quinta-feira, 28 de junho de 2007

Kayky

Ele dá alguns passos e cai. Ele já sabe ficar de pé. Ele olha e sorri. Seus olhos riem, seus grandes olhos esverdeados riem pra mim. Eu não sou sua mãe, mas às vezes te amo como se fosse. Às vezes, você é um estranho pra mim. Eu sussurro em seu ouvido um "De onde você veio?", e seus grandes olhos verdes me respondem "de longe, muito longe".
Ah, bebê... Eu sou nova demais, mas sou mais velha do que sua mãe. Um dia você talvez ache os dezesseis anos que te separam dela muito pouco, mas hoje não. Hoje, ela é uma adulta. Hoje ela é tudo para você, e você a chama de mamãe. E hoje você me chama de tia.
"Titia". Quem, eu? Não, bebê, não sou sua tia. Mas você insiste. Você tenta dizer meu nome, mas não consegue. Então, me chame de tia. Para que um nome, se em uma palavra já está dito tudo?
Agora, você já anda. Você corre e fala. E ontem você disse meu nome. Você disse o meu nome. Por que você sorri pra mim? Talvez, no fundo, você me ame. Será que você sabe o que é o amor? Não, mas você não precisa saber pra sentir.
E agora eu vi você chorar. Chora, bebê, chora, porque seu pai está longe. Ele vai voltar, ele sempre volta, mas você não sabe disso. Então chora, porque a vida é triste e o mundo é injusto.
Um dia, eu sei, você vai me achar velha demais pra dizer qualquer coisa. Mas, enquanto esse tempo não chega, me escuta. Eu te amo, bebê. Se os anjos existissem, você seria um deles. Eu amo o seu sorriso e os seus olhos verdes. Você pode um dia chorar, mas, por favor, nunca esqueça como sorrir.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Contos Urbanos

Terça-feira. Ônibus tão cheio que, a cada passageiro que entra, dois caem pela janela. Um calor escaldante ao sol, um frio cortante à sombra. Um vendedor de balas, ex-viciado convertido ao cristianismo. Um dia normal.
Há gritos de protesto quando o motorista pára pela décima primeira vez em um ponto, atendendo ao pedido de uma mulher que, de longe, parecia duas. O ônibus pára, entra a mulher, cinco são lançados pela janela. Antes que a porta se feche, entra uma garotinha. A viagem prossegue.
Três pontos depois, a mulher desce, e o ônibus respira. Fica a garotinha. As atenções se voltam para ela. É loirinha, minúscula, olhos azuis e roupinha rosa. Balança de um lado para o outro até que um homem - que pode ser um pai de família, um padre ou um pedófilo - oferece seu colo, onde a menina prontamente se acomoda.
Onde está sua mãe?, pergunta o homem. Em casa, responde a garotinha. E seu pai? Também. Para onde você vai?, pergunta a mulher ao lado. Para a casa da minha avó. Onde ela mora? Daqui há quatro pontos. Sua mãe deixa você ir sozinha?, pergunta o vendedor de balas. Deixa. Quantos anos você tem? Sete.
Quanto mais perguntam, mais feliz fica a garotinha. A mãe é advogada, o pai é médico, o avô morreu, a avó é aposentada e mora sozinha. Na hora de descer do ônibus, a garotinha ganha beijos de todos e um pacote de balas.
Esta história tem dois finais possíveis:
Final 1: a garotinha desce do ônibus e vai, feliz, com seu pacote de balas, para a casa de sua avó, onde vê tv, brinca de boneca e vive feliz para sempre.
Final 2: a garotinha desce do ônibus, o homem que a colocou no colo desce logo depois, vai atrás dela, a encontra perto da casa da avó, a leva para um terreno baldio, a estupra, a mata, joga seu corpo no rio e vai para casa levar a mulher e os filhos à igreja.
Escolha um dos dois, a seu gosto.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Sob o Céu da Tarde

Hoje, o céu atrás da minha casa está mais bonito do que o normal. Está azul, como poucas vezes tem estado. Na frente não. Não fosse pelos riscos de nuvem que surgiram agora, ele estaria pálido como um quadro manchado de giz.
As pessoas que gostam de olhar o céu são boas. Conforme o sol desce as nuvens se adensam, mas ainda não encobrem o azul. O céu de trás de casa parece ter escorrido para a frente e para os lados, e agora todo ele está azul como é ao amanhecer - mas o dia agoniza.
As nuvens parecem ter um brilho prateado, e uma luz dourada tinge suas bordas de rosa. O dia morrendo trás consciência a quem está vivo e medo a quem espera.
É mais bonito quem carrega o céu nos olhos. Depois que anoitece, o céu não tem a mesma luz do pôr-do-sol. As nuvens brancas lembram um quadro pintado há muito tempo e que não existe mais. Há um tempo atrás esperava, hoje apenas corro. Um dia, espero, voarei.
Poucas crianças gostam de olhar o céu. Crianças são como pássaros, se acostumam com o que há de mais belo. Quando o céu goteja e a neblina sobe, o dia inteiro silencia.
O céu escureceu. Não fosse a lua cheia, nada haveria nessas linhas. O sol se foi, já não há céu sobre esta casa; nada a fazer, a não ser esperar que o tempo o traga de volta.