástico.
Mas eu não gosto de andar de seletivo. Digo, por um lado é bom, confortável e tudo o mais. Mas as pessoas não são interessantes. Você não vê em um seletivo as cenas peculiares que vê no transcol. Se eu andasse todo dia de seletivo, o que escreveria no blog? Nada, pensei. E estava chegando o momento de atualizar o blog e eu não tinha nada pronto, e ainda por cima pegava um seletivo, que em nada contribuiria para a minha pane mental. Pensando nisso, e tomada pelo desespero de não ter o que escrever, peguei minha agenda, uma caneta, e pensei: se acontecer alguma coisa interessante, qualquer coisa, eu anoto aqui pra não esquecer. Porque, eu esqueci de dizer, minha memória é péssima.
Eu sabia que não aconteceria nada interessante dentro do ônibus. Então, minha atenção se voltou para o grandioso mundo de fora, ou pelo menos para a fração dele que eu podia ver pela janela. As pessoas na rua ainda eram as pessoas na rua - embora fossem outras ruas - e coisas peculiares e interessantes poderiam acontecer, embora eu não tivesse muita esperança. E ao pensar isso, eu vi um anão com cara de mau carregando dois baldes cheios de pedras.
Não estou brincando. Não estou sequer alterando os fatos para ficar mais interessante. O ônibus estava parado - acho que em um ponto - e passou dois caras pela calçada. Um alto e magro, que estava rindo sem parar, e um anão, com cara de mau - igual aqueles gangsteres baixinhos dos filmes - carregando dois baldes, um em cada mão, e os dois estavam cheios de pedras. Pedras mesmo, daquelas que a gente encontra na rua. Infelizmente o ônibus seguiu caminho antes que eu pudesse ver o que ele ia fazer com aquilo.
Depois disso, por um tempo a viagem prosseguiu sem maiores novidades, a não ser um enjôo que comecei a sentir por estar escrevendo dentro do ônibus. Eu enjôo até em gangorra. Em uma parte do caminho vi uma enorme nuvem de urubus, centenas de urubus sobre um terreno baldio, mas isso não era legal nem engraçado. No máximo, significava que havia um ou dois cadáveres ali. O que não é nada emocionante nem incomum, e que com certeza não chamaria a atenção dos meus leitores. E não, não cheguei a descobrir o que havia naquele terreno baldio.
Então entramos em outro lugar, um bairro - acho que era Manguinhos, ou o bairro depois de Manguinhos, seja ele qual for (descobri depois de dois dias que era Novo Horizonte). Havia uma praça, e ali... A primeira coisa que vi foi uma mulher grávida. Tudo bem, se ela não estivesse usando um vestido muito curto, que por causa da barriga ficava levantado na frente, dando a impressão de que ela colocara uma bola de futebol por baixo da roupa. Pra completar, estava ventando, e o vento levantava o vestido e fazia aparecer a calcinha da mulher, enquanto ela, apoiada no poste, não estava nem aí.
Logo depois, na mesma praça, vejo um rapaz passando. O rapaz devia ter a minha idade e seria normal, se não fosse por uma gigantesca tatuagem de fada no pescoço. A coisa era tão grande que eu podia ver os detalhes - o pescoço dele também era bem grande. Era uma fada, com varinha de condão e tudo, e atrás havia uma espécie de estrela verde limão, tão berrante que parecia ser fluorescente. Parecia que ele tinha colado alguma página de histórias em quadrinhos no pescoço.
Mais ou menos nessa hora, tive que parar de olhar para fora e voltar minhas atenções para dentro do ônibus. Uma mulher havia acabado de entrar, e queria sentar ao meu lado, mas minha mochila estava no banco. Ok, tudo bem, eu tiro. E não me importaria, sinceramente não me importaria, apesar da minha mochila ser enorme e eu ter que colocar ela no chão e ela ficar me atrapalhando a viagem inteira. Mas haviam dezenas de lugares vagos no ônibus, que não eram ocupados por mochilas, havia inclusive um par de bancos inteiro sem ninguém. Por que, meu Deus, aquela criatura queria sentar ao meu lado? Seria alguma lésbica maníaca que se apaixonara por mim? Ou será que ela resolvera sentar ali justamente por eu ter colocado minha mochila? Vai saber. Mistérios.
Depois que a dondoca (não pejorativamente, mas ela era muito perua) já estava sentada, voltei a olhar para fora e a anotar tudo na minha agenda. Estávamos passando em frente a um posto de gasolina, e ali estava um atendente do ponto, que devia ter uns quarenta anos, e que, provavelmente por causa do calor, levantara a camisa até a altura do peito. Tudo bem, o calor nos tira o senso de ridículo, mas senhor, pense nas pessoas ao seu redor. Porque o homem em questão tinha uma barriga maior do que a da mulher grávida que eu vira anteriormente, e não era de gordura, porque a barriga era dura, fazia uma bola perfeita, redondinha. Parecia que tinha uma melancia ali dentro.
Mas felizmente o ônibus seguiu viagem e eu não tive que ficar muito tempo olhando para a barriga do homem grávido no posto. Andamos por mais bastante tempo, e eu até já fechara minha agenda, crendo que nada demais poderia acontecer agora que já estávamos quase no fim da viagem. Vi ainda uma mulher jogando um cigarro no chão, o que me irritou profundamente, mas não valia a pena escrever no blog. Minha viagem estava no fim.
Foi quando eu vi um homem morto.
Na verdade, eu não sei se ele estava morto. Mas estava caído no chão, na calçada, em uma posição que parecia ter vindo correndo e caído. Estava sem camisa e sem chinelos, e não se mexia. E ao redor e sob ele, havia uma mancha escura e vermelha, que parecia demais com sangue.
Fiquei olhando, empolgada. Um homem morto! Era a primeira vez que eu via um. Nunca fui nem em enterro. Queria ver se ele estava morto mesmo. Haviam pessoas ao redor, olhando, e estava bastante movimentado ali, embora eu não soubesse se era por causa dele ou não. Mas o ônibus, que estava parado no sinal, de repente começou a andar. Quase gritei "espera!", pra poder ficar vendo o desenrolar da situação e descobrir se o homem estava morto ou não. Mas mudei de idéia e me sentei de novo. Não tive mais grandes emoções até chegar na UFES, dez minutos depois.

