sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Preconceito?

Eu tive que me treinar para, em uma conversa em público, nunca dizer "fulano é preto". Sempre que dizia isso, as pessoas com quem eu conversava ficavam constrangidas, as pessoas ao redor me olhavam como se eu tivesse acabado de xingar alguém. Até hoje, tenho que me lembrar de que é feio dizer "preto" e é aceitável dizer "negro".
Quando eu era pequena, lá pelos três anos, eu me orgulhava de saber o nome de todas as cores. Ia falando em ordem alfabética: amarelo, azul, branco, bege, cinza, laranja, lilás, marrom, preto, rosa, roxo, verde, vermelho. Acho que são só essas (na época eu sabia, hoje não sei mais). Então... Espera aí, onde está o "negro"? Ou será que "negro" não é uma cor?
Na minha cabeça de criança, preto era uma cor. Eu tinha um lápis de cor preto, uma canetinha preta, o cachorro da vizinha era preto. O olho do fulaninho da minha sala era preto. Já negro era um estado. A noite está negra, até porque noite não tem cor. A negra escuridão. Negro não é uma cor. Preto é uma cor.
Sendo assim, alguém me diga porque eu posso dizer "fulano é branco" e não posso dizer "fulano é preto". Porque branco é uma cor, estou me referindo à cor da pessoa, então se alguém é preto, eu devia dizer que ele é preto, não que é "negro". Quando ouço alguém dizer "eu sou negro", meu cérebro traduz da seguinte forma: eu sou preto, mas tenho vergonha de dizer que sou preto, então pra não ter que me lembrar que pertenço a uma raça inferior, digo que sou negro, para disfarçar.
Se eu fosse branca, não teria vergonha de dizer que sou branca. Se eu fosse preta, não teria vergonha de dizer que sou preta. E se eu fosse verde, amarela, ou de todas as cores do arco-íris, também não ficaria usando eufemismos para esconder minha cor.
Brasileiro é tão preconceituoso... Na rua, o que mais escuto é: "ah, não tem a Maria? Aquela menina que anda sempre de rosa e é... Bem morena". Quando a gente vai ver, a Maria é mais preta do que minha bisavó, que era escrava (ou filha de escravos, não tenho certeza). Dá pra ver que a pessoa fica constrangida, pensando se deve ou não dizer ao mundo que a Maria nasceu com essa cor, coitada. Afinal, se a pessoa é preta, consequentemente é pobre, e consequentemente deve ser bandido e gostar de funk. Com certeza muitos pretos são tudo isso, e com certeza muitos brancos também. Eu tenho vontade de dar um tiro em alguém quando a pessoa diz uma coisa dessas. Aliás, tenho vontade de dar um tiro em qualquer um que use o termo "negro" para se referir à cor da pessoa. Mais um pouco, e estaremos como os americanos, chamando nossos pretos de "afro-brasileiros".
E eu tenho uma implicância enorme com o movimento negro, ou seja lá que nome tem isso. Aquele pessoal que fica defendendo os direitos dos pretos, ops, negros. Por acaso existe algum movimento defendendo os direitos dos brancos? Por acaso os pretos são um grupo à parte da sociedade ou têm menos direitos perante a lei? Não que eu saiba. Eles reclamam do preconceito; mas, meus queridos, vocês têm preconceito com vocês mesmos. Só de se chamarem de "negros", já estão se colocando em uma categoria inferior. Como eu já disse, parece que eles têm vergonha da cor que têm. Além disso, preconceito vai ter sempre, e não só com os pretos. Eu conheço gente que não gosta de preto, do mesmo jeito que conheço quem não goste de espanhol, de argentino, de gay, de criança, de cego, de gato, de farinha de trigo e de torcedor do flamengo. Preto ganha menos, tem menos oportunidades? Ok, mulheres também, pessoas pobres também, cegos também, cachorros também. Aliás, eu teria muito mais chances no mercado de trabalho se tivesse Síndrome de Down ou alguma outra deficiência.
Outra coisa que não concordo é o sistema de cotas para negros nas universidades. No início eu também achava absurdo as cotas para estudantes de escola pública, mas pensando bem, tem sentido: os estudantes de escola particular têm muito mais chance no vestibular, e não necessariamente quem vai bem no vestibular irá bem na universidade. Agora, por que um preto deve ter mais chance do que um branco, um verde ou um lilás? É tipo assim: nós não podemos consertar o fato de você ser preto, então, como um pedido de desculpas por essa fatalidade, te daremos uma vaga na nossa universidade. Ou, melhor ainda: como você é preto, e portanto é inferior e tem menos capacidade do que qualquer outra cor, vamos te ajudar a pelo menos entrar na universidade, e lá dentro você se vira.
O que quero dizer é que nada justifica alguém ter algo a mais ou a menos do que outro só por causa de sua cor. E pare de dizer que é negro. Se você disser que é negro na minha frente, e ainda me chamar de preconceituosa, eu juro que não respondo por mim. E se você for preto e disser que é moreno, jogue-se de uma ponte, antes que eu jogue você.
Só pra finalizar: quando eu era criança, antes dos seis anos, eu não gostava de preto. Achava estranho, não entendia. Se fosse uma criança da minha idade, tudo bem, mas se fosse alguém mais velho, eu tinha medo. Uma vez eu disse pra alguém que não gostava da pessoa porque ela era preta. Só horas e horas de conversa com meus pais conseguiram me fazer entender que uma pessoa preta era igual a uma pessoa branca ou de qualquer outra cor. E isso em uma idade em que eu nem conseguia pronunciar a palavra "preconceito". Mas, depois disso, já tive milhares de amigos pretos e já me apaixonei por alguns. Inclusive, apesar da família da minha mãe ser toda portuguesa, a família do meu pai é uma mistura de portugueses com escravos africanos.

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Vitoria Esewer é lilás com bolinhas amarelas.