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Eu fiquei enjoada o resto do dia.

sábado, 6 de março de 2010

Muito Além Destes Dias

Um dia, vou fazer uma viagem. Vou sair andando, apenas com a roupa do corpo, e ver até onde consigo chegar. Tenho mais ou menos um trajeto pronto na minha cabeça, mas posso tomar direções totalmente diferentes. Posso pedir carona, posso juntar algum dinheiro e pegar um ônibus para o Chile. Posso entrar escondida em um navio e ir parar no Japão. Eu posso fazer qualquer coisa.
É tão bom isso. Poder fazer qualquer coisa. Às vezes eu vejo pessoas cegas que escalam montanhas, paralíticos que atravessam o Atlântico a nado, surdos que compõe músicas. Por que eu, que sou perfeita (mais ou menos), não faço nada disso? Por que a maioria das pessoas que têm duas pernas nem pensa na possibilidade de escalar uma montanha? Por que todo mundo é tão conformado com a vida que leva?
Eu não sou.
Me vejo daqui há uns anos, sentada no alto de uma colina em algum longínquo país europeu, admirando a paisagem depois de ter passado cinco horas tentando chegar até ali e estar com as pernas e os braços sangrando por quedas e picadas de mosquito. Ou andando de bicicleta por uma planície da África, tentando fugir dos leões (e se algum me pegar, tudo bem, ainda tenho muitas encarnações pela frente). Ou pulando de pára-quedas, ou sem pára-quedas. Me vejo fazendo qualquer coisa.
Quando eu era bem pequena, com uns doze ou treze anos, eu tinha muito medo de morrer. Tinha verdadeiro pavor da morte. Morrer, acabar. Uma hora tudo existe, depois mais nada. Eu era ainda mais descrente do que sou hoje. Eu chorava com medo de morrer, e eu tinha doze anos e era completamente saudável. Hoje eu tenho vinte e um, continuo sendo saudável (mas não muito), e não tenho mais medo da morte. Pelo menos, não da minha morte. Eu amo viver, amo a minha vida. Faço de tudo para superar meus medos (tenho medo de escuro e fico andando com as luzes apagadas, tenho pavor de altura e fico escalando telhados). Só não saí na minha viagem ainda porque estou fazendo faculdade e algumas pessoas dependem de mim pra tudo.
Eu tenho muita coisa a ensinar há algumas pessoas. Preciso ensinar a P que em breve eu vou embora, e que isso não é ruim. Que ela não precisa de mim. Que não precisa de ninguém, e que não tem que se importar tanto com o que as pessoas dizem. Tenho que ensinar a M que ela não pode depender de ninguém, e que não é justo cobrar dos outros aquilo que ela não aceita que cobrem dela mesma. Preciso ensinar a I que ela é a melhor no que faz e que não há ninguém igual a ela, e que as pessoas gostam dela do jeito que ela é. Que ela é muito especial, e que não precisa mudar nada. Preciso ensinar a muitas pessoas que, por pior que você se sinta, sempre existe alguém em algum lugar que ama você, que está pensando em você naquele momento, e que te vê como a luz do mundo. Você sempre é a coisa mais importante pra alguém, mesmo que não saiba disso.
Quando eu tiver feito as coisas que preciso, quando aqui não precisarem mais de mim, vou partir para a minha grande viagem. Sem medo de morrer. Porque pra mim não basta existir; eu quero que minha existência seja lembrada. Que as pessoas saibam quem eu fui e o que fiz. Que sintam minha falta. Talvez isso seja uma certa carência. Mas eu quero fazer algo de bom. E quero conhecer cada caminho do mundo. Como uma criança que descobre cada segredo do seu próprio quintal